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Aspectos gerais e as ciladas no contrato de arrendamento rural

Quando um contrato vira cilada, produtores rurais e empresários tem de rebolar para evitar prejuízos. Mas lembre-se: nem tudo o que está no contrato é lei.

18/10/2022

O que é?

O arrendamento é uma relação clara, que se assemelha ao aluguel de um imóvel, é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da lei.

Os contratos agrários, notadamente, os de arrendamento ou parceria, podem ser escritos ou verbais. Caso seja verbal, presume-se ajustado às cláusulas obrigatórias, conforme prescreve o art. 11 do decreto 59.566/66.

Se for escrito, expressa um meio de prova contratual. Embora a forma escrita não seja uma imposição, a legislação agrária, no § 2 do art. 11 do decreto, faculta a cada parte contratante a possibilidade de exigir da outra a celebração do contrato por escrito, como medida de segurança. No concernente às despesas de sua elaboração, devem correr pelo modo que convencionarem os contratantes.

De fato, a maioria dos contratos de arrendamento e parceria no Norte e Nordeste e, em outras regiões do país, é verbal e está sujeita a relações de amizade e confiança.

Posso estipular o preço que quiser?

O art. 95 do Estatuto da Terra e o art. 17 do decreto 59.566 preveem o valor-limite de remuneração do arrendamento. O preço do arrendamento não poderá ultrapassar 15% do valor cadastral do imóvel, já levando em consideração as benfeitorias incluídas na composição do contrato. Exceto nos casos de arrendamento parcial, em que o objeto do contrato for o uso e o gozo de área especialmente escolhida para exploração de elevada rentabilidade, o limite percentual poderá atingir até 30% do valor das áreas arrendadas.

É obrigatória a fixação do preço do arrendamento em dinheiro, estabelecida conforme os parâmetros legais. A forma de pagamento, contudo, pode ser em dinheiro ou em quantidade equivalente de frutos.

É interessante apontar que o legislador parece acomodar as normas à realidade agrária brasileira, em que, na maioria dos contratos, o preço do arrendamento é fixado a partir do valor do produto a ser cultivado e existe um grande número de contratos informais.

E o prazo?

O decreto 59.566/66, contudo, dispõe no art. 13, II, “a”, sobre os prazos mínimos nos contratos agrários:

a) três anos, para os casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura temporária e ou de pecuária de pequeno e médio porte; ou em todos os casos de parceria;

b) cinco anos, para os casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias primas de origem animal; e

c) sete anos, para os casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração florestal.

No tocante ao contrato de parceria, o art. 13, II, “a”, e o art. 37 (“As parcerias sem prazo convencionado pelas partes, presumem-se contratadas por três anos”) do decreto dispõem a posição da legislação agrária. O Estatuto da Terra de igual maneira dispõe, no art. 96, I, “o prazo dos contratos de parceria, desde que não convencionados pelas partes, será no mínimo de três anos, assegurado ao parceiro o direito à conclusão da colheita, pendente, observada a norma constante do inciso I, do artigo 95”.

No que diz respeito à prorrogação do prazo dos contratos agrários, a segunda parte do inciso I do art. 95 do Estatuto da Terra, em concordância com a segunda parte do § 1º do art. 21 do decreto, “Em caso de retardamento da colheita por motivo de força maior esses prazos ficarão automaticamente prorrogados até o final da colheita”.

Essa é a primeira hipótese de prolongamento do prazo, a segunda está expressa no § 3º do art. 21 do decreto: “o arrendamento que, no curso do contrato, pretender iniciar nova cultura cujos frutos não possam ser colhidos antes de terminado o prazo contratual, deverá ajustar, previamente, com o arrendador, a forma de pagamento do uso da terra por esse prazo excedente”.

Sob a ótica do proprietário, os prazos mínimos constituem não somente uma maneira de retomar em um período relativamente curto a posse de sua terra e evitar que o produtor, suposto beneficiário de reforma agrária, possa adquirir certa estabilidade no imóvel, mas é também uma medida para conhecer os atributos não observáveis de seus arrendatários ou parceiros-outorgados (má-fé).

