Quem não ouviu ou leu algo sobre esta inovadora e criativa maneira de exercer seu mais profundo e amargo rancor? Fala-se muito sobre discurso de ódio, mas e o tal ódio do bem? O que é? Do que se alimenta? Onde vive e de quem emerge ao mundo exterior?
E mais, como o direito conversa com essa inovadora prática odiosa.
Assim como tantos outros comportamentos sociais surgidos nos últimos tempos, ou pelo menos, se não surgidos, ampliados como cancelamento e racismo reverso, o ódio do bem chama à atenção por ter peculiar consistência e especial modus operandi.
Sim. Sua forma de atuação tem o incrível poder de usar o mesmo mecanismo cujo repúdio é proclamado por quase toda a grande mídia (leia-se consórcio parcial de imprensa) como o discurso de ódio. Também pode invocar a mesma violência (que o meio progressista diz tanto combater), inclusive tecer comentários raivosos de cunho racista, machista ou homofóbico sem com isso ser notado por toda a casta benevolente e humanitária jornalística militante.
Assim, uma pessoa pode usar um termo ofensivo à cor da pele de outra pessoa, quando esta pessoa ofendida é branca. E quem liga se é branca, não é mesmo? O que há de mau em dizer que uma mulher negra é palmiteira por namorar homem branco? Ou vice versa. Por que seria errado dizer que uma colega de reality show é cagada na branquitude? Não há nada de racismo reverso nestas falas, pois estão assentadas no ódio, no inigualável e sublime ódio do bem.
1. Há base jurídica para o ódio do bem?
O ódio do bem pode ser invocado como manifestação do pensamento, direito esculpido no artigo 5° IV, que diz que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Em alguns casos até se pode lançar mão desse direito pra dar base à manifestação, contudo, há casos em que a violação de direito é patente, no entanto, a chamada grande mídia não dá destaque ao fato, por não ser interessante do ponto de vista político.
No exemplo trazido acima, em que uma militante raivosa proferiu a reprovável frase em relação a uma outra participante branca, dizendo ser esta "cagada na branquitude", não houve alarde, não houve repercussão revoltosa ou qualquer outra forma de repudiar tal fala por parte daqueles que se dizem combatentes de racismo. Aqui é importante analisar outro fenômeno relativamente recente chamado de racismo reverso. Imaginem a mesma frase dita, apenas substituindo a palavra branquitude por negritude e, pronto! Temos uma manifestação racista pra ser explorada por toda mídia militante.
A Constituição Federal diz, neste sentido, que:
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
A nossa Magna Carta não dá poder pra ninguém excluir outro do direito que assiste todos, isto posto, se uma pessoa negra sofre racismo por ser ofendida em detrimento de sua etnia, igual direito assiste uma pessoa branca que sofre igual ofensa por conta de sua cor. Por isso, diz o dispositivo constitucional que ninguém será privado de direito por motivo seja de religião, convicção filosófica ou política.
Porém, como foi dita por uma extremista militante, seu ódio foi absorvido com notória canalhice e cumplicidade, pois neste caso é aceitável ser odiosa, pois quem tá sendo alvo é uma pessoa branca! O direito é impessoal, o direito não é parcial e não tem torcida.
O que ocorre nos últimos anos é uma aplicação do direito e da própria constituição à luz da orientação filosófica ou, principalmente, política. Quando os juízes e juristas começam a relativizar o direito por conta de quem é a vítima, o primor da justiça já foi contaminado e o estado de exceção já se instalou nas entranhas do ódio. É nesse contexto que o ódio do bem ganha força e destrói nossa fé na justiça.
Assim, podemos responder à indagação feita acima e afirmar que existem casos em que, mesmo manifestando conduta reprovável moralmente, pode haver respaldo jurídico pro ódio do bem, como o desejo de que algum mal ocorra com determinada pessoa. Desejar é diferente de ameaçar.
2. Dos crimes Contra Honra
O Código Penal tem vigência em todo o território nacional e sobre todos os brasileiros e estrangeiros que vivem no Brasil. Qualquer manifestação que infrinja a lei penal deve ser responsabilizada. O que ocorre é que nem sempre o ódio do bem é um ato ilícito, muitas vezes se apresenta como ato imoral ou somente odioso, como vimos recentemente quando da morte da rainha Elizabeth II, em que pessoas públicas (invariavelmente de esquerda) comemoraram a morte dela e o Twitter não baniu ninguém. O ódio do bem é fofo em redes sociais, mas o ódio contra quem essas redes apoiam não é bem aceito. Isso não! Ódio do mal não pode!
Eles podem odiar, e você que lamente não poder fazer a mesma coisa, porque você não tem o privilégio de ser eternamente uma vítima. Você só pode ter o privilégio de ser beneficiado por ser branco. Branco! Eca! Só de falar de uma coisa branca já lembra algo cagado na branquitude, não é mesmo?
