Assistimos aos leilões de parcerias público privada dos Serviços de Água e Esgoto, que têm como critério de seleção da empresa vencedora o maior valor pago ao ente estatal concedente. Este valor financeiro, quase sempre mais alto do que aquele previsto para melhorar e ampliar os serviços, não ajuda na operação e nos investimentos necessários para um sistema socialmente sensível e necessário ao desenvolvimento econômico e humano.
Além de estranho, o modelo de concessões ditas onerosas causa dano irreparável ao setor e sabota os esforços e metas estabelecidas pelo marco legal do saneamento de 2020.
A operação dos sistemas de saneamentos, produção e distribuição de água potável, afastamento e tratamento de esgoto, drenagem urbana e destinação e coleta de resíduos sólidos são considerados monopólios naturais. A teoria econômica ensina que os monopólios (estatais ou privados) precisam ser controlados para manter a eficiência e efetividade. Impõe um conceito que tem como base o planejamento e controle de um administrativo, financeiro, comercial e operacional desenhado pela entidade estatal (Município, Distrito Federal, Estado ou a União) com o objetivo de melhoria contínua dos serviços e obras dos serviços prestados aos usuários.
Neste sentido, os estudos de viabilidade econômicos financeira são cruciais para o sucesso do empreendimento e sua autossustentação durante e após a o prazo de validade do contrato de concessão. Via de regra, as receitas, despesas gerais, investimentos em obras e serviços, e a remuneração da concessionária prestadora dos serviços, distribuídos na linha de tempo do empreendimento, vão fornecer elementos para o cálculo das tarifas a serem cobradas dos usuários e assim garantir os recursos para uma operação de alto padrão de atendimento.
Ao longo da vida útil dos sistemas de saneamento básico são as tarifas pagas pelos usuários que garantem sua sustentabilidade e perpetuidade como atividade e negócio de relevância social e para a existência civilizada, porquanto sem saneamento não se governa.
De forma ufanista, os atuais leilões, noticiados como fatos relevantes para o saneamento, escondem uma particularidade danosa ao setor e ao bolso do usuário e que não tem sido apontada por aqueles que só se preocupam em destacar o volume de dinheiro obtido no leilão. O verdadeiro objetivo das PPPs no setor é o saneamento da região, que traz relevantes melhorias para a saúde humana e ambiental não a arrecadação de verba para o Poder Executivo.
Esse modelo que exalta o valor monetário da outorga esconde outra perversidade:
É o cidadão quem paga pelo investimento feito pela concessionária na compra da outorga e, pior, o valor não será aplicado na melhoria e ampliação dos serviços de saneamento.
Os volumosos recursos das outorgas vão para o caixa do ente concedente que dará destinação incerta, estranha ao setor. Com esse modelo há uma transferência de recursos entre áreas com finalidade diferentes sendo que a remuneração do ente concedente está tomando o lugar que na tarifa seria destinado aos investimentos realmente produtivos ao setor.
Piorando esta situação, vemos que o valor pago pela outorga (que virá integralmente da tarifa cobrada do usuário) tem sido sempre maior do que os investimentos produtivos nos serviços concessionados.
Esses modelos de concessões servem apenas ao capital não produtivo que se mimetiza como capital produtivo e engana o usuário.
Um caso concreto é o da concessão da grande Maceió, com 1,3 milhões de habitantes, realizada em 2020. Para ter sucesso no leilão o grupo empresarial vencedor desembolsou dois bilhões de reais em outorga. Assim a tarifa média mensal a ser cobrada a guisa de pagamento do investimento feito para adquirir a outorga, carregará um valor mensal por ligação residencial unifamiliar de R$12,00 ao longo dos 420 meses (35 anos) de concessão. Isso a valor presente e considerando 3,3 pessoas por residência, com base em dados do IBGE.
Nenhum centavo desta arrecadação serve ao Saneamento, nenhum quilo de gás cloro será comprado com este recurso.
Para mitigar os efeitos de uma concessão onerosa, poderia ser criado um fundo rotativo de saneamento estatal formado com os recursos advindos da outorga, até um limite que não sobrecarregasse a tarifa a ponto dela perder sua natureza módica e impedir os investimentos produtivos.
Com este fundo o ente estatal e o setor ficariam protegidos e teriam recursos para investir e incorporar tecnologias, ampliar e melhorar os serviços continuamente.
Um fundo específico traria transparência no seu uso e serviria para financiar as obras e serviços de saneamento em outras áreas relacionadas, como drenagem urbana e limpeza pública e manejo dos resíduos sólidos urbanos domiciliares, além de Sistemas de Água e Coleta e tratamento de Esgotos, com prazos e juros mais adequados à natureza do setor, (o que hoje nem sempre acontece), que impõe aplicação de grandes somas de investimentos no curto prazo e longo prazo de amortização.
O ente federativo concedente teria assim sua capacidade de financiar aqueles projetos que não se sustentam apenas com a tarifa, que possuem resultado financeiro não atrativo, mas trazem bem-estar social e resultados significativos para a saúde pública e economia nos gastos com internações hospitalares.
Transferir o saneamento para uma empresa com lógica no lucro (que é legítimo) não isenta o ente estatal de elaborar termo de referência acurado para o resultado caber no bolso do usuário.
Por tudo que foi exposto, a melhor solução, entretanto, seria mudar o atual critério. As concessões de saneamento deveriam ser vencidas pela empresa que fizesse o maior investimento e cobrasse a menor tarifa para atender o termo de referência estabelecido pelo ente federado concedente, seja ele Município, Distrito Federal, Estado ou União.
Isto garantiria que as tarifas não seriam oneradas pelos investimentos feitos para comprar a outorga e que não servem ao saneamento.