A exibição – gratuita ou onerosa para o espectador-consumidor-usuário – de um evento de grande interesse social e coletivo com a finalidade precípua de entretenimento (desportivo, musical, festivo, a exemplo de Copa do Mundo, Rock in Rio e Carnaval) transmitido através de veículos, plataformas e serviços midiáticos tem sido já há algum tempo um grande atrator de investimentos financeiros e organizacionais. Por consequência, um produto bastante rentável que expõe, oferta e vende muitos outros produtos e serviços.
A “transmissão” de que se fala (de qualquer evento, diga-se de passagem) pressupõe basicamente, do ponto de vista de infraestrutura técnica audiovisual, a captação, a fixação e a emissão de imagem e som a serem exibidos (e gravados) comumente em tempo real1, dentre outras “etapas”. Os “direitos de transmissão”, enquanto plexo de obrigações e bens jurídicos, são em verdade grandes convenções contratuais-comerciais, com a possibilidade de vínculo em cadeia de uma série de stakeholders via licenciamentos e sublicenciamentos.
Devido também as questões atinentes ao debate sobre ownership das características intangíveis externalizadas no decorrer do evento (isto é, se a performance de quem está sendo captado – do jogador, dos músicos, do passista – ao vivo ou gravada, preenche o suporte fático da obra para fins de direito de autor ou conexo; como há a intersecção entre este direito e o direito geral de personalidade etc.), os direitos de transmissão podem ser interpretados como espécie do gênero “direitos audiovisuais”2.
Tais direitos estão intrinsecamente relacionados ao ambiente concorrencial. Um exemplo, no caso do futebol, é a sua proposição pelas ligas, clubes, ou organizações aos agentes econômicos relativos aos grupos de mídia interessados através de leilão (auction)3, para determinados territórios.
Ainda com relação ao esporte, interessante é a observação introdutória de Tom Evens, Petros Iosifidis e Paul Smith4:
Existe uma relação simbiótica entre a mídia e as organizações esportivas. Por um lado, o esporte fornece uma valiosa fonte de conteúdo para as organizações de mídia (comercial e de serviço público). Enquanto por outro lado, a mídia (principalmente as emissoras de televisão) fornece uma fonte de receita cada vez mais importante para as organizações esportivas (seja diretamente da compra de direitos de transmissão, ou indiretamente através da exposição para os patrocinadores). Como nas competições esportivas atuais, porém, dentro dos limites desta relação, todos os participantes estão "jogando para ganhar". As emissoras (comerciais e públicas) competem entre si por contratos lucrativos de direitos desportivos, bem como contra organizações esportivas em uma competição para garantir o "melhor" preço pelos direitos em oferta. As organizações esportivas também competem para promover seu esporte em uma competição de atenção pública com outros eventos e organizações esportivas. E finalmente, correndo o risco de esticar a analogia, há também uma competição contínua entre políticos, reguladores, organizações esportivas e emissoras de radiodifusão sobre a estrutura legal e regulatória para a transmissão esportiva.
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1 Tais “suportes fáticos” estão presentes em enunciados normativos da Lei Pelé, relacionados a um “direito de arena” classicamente trabalhado pelo ordenamento brasileiro. “A vida é uma série de histórias do dia a dia, minuto a minuto, sempre renovada. Histórias de sucesso e fracasso, de desafios e obstáculos, de objetivos alcançados ou nunca alcançados, de renovação e redenção, de trabalho bem feito ou insuficiente, de pessoas que jogam pelas regras e aquelas que empurram os limites ou não jogam limpo. Em cada vida, há começos, meios e fins. Há celebração e desespero. E o otimista em nós espera que cada vida seja enriquecida pelo amor e pelo menos uma paixão a ser perseguida. Quando vidas se cruzam, onde paixões e objetivos colidem e competem, o resultado é drama, suspense e novas histórias. [...]. Contar estas histórias ao vivo na mídia eletrônica requer equipes de produção criativa que pesquisarão todas as histórias que estão em ação ou que possam surgir durante cada competição, e depois usar cada ferramenta de imagem e som ao seu comando para apresentar os eventos de uma maneira tão divertida e informativa que o público desfrutará do tempo que passa assistindo e antecipando com ansiedade a próxima competição.” (Deninger. Live Sports Media: The What, How and Why of Sports Broadcasting. Routledge, 2022. [ebook – tradução livre])
2 Expressão que pode ser encontrada em Portugal e Espanha, por exemplo. “Com relação à sua natureza jurídica, segundo o professor José Massaguer, os direitos audiovisuais são direitos subjetivos de conteúdo patrimonial que se aplicam a bens intangíveis: eventos esportivos.” (Cebrián. Los derechos audiovisuales del fútbol: son derechos de propiedad intelectual? In: Actualidad Derecho Deportivo. Tirant, 2021. p. 830 [tradução livre])
3 “O leilão parece ter se tornado o procedimento de venda comum para os direitos esportivos mais atraentes. Tem sido um procedimento padrão na América do Norte desde os anos 70, e gradualmente se tornou mais comum na Europa, Austrália e também em outros continentes. [...]. Existem vários procedimentos de leilão, e vários fatores podem influenciar o resultado: o preço final, bem como outras condições contratuais que influenciam a distribuição da renda que a transmissão dos programas gera. Isso inclui fatores como o número de bidders, sua avaliação monetária do produto e atitudes em relação ao risco. Um leilão não garante automaticamente ao vendedor receitas maiores do que qualquer outro procedimento de venda. Em outras palavras, um leilão por si só não é suficiente para maximizar a receita do vendedor, ele precisa ser encenado de forma eficaz. A eficácia será influenciada por uma ampla gama de fatores. Alguns deles estão dentro do domínio do vendedor, mas nem todos eles.” (Gratton/Solberg. The Economics of Sports Broadcasting. Routledge, 2007. [ebook – tradução livre])
4 The Political Economy of Television Sports Rights. Palgrave Macmillan, 2013. [ebook – tradução livre]