Eles podem menosprezar a cor alheia, posto que detêm o monopólio da acusação e da ofensa. Se sofrem uma injúria, logo é crime, bradam em alto som e berram aos quatro ventos o quanto são discriminados e ofendidos. No entanto, se proferem injúria, calúnia ou difamação, usando os mesmos adjetivos aos outros, já não se pode mais chamar de crime, uma vez que eles (os radicais) só podem ser vítimas, mesmo que pratiquem algo que considerem abjeto. Eles não praticam violência. Que violência? Só porque brancos foram espancados quase até morrerem? Será que os Black Lives Matter podem ser considerados como criminosos violentos? Não! Só brancos promovem violência! Dizem os extremistas identitários.
Mas, o que é o ódio do bem, afinal? É a prática do amor dos extremistas em forma de energia negativa. O ódio do bem é uma forma de revolução e sofisticação do ódio, da realidade, através dos quais os indivíduos podem praticar o mal sem serem notados pelo consórcio de imprensa. São contra a violência, desde que a violência esteja acontecendo com eles. Caso seja você a vítima, eles irão checar se você tem todos os requisitos pra ser considerado uma vítima. Uma vítima com selo de quantidade. O volume faz a força, diz a máxima.
O Código Penal de que injúria é:
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro
Qualquer referência que agrida a dignidade ou o decoro de alguém é crime de injúria, passível de condenação. Os radicais que insistem nesse comportamento odioso em relação a quem discordam ou não gostam, acham que não podem ser punidos, isto, porém, não os isenta de responsabilização criminal. Quando zombaram da ministra do governo Bolsonaro, Damares Alves, por exemplo, desconsideraram que ela houvera sofrido abusos sexuais na sua infância, mesmo assim, promoveram uma verdadeira avalanche de comentários odiosos e jocosos contra ela. Ela que é uma mulher! Mulher, entendem? Mas, faltou o requisito: ser mulher de esquerda radical.
Ás vezes, o ódio se manifesta como comemoração ou somente desejo de que algo ruim aconteça com o outro, estes casos, como dito anteriormente, não se encaixam como atos ilícitos, visto que o desejo ou comemoração, por mais pérfidos e grotescos que sejam, não são crimes.
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação
A difamação é outro crime muito comum em redes (anti)sociais, principalmente quando o assunto é política, nestes casos, a visibilidade do fato só se dá repercussão em grandes veículos de mídia se for interessante aos seus conceitos de ódio, caso ocorra com pessoas que não gostam, aí o fato não aparece na mídia tradicional, embora a grande difusão de informação chegue a grande parcela da população por meio da internet.
Por fim, temos o crime de calúnia, que diz:
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.
Tal imputação é largamente difundida na imprensa nacional quando o assunto é atacar pessoas públicas com as quais discordam. Também é uma forma de propagar o ódio nessa modalidade tão santificada por muitos que se julgam defensores de alguma coisa que só beneficia eles próprios.
Assim, o ódio do bem é uma autorização moral pra que eles (os extremistas) possam mostrar todo anti amor, com aparência de não violência e não discurso de ódio! Eles não podem ser odiosos, não cometem delitos ou imoralidades, estão acima de tudo e todos. São pacíficos como cascavéis, seu silêncio é visto como virtude, mas são tão inofensivos como víboras.
3. Da filosofia do direito
A condição psicológica talvez seja o fator que melhor explique essa autorização pra manifestação de tanto rancor. É por se sentirem os "santos" da salvação social que agem como se fossem de fato. Eles se imaginam detentores do "bem", do lado "certo", como se fossem uma expedição que vai ao espaço destruir um meteoro que iria colidir com a Terra. Não podem ser intolerantes, pois não se veem nessa condição. Seus atos, mesmos antes de praticados, já estão justificados, pois são "do bem", pro "bem de todos", Nietzsche se revira no túmulo ao ouvir tais supostas virtudes.
O ódio do bem é praticado por pessoas que dizem lutar pelos negros, pelas mulheres, pelos gays, pela paz, pela humanidade, pelos papagaios, bichos da seda, etc. Mas, o mecanismo psicológico deles os programou com certos requisitos. Se essas pessoas não tiverem esses atributos, talvez, apenas talvez, não sejam consideradas como tais. Quais são os requisitos? - Concordar com suas imposições políticas e ideológicas e odiar ardentemente junto com eles.
Assim, é por se sentirem do bem que eles (os extremistas) podem desejar e até praticar o mal aos outros. Pois esses outros não merecem ter voz (eles têm), os outros não podem ter espaço ou direito de expressar seus entendimentos (eles têm), os outros são intolerantes e reacionários (eles não). Por fim, se podem viver segundo se imaginam, por que não se imaginarem como os únicos seres dotados de amor, benevolência e donos da tal verdade? Se tudo se resume ao se sentir, então sentem que o ódio do bem é o combate ao mal.