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Bioética, Direito e Biodireito

Podemos permitir que a Ciência avance, mas devemos limitar a entrada em vigor apenas daquilo que, naquele momento, ainda oferece muito mais riscos que benefícios.

8/11/2022

Muito se tem ouvido falar nos últimos anos sobre o termo bioética na abordagem de diversos assuntos polêmicos; mas, afinal, qual o seu significado e qual a sua importância para o Direito? Bioética, para alguns, é um conjunto de pesquisas e  práticas  interdisciplinares, objetivando refletir sobre questões éticas provocadas pelo avanço das tecnociências.  Para outros, a  bioética é um estudo  da conduta humana no campo das ciências biológicas e da atenção de saúde, sendo essa conduta examinada à luz de valores e princípios morais, constituindo um conceito mais amplo que o da ética médica, tratando do começo e fim da vida, da fauna e da flora. Portanto, seu estudo vai além da área médica, abarcando Direito, Biologia, Filosofia, Psicologia,  Antropologia, Sociologia, Ecologia, Teologia etc., observando as diversas culturas, valores, enfim, respeitando o pluralismo. Biodireito, em apertadíssima síntese, é um conjunto de normas que regulamentam comportamentos médico-científicos mediante os avanços da ciência médica e da biotecnologia.

As pesquisas biomédicas têm ganhado cada vez mais impulsos, e muitas vezes ficamos assustados com os resultados. Clonagem de seres humanos, aborto eugênico, eutanásia,  transplantes de órgãos, esterilização de doentes portadores de anomalias graves, experimentos em seres humanos, reprodução assistida são alguns dos assuntos em que as discussões ainda não estão serenadas, carecendo de maior reflexão, sobretudo, por parte dos estudiosos do Direito. Será que o Direito teria o direito de intervir nesses avanços, procurando determinar até onde a Ciência pode ir?

Percebemos que a Ciência está caminhando mais rápido do que a reflexão ética por parte da sociedade. A humanidade ainda não encontrou respostas para diversas questões éticas. Muitos requerem a discussão e a elaboração de leis sobre a bioética para legitimar a sua prática ou para proibir experiências julgadas abusivas.

No entanto, com o progresso veloz das pesquisas biológicas, corre-se o risco destas leis já estarem defasadas no momento da sua promulgação. Alguns estudiosos  recusam a idéia de legiferar, de criar leis. Para eles os grandes princípios da Cosntituição Federal, do Código Civil, do Código Penal já são suficientes para regulamentar as situações. Se formos legiferar, será preciso muita prudência, dando à matéria grandes princípios sem querer tratar detalhadamente todas as questões. Além disso, a moral não deve ser considerada como um conjunto de restrições, mas sim, um caminho de liberdade e de felicidade.

A lei deve assegurar o princípio da primazia da pessoa, assim,  mesmo diante da inexistência de uma lei específica, caberá ao Juiz dizer o direito, baseando-se em princípios gerais, determinando os limites.

Portanto, é preciso uma maior aproximação entre o cidadão e as tecnociências, facilitando o diálogo com a coletividade acerca do desenvolvimento coletivo.

A ética não deve ser entendida apenas como solução de problemas intelectuais, mas como aquisição de hábitos, de qualidade de caráter. A bioética representa a esperança de uma terceira via, com o fim de conciliar o desenvolvimento e a democracia. A escola deve considerar o campo da bioética essencial à aprendizagem da vida em sociedade, pois ela permite manter o controle democrático de todos sobre as escolhas de amanhã.

A bioética deve priorizar a proteção do ser humano, não as corporações biomédicas. A ciência deve existir como esperança e não como uma ameaça à vida.

Contudo, não podemos impedir as pesquisas ou queimar os pesquisadores com o rigor da Inquisição. O ponto de vista da Igreja deve ser observado, no entanto, sem nenhuma imposição de caráter religioso.

Uma vez a Ciência tendo avançado, não mais é possível o seu retrocesso, pois os conhecimentos novos que ela traz ficam incorporados definitivamente ao Saber da humanidade. Não se pode simplesmente coibir a Ciência de dar prosseguimento às suas pesquisas, nem tampouco podemos determinar preliminarmente, com absoluta certeza de acerto, os limites que ela deve observar.

Milhares de  conquistas da Medicina e da Ciência de um modo geral, com grandes proveitos para o Homem, ocorreram nesses últimos séculos. Elas teriam deixado de existir caso fossem os cientistas cerceados em sua liberdade de pesquisa. Não basta o Direito determinar até onde a Ciência deve ir para que ela avance. Pesquisar ele pode, mas nem sempre é evidente que se conseguirá sucesso. Aliás, muitas das descobertas são obtidas ao acaso, procurando por outros resultados. Diversas descobertas são inesperadas – como, então, o Direito vai impor um ritmo a elas ou vai impedir que suas conclusões sejam obtidas? Além disso, aquilo que é ético ou moral hoje, amanhã poderá não sê-lo.

Esse conflito de interesses, colocando de um lado o frágil equilíbrio da vida, o qual é submetido a novas provações a cada momento em que a Ciência promove novas descobertas, e de outro as novas exigências e expectativas que são impostas à Ciência no sentido de que ela promova conquistas para a superação dos problemas que cercam a vida do próprio Homem, obriga-nos a assumir uma posição de alerta permanente, e, talvez, a posição mais razoável para superar esse conflito seja o surgimento de mais um desafio, cujo preço que temos a pagar seja os novos rumos da Ciência, sem cercearmos seus avanços, mas também sem permitir que sejam simplesmente incorporados à nossa vida os novos conceitos e descobertas sem submetê-los a um rigoroso juízo de interesse moral e ético para a Humanidade.

Em outras palavras, podemos permitir que a Ciência avance, mas devemos limitar a entrada em vigor apenas daquilo que, naquele momento, ainda oferece muito mais riscos que benefícios.

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VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e Direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 37 n. 145 jan./mar. 2000

Tereza Rodrigues Vieira
Pós-Doutora em Direito Université de Montreal. Mestre/Doutora em Direito PUC-SP. Especialista em Bioética Fac. Medicina da USP. Docente Mestrado Direito Processual e nagraduação em Medicina e Direito

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