Por outro lado, o curto prazo dos contratos é um obstáculo à realização de novos investimentos por parte dos pequenos arrendatários.

Cuidado com a cilada!

É importante ter em mente que os contratos agrários são regidos por princípios e regras próprias. Ignorá-los pode trazer inúmeros riscos jurídicos e econômicos, sem contar os reflexos na própria atividade agropecuária – razão principal da existência do contrato.

a)  Contrato desvirtuado da realidade

Tão ou mais inseguro do que firmar contratos verbais, é optar por determinado contrato que não corresponda à realidade do negócio estabelecido. Nas relações agrárias, as confusões entre as modalidades de parceria e arrendamento são ainda comuns. Em termos gerais, nas relações de arrendamento, a parte arrendatária não partilha dos riscos da atividade; antes, cede o uso de sua propriedade mediante pagamento. Já nas relações de parceria, os parceiros partilham os riscos, frutos, produtos e lucros da atividade, constituindo verdadeira espécie de sociedade capital-trabalho.

Dar ares de arrendamento para relações nitidamente contrárias ao seu objeto, por certo é a opção menos recomendada. A redação contratual não se sobrepõe à realidade. Antes, a concretude do negócio é que deve ser transposta para o papel, respeitadas as ressalvas legais. Para isso, as partes devem estar cientes e acordadas sobre em quais termos se relacionarão.

b)   Estipulação de prazo menor do que o legal

“O prazo mínimo do contrato de arrendamento é um direito irrenunciável que não pode ser afastado pela vontade das partes sob pena de nulidade.” Ministro Luis Felipe Salomão (REsp Nº 1.339-432-MS, 16/04/2013).

Não adianta estipular prazo menor do que o explorados no começo deste artigo, caso o contrato estipule prazo mínimo inferior ao disposto no art. 13, II, “a”, do decreto  59.566/66, e o arrendador não cumpra o formalizado, sendo necessário a judicialização, muito provavelmente o arrendatário terá de cumprir o prazo mínimo de vigência que o juiz determinar.

c)   Preço e Pagamento

Preço e pagamento, embora diretamente relacionados e interdependentes, são itens diversos na composição contratual. A legislação é categórica quanto à fixação em pecúnia do preço do arrendamento, permitindo flexibilização quanto a forma de pagamento.

Nos contratos de arrendamento rural, é comum ajustar a remuneração do aluguel em frutos ou produtos, como ocorre com frequência nas regiões de grande produtividade de soja e milho. Entretanto, a forma juridicamente segura de fazê-lo é através do pagamento. O preço, dada a natureza da relação e a disposição legal, deve ser fixado em valor monetário.

Embora alguns tribunais permitam flexibilizações, prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que as cláusulas contratuais que fixem o preço em produtos são nulas.

Feitas tais considerações, revela-se importantíssimo uma assessoria jurídica especializada nesse tipo de assunto, notadamente em contratos, sendo que sua ausência pode ocasionar severos prejuízos a uma, ou ambas as partes.

___________________________________

CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL. INFRINGE O ART. 18, E SEU PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO N. 59.566/66, A CLÁUSULA ONDE SE ESTABELECE A OBRIGAÇÃO DE PAGAR ALUGUEL ESTABELECIDO POR EQUIVALENCIA AO VALOR DE SACOS DE AÇUCAR. RECURSO DE QUE SE CONHECE PELA LETRA A DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL E SE LHE DA PROVIMENTO, PARA JULGAR PROCEDENTES OS EMBARGOS A EXECUÇÃO.(STF - RE: 107508 MG, Relator: Min. OCTAVIO GALLOTTI, Data de Julgamento: 30/06/86, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 29-08-86 PP-15188 EMENT VOL-01430-03 PP-00458).

Marcos Coêlho
Faz parte do escritório Bezerra Faria & Paiva Advogados, que atua no âmbito do direito empresarial, imobiliário e do agronegócio, sediado na cidade de Palmas (TO).

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