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Reflexões sobre o projeto de lei altera a penhora do faturamento das empresas

Todo instituto jurídico é passível de aperfeiçoamento, não sendo razoável se opor a eventuais mudanças que busquem esse objetivo. Todavia, no caso em tela, o que se pode constatar é que as alterações propostas no projeto de lei 3.083/19 não caminham nessa direção.

21/10/2022

I. Introdução

No dia 18 de outubro de 2020, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados deliberou sobre o projeto de lei 3.083/19, de autoria do Deputado Marcos Pereira, que altera a redação dos art. 883 e 642-A, da CLT, da Consolidação das Leis do Trabalho.

A alteração proposta ao art. 883, da CLT, consistiu no acréscimo  de um Parágrafo Único, que não existe na redação atual, nos termos seguintes:

Art. 883. Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á a penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, acrescida de custas e juros de mora equivalentes aos aplicados em caderneta de poupança, sendo estes, em qualquer caso, devidos somente a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial.

Parágrafo Único: Recaindo a penhora sobre o faturamento da empresa, o percentual será limitado a 20% (vinte por cento) do valor mensal, deduzido o valor da folha de pagamento.

Na Sessão da Comissão de Constituição e Justiça realizada em 18 de outubro do corrente ano, veio a ser apresentado e aprovado um Substitutivo ao projeto de lei 3.083/19, de autoria do Deputado Luizão Goulart, que reduz o percentual do faturamento da empresa a ser objeto de penhora de 20% para 10%.

Esta deliberação se reveste de caráter conclusivo, o que significa dizer que, a matéria encontra-se aprovada pela Câmara Federal, salvo se, houver o provimento de recurso que determine a remessa do projeto de lei ao Plenário da Câmara dos Deputados para discussão e deliberação.

Uma vez aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto será remetido ao Senado Federal para que se manifeste sobre a matéria em análise, e, na hipótese de sua aprovação, deverá ser objeto de sanção pelo Presidente da República. Há, portanto, um razoável caminho a ser percorrido até que este projeto se converta em lei, sendo imprescindível, portanto, que o debate sobre o seu conteúdo se estenda à sociedade civil.

Com o objetivo de contribuir com o aprofundamento do debate que se encontra em curso no Parlamento, apresentamos algumas reflexões iniciais sobre o tema em análise, que terá enorme repercussão sobre o Processo do Trabalho em nosso país, na hipótese deste projeto de lei vir a ser sancionado.

II. As alterações propostas ao art. 883 da CLT

Inicialmente, é necessário observar que, a legislação trabalhista em vigor não contém qualquer dispositivo que disponha sobre a penhora do faturamento das empresas, que se encontram inadimplentes com suas obrigações contratuais

É certo que, esta matéria encontra-se disciplinada pelos art. 835, inciso X, e art. 866, do Código de Processo Civil, que admitem a possibilidade da penhora do faturamento da empresa, limitada a percentual que não comprometa o desenvolvimento regular de suas atividades, e, desde que, não haja outros bens penhoráveis, ou, havendo outros bens, eles sejam de difícil alienação ou insuficientes para satisfazer o crédito executado.

A aplicação subsidiária destes dispositivos legais ao Processo do Trabalho é admitida, expressamente, pela Orientação Jurisprudencial 93, da SBDI – II, do Tribunal Superior do Trabalho, que convalida, portanto, a penhora do faturamento das empresas na esfera trabalhista.

A primeira observação que nos cabe fazer a este respeito é que, a legislação processual civil não fixa um percentual a ser aplicado para a penhora do faturamento, ao contrário do que foi aprovado pelo Substitutivo ao projeto de lei 3.083/19, que limita a penhora a 10% (dez por cento) dos valores que a empresa fatura.

Se analisarmos a jurisprudência aplicável à espécie pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Superior do Trabalho, iremos constatar que as ordens de  penhora têm variado de 5% (cinco por cento) a 30% (trinta por cento) sobre o faturamento da empresa, a depender de sua capacidade de suportar a constrição dos seus bens, sem comprometer o regular funcionamento da atividade empresarial.

Vale dizer, o Poder Judiciário fixa o percentual da penhora a partir da análise de cada caso concreto, examinando a prova dos autos e buscando compatibilizar a efetividade da execução e o regular exercício da atividade econômica.

Diante desse contexto, há que se perguntar por qual a razão o percentual de 10% sobre o faturamento é o mais adequado para preservar o regular funcionamento da empresa, e simultaneamente, garantir os créditos trabalhistas dos empregados auferidos em ação judicial, ao invés de 5%, 20% ou 30%, como tem sido admitido pela jurisprudência a partir da análise de cada caso concreto?

