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A base de cálculo do ITBI e a autoridade da decisão do Superior Tribunal de Justiça

A postura dos Municípios em não observar a decisão do Superior Tribunal de Justiça implica em grave desrespeito à autoridade de suas decisões.

25/10/2022

O ITBI, Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis inter vivos, de competência Municípios, tem como critério material (fato gerador) a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis.

Com efeito, Dispõe a Constituição Federal:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

Sua base de cálculo foi determinada no artigo 38 do Código Tributário Nacional:

Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

Mas, para a determinação da base de cálculo do ITBI, o que seria o “valor venal”?

“É o valor de venda, ou o valor mercantil, isto é, o preço por que as coisas foram, são ou possam ser vendidas"1.

Para Hugo de Brito Machado2, o valor venal é aquele que o bem alcançaria se fosse posto à venda, em condições normais. “O preço, neste caso, deve ser o correspondente a uma venda à vista, vale dizer, sem incluir qualquer encargo relativo a financiamento.”

Entende-se, pois, como base de cálculo do ITBI o valor do bem transmitido, que, em última análise, significa o valor de mercado bem. Ou seja, a base de cálculo desse imposto deve refletir e corresponder ao valor real da venda ou o valor do imóvel em condições normais de mercado.

E, a base de cálculo de um tributo tem suma relevância. Alfredo Augusto Becker considerava-a o núcleo em torno do qual gravitam os demais critérios formadores do fato jurídico tributário3:

“Resumindo, o espectro atômico da hipótese de incidência da regra de tributação revela que em sua composição existe um núcleo e um, ou mais, elementos adjetivos. O núcleo é a base de cálculo e confere o gênero jurídico ao tributo.      

Os elementos adjetivos são todos os demais elementos que integram a composição da hipótese de incidência. Os elementos adjetivos conferem a espécie àquele gênero jurídico de tributo.”

Vários Municípios brasileiros, porém, passaram a adotar como base de cálculo do ITBI valores diversos.

De início, ignoram as informações prestadas pelos contribuintes quanto aos valores envolvidos nas transações imobiliárias.

Desrespeitando as normas constitucionais e legais voltadas ao ITBI, os Poderes Executivos Municipais criaram procedimentos e pautas fiscais, estabelecendo o “valor venal” para o ITBI de ofício. Criaram, pois, base de cálculo fictícia, amparando-se em critérios discricionários, sem qualquer fundamento técnico.

Quase sempre, esses “procedimentos” acabam por elevar o “valor venal” acima do valor real da transação imobiliária, o que implica na majoração ilegal da base de cálculo do ITBI.

Essa situação acaba por gerar grave conflito entre os contribuintes e os Fiscos Municipais.

Nesse caso, razão assiste aos contribuintes. Como já dito, a base de cálculo do ITBI é o valor real da venda do imóvel ou de mercado. Os Municípios não podem criar, ex officio, tabela de valores para definir a base de cálculo do ITBI.

Diante do desrespeito às normas constitucionais e legais que tratam desse imposto pelos Municípios, os contribuintes passaram a buscar o afastamento dos valores estabelecidos pelas Prefeituras, por meio da tutela jurisdicional.

De fato, milhares são os processos judiciais tramitando que têm por objeto a base de cálculo do ITBI estabelecida ex officio pelo Poder Executivo Municipal.

Chamado a exercer sua competência constitucional, o Superior Tribunal de Justiça julgou Recurso Especial Repetitivo representativo da controvérsia (RESP 1.937.821/SP – DJe 3/3/22), por meio de sua 1ª Seção, sendo Relator o Ministro Gurgel de Faria.

Nele, ficou decidido que “Em face do princípio da boa-fé objetiva, o valor da transação declarado pelo contribuinte presume-se condizente com o valor médio de mercado do bem imóvel transacionado, presunção que somente pode ser afastada pelo fisco se esse valor se mostrar, de pronto, incompatível com a realidade, estando, nessa hipótese, justificada a instauração do procedimento próprio para o arbitramento da base de cálculo, em que deve ser assegurado ao contribuinte o contraditório necessário para apresentação das peculiaridades que amparariam o quantum informado (art. 148 do CTN).”

Quanto à tabela de valores determinada pelas Prefeituras, o Superior Tribunal de Justiça decidiu ser esta ilegal, por violação ao art. 148 do CTN. Disse a Corte Superior: “A prévia adoção de um valor de referência pela Administração configura indevido lançamento de ofício do ITBI por mera estimativa e subverte o procedimento instituído no art. 148 do CTN, pois representa arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à fidedignidade da declaração do sujeito passivo.”

O STJ firmou as seguintes teses: a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.

Contudo, no dia 14/9/22, foi publicada notícia4 de que os Grandes Municípios, como São Paulo e Rio de Janeiro, não tem obedecido à decisão do STJ.

Os argumentos dos Municípios, explanados por meio da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) são: 1. a decisão do STJ valeria apenas para o caso de arrematação de imóveis em hasta pública, já que o processo analisado como repetitivo trata deste tema; 2. não há trânsito em julgado, uma vez que pende de julgamento Recurso Extraordinário interposto objetivando a reforma do Acórdão proferido no RESP 1.937.821/SP.

Há de se destacar, aqui, a fundamentação do Acórdão proferido pelo STJ no RESP 1.937.821/SP. Esta diz respeito à base de cálculo do ITBI. Não se limita apenas aos casos que envolvam arrematação. Foi realizado o exame da legislação nacional para se concluir pela ilegalidade das pautas fiscais estabelecidas pelos Municípios, para fins de definir a base de cálculo do ITBI.

No mais, após a decisão do STJ, não há qualquer questão constitucional envolvida. O Supremo Tribunal Federal, em várias oportunidades5, decidiu ser a questão da base de cálculo do ITBI matéria infraconstitucional. Inclusive, em 2018, decidiu, a respeito, o Tema 993 da Repercussão Geral (ARE 1.122.122/SP).

Confira-se sua Ementa:

“Recurso extraordinário com agravo. ITBI. Base de cálculo. Princípio da legalidade. Súmula 636/STF. Interpretação da legislação local. Súmula 280/STF. Matéria infraconstitucional. Ausência de repercussão geral.

É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à base de cálculo aplicada ao ITBI fundada na interpretação da legislação local, no Código Tributário Nacional e no princípio da legalidade.”

Afastada a questão constitucional, nada mais resta a ser decidido.

A postura dos Municípios em não observar a decisão do Superior Tribunal de Justiça implica em grave desrespeito à autoridade de suas decisões. Ora, se a Administração Pública deve obedecer aos “princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, conforme determinado no art. 37 da Constituição, deve, também, observar e obedecer à decisão proferida pelo STJ, cuja missão constitucional é, justamente, dar a última palavra em matéria infraconstitucional.

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De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro, Forense, 28.ª ed., 2009, p. 1.449.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 28ª Ed., Malheiros, São Paulo, 2007.p. 412.

In “Teoria Geral de Direito Tributário”, Saraiva, São Paulo, 1993, pp. 338.

ITBI: grandes municípios não estão aplicando precedente favorável 

Vide, por exemplo, RE 74.169, ARE 883.352 AgR e RE 644.563 AgR, dentre outros.

Cristiano Scorvo Conceição
Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2001. Milita na área Tributária há 20 anos. Conselheiro Titular da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, desde 1º de janeiro de 2022.

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