Posso dizer que eu não mereço minha esposa. Sou muito sortudo em ter a Angela comigo nos momentos bons e naqueles nem tão bons assim.
Escutei de algumas pessoas, entre amigos e clientes, a mesma coisa. As frases “Eu não mereço esse homem na minha vida!” e “Essa mulher é demais!” não tinham o mesmo tom lisonjeiro e romântico que costumo usar ao me referir a minha esposa.
Rancor, arrependimento, tristeza e várias outras dores representam os sentimentos de pessoas que se desapontaram com quem um dia juraram passar o resto da vida. Salvo exceções muito restritas, ninguém se casa já pensando em se separar.
O ano de 2022 é marcante para este tema, pois celebra-se os 45 anos da Lei do Divórcio. O Brasil, assim como outros países com forte tradição católica, aprovou essa lei em um passado bem recente. Até hoje é proibido se divorciar nas Filipinas.
Os desquitados – nome dado aos cônjuges separados até 1977, ano em que foi votado a Lei do Divórcio no Brasil – não podiam tocar suas vidas. Em muitos casos, já não moravam na mesma casa, até tinham novas famílias, mas ilegítimas. Os filhos dessa nova união eram considerados frutos de relacionamentos extraconjugais.
A pressão para aprovar a lei era gigantesca e para não aprovar, também. Lembre-se que estamos falando da década de 1970, ainda durante a ditadura militar, um período em que grupos conservadores tinham voz ativa.
Diziam que o divórcio causaria a “ruína da sociedade brasileira”. Nas palavras apocalípticas do senador Ruy Santos (Arena/BA), o filho do divorciado se tornaria “escravo da turbulência, da marginalização, do tóxico, do crime por vezes”.
Seu principal opositor nesse debate, o senador Nelson Carneiro (MDB/RJ), de acordo com os arquivos do Senado Federal, queria “substituir a imoralidade do desquite por uma outra sociedade em que, sobre os escombros de um lar destruído, possam erigir-se duas famílias legítimas, onde nasçam filhos legítimos que não carregam, inocentes que são, por toda a vida, a pecha da ilegitimidade”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada 29 anos antes pelo Brasil, em seu art. 16, expressa que “durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais”.
À época, “dissolução” ainda era uma palavra mais aceitável do que aquele palavrão que começa com D. Mesmo assim, esse documento de importância atemporal prevê a possibilidade do fim do casamento e a igualdade de direito entre os cônjuges.
É uma lástima que a mulher seja a ponta mais fraca até nisso. Em casamentos infelizes, a mulher sofre durante e depois da separação. Clássicos da literatura como “Anna Kariênina” e “Madame Bovary” foram escritos por essa ótica. Foi para diminuir essa desigualdade, entre tantos outros motivos, que a Lei do Divórcio foi criada no Brasil.
Não estou aqui para incentivar o divórcio. Eu sou a prova viva da alegria do matrimônio. Justamente por isso eu consigo imaginar o quão miserável seria minha vida e a da Angela se chegássemos em um momento em que seria melhor para os dois que continuássemos em caminhos separados e mesmo assim estaríamos impedidos por lei de fazer isso. Onde estaria nossa liberdade e nosso direito em buscar a felicidade?
Em 2021, de acordo com o Colégio Notarial do Brasil - Conselho Federal (CNB/CF), foram realizados 80.753 divórcios pela via notarial no país. Foi o maior número desde o começo da série histórica em 2007 e certamente daria um piripaque nos antidivorcistas da década de 70.
O número alto se deve principalmente à facilidade de encerrar o casamento de forma consensual, agora pela Internet. Essa possibilidade foi incentivada pelo isolamento na pandemia, período que coincidiu com o aumento de divórcios e, provavelmente, com a aproximação dos casais.
Hoje, os futuros ex-casais não precisam amargar anos e anos de infelicidade só por causa da lei. Casamento é muito bom, mas não é para qualquer um. Melhor que seja com a pessoa certa, nem que se tente mais de uma vez.