A rigor, não existe qualquer estudo científico que embase esta conclusão, que está fundamentada, apenas, no arbítrio dos legisladores. Não há, por conseguinte, nenhuma demonstração de que a fixação do percentual de faturamento que vem sendo feita Pelo Poder Judiciário, caso a caso, é menos eficaz que a escolha arbitrária do percentual de 10%, estipulada pelo legislador ordinário para todas as situações.

Registre-se, por oportuno, que, na versão original do projeto de lei 3.083/19, o Deputado Marcos Pereira fundamenta a sua proposição sob o argumento de que, “não são raros ao casos em que altos percentuais de faturamento são comprometidos, afetando a saúde financeira da empresa”. Todavia, como dito anteriormente, esta afirmação carece de fundamento científico, razão pela qual merece a nossa crítica contundente.

Por outro lado, chama a atenção o fato de que, o Substitutivo aprovado na Comissão de Constituição e Justiça altera, exclusivamente, a legislação trabalhista, deixando intacta a legislação processual civil que disciplina a matéria em análise. 

Ou seja, o projeto de lei em gestação no Congresso Nacional limita a penhora de créditos trabalhistas a 10% sobre o faturamento da empresa, entretanto, este limite não se estende aos créditos de natureza civil, tributária, previdenciária ou de qualquer outra espécie.

Esse tratamento diferenciado nos parece injustificável, à medida em que, fragiliza a efetividade da execução trabalhista, e mantém a higidez da execução subordinada ao Processo Civil, sem qualquer razão plausível.

III. As alterações propostas ao art. 642-A da CLT

Um outro aspecto a ser observado no projeto de lei 3.083/19 diz respeito a uma alteração proposta no § 2.º, do art. 642-A, da CLT, que dispõe sobre a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas.

De acordo com a redação atual conferida a este dispositivo, somente nas hipóteses em que os débitos trabalhistas são garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, é admissível a emissão de Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas em nome do interessado.

A alteração proposta a este dispositivo permite a expedição de Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas, que produz os mesmos efeitos da Certidão Negativa, a partir da ordem de penhora do faturamento da empresa, ainda que nenhum valor tenha sido efetivamente penhorado.

Vale dizer, enquanto a redação atual do § 2.º, do art. 642-A, da CLT, determina que a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas só será emitida a partir do momento em que a execução se encontra plenamente garantida ou suspensa, na proposta de alteração contida no projeto de lei 3.083/19, a ordem judicial da penhora do faturamento é suficiente para a emissão da Certidão Positiva com Efeitos de Certidão Negativa.

De se concluir, portanto, que, em sendo aprovada a modificação legislativa em análise, a empresa inadimplente poderá gozar de uma série de benefícios assegurados pela legislação às empresas adimplentes, como participar de licitações, obter empréstimos em bancos públicos, dentre outros, ainda que a execução não esteja, plenamente, garantida.

Trata-se, à toda evidência, de mais uma medida que estimula o inadimplemento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, à medida em que, suprime legítimos instrumentos de pressão utilizados sobre as empresas, para que observem a legislação trabalhista e respeitem os direitos dos seus empregados.

IV. Conclusão

Em conclusão, afirmamos que todo instituto jurídico é passível de aperfeiçoamento, não sendo razoável se opor a eventuais mudanças que busquem esse objetivo. Todavia, no caso em tela, o que se pode constatar é que as alterações propostas no projeto de lei 3.083/19 não caminham nessa direção.

Estabelecer um limite de 10% sobre o faturamento da empresa para fins de penhora do faturamento, sem que se faça uma aferição objetiva de sua real situação financeira, significa padronizar a execução em um patamar rebaixado, que pode conduzir ao inadimplemento das obrigações trabalhistas, ou, na melhor das hipóteses, em seu prolongamento demasiado.

De igual forma, permitir a expedição de Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas com efeito de Certidão Negativa, a partir da ordem judicial de penhora, sem garantia efetiva da execução, significa premiar o descumprimento das cláusulas do contrato de trabalho. Isto porque, se permite às empresas inadimplentes o acesso à participação em licitações, o acesso a recursos públicos e outras faculdades, sem qualquer ônus ou exigência imediata, suprimindo-se legítimos instrumentos de pressão utilizados para assegurar os direitos dos empregados.

Por todas essas razões, manifestamos oposição ao substitutivo do projeto de lei 3.083/19, por se constituir em verdadeiro desestímulo ao cumprimento do Direito do Trabalho em nosso país, em uma quadra tão adversa à observância dos Direitos Sociais.

Magnus Farkatt
Conselho técnico.

Bernadete Kurtz
Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas – ABRAT.

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