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O incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica da empresa

Caso comprovada a confusão patrimonial ou desvio de finalidade, outras empresas do sócio devedor poderão ser atingidas para garantir o pagamento de execuções trabalhistas.

19/10/2022

Um expediente muito utilizado na Justiça do Trabalho na fase de execução, quando o recebimento da dívida se torna frustrado, é o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica da Empresa, que nada mais é, que o mecanismo utilizado para atingir o patrimônio do sócio devedor, quando a empresa, reclamada no processo, torna-se inadimplente com o crédito executado.

Entretanto, mesmo se atingindo o patrimônio dos sócios da empresa reclamada, muitas vezes, a execução ainda se mantém frustrada, justamente pelo fato de não se localizar patrimônio ou ativos financeiros em contas bancárias pertencentes aos sócios.

Diante disso, cada vez mais, temos visto na Justiça do Trabalho o pedido de instauração do Incidente de Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica, que possui como objetivo, o afastamento da autonomia patrimonial da sociedade empresária, para que esta seja responsabilizada pelas obrigações adquiridas pelos sócios-administradores.

Logo, o mencionado incidente possui como objetivo, descobrir se aquele sócio devedor, possui outras empresas, para que o patrimônio delas sejam atingidos e assim garantir o recebimento do crédito do reclamante.

Antes do advento do CPC/15, a desconsideração inversa da Personalidade Jurídica ocorria por meio de uma construção jurisprudencial e doutrinária, que realizava uma interpretação extensiva do art. 50 do Código Civil.

O entendimento defendia que se era possível utilizar do patrimônio do sócio para saldar a dívida da empresa, nada mais justo que inversamente se utilizar do patrimônio da empresa para saldar a dívida pessoal do sócio administrador.

A positivação da construção jurisprudencial e doutrinária, ocorreu por meio da chancela do art. 133 do CPC/15, em vigor a partir de março de 2016, que passou a prever, expressamente que “aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.”

Entretanto, para que seja aplicado o expediente da Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica, conforme dispõe o parágrafo 3º do art. 50 do CPC, necessário o enquadramento ao caput do mencionado dispositivo, que por sua vez, nos ensina que “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.”

Podemos considerar que acontece a confusão patrimonial, quando os negócios dos sócios se confundem com os da pessoa jurídica, situações em que ocorre o abuso da personalidade jurídica e o desvio de finalidade.

Para que se consiga visualizar na prática em exemplo de confusão patrimonial, podemos citar como exemplo, uma empresa que adquire automóveis para uso pessoal do sócio e de seus familiares, sendo que as despesas de gasto e manutenção passam a ser contabilizados como despesas da empresa. Outro exemplo clássico, é da empesa passar a realizar pagamento de despesas pessoais do sócio ou familiares, como cartão de crédito, mensalidade da academia, dentre outros.

Outro expediente que ocorre com certa frequência, é o esvaziamento do patrimônio da sociedade empresária, com o único objetivo de lesar credores.

Nestes exemplos, claramente se percebe a confusão patrimonial e o desvio de finalidade, o que não é admitido, na medida em que a boa doutrina nos ensina que em torno do funcionamento regular e desenvolvimento de uma empresa, não gravitam apenas os interesses individuais dos empresários, mas também os metaindividuais, que são justamente os dos trabalhadores, consumidores e outras pessoas, que precisam ser preservados e protegidos.

Concluímos, portanto, que cabe aos empresários terem toda a cautela necessária para não ocorrer situação que configure em confusão patrimonial e desvio de finalidade, pois havendo indícios de tal prática, poderá o reclamante exequente, se valer do Incidente de Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica, para ter satisfeito o seu crédito advindo de Reclamatória Trabalhista.

Raquel Tomaz Madeira de Oliveira
Coordenadora Jurídica do Escritório Cunha Pereira e Massara. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e Pós-graduada em Gestão, com ênfase em Negócios, pela Fundação Dom Cabral.

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