A morte do Direito no Brasil

Prezados, primeiramente estou ciente de toda sorte de julgamentos, aliás, nenhum ambiente é mais propício – e adequado - para julgamentos do que o jurídico. O título pode chocar alguns, mas não é clickbait, pelo contrário, é uma constatação baseada em dados e fatos.

O fim está próximo.

Aos jovens, não é escatologia, é um conselho. Aos colegas de longa caminhada, por sua vez, peço para que leiam até o final, até porque, o que não falta no Brasil é juiz que redige a sentença sem ler o processo (vocês sabem que é verdade).

A morte do Direito é tangível, evidente e salta aos olhos, porém, as “testemunhas de Hinode” e “coachs quânticos” dos cursos jurídicos tupiniquins impõem uma positividade tóxica totalmente desconexa com a realidade do país, se fazendo valer de jargões tacanhos e perfunctórios, divulgados com empáfia em redes sociais. O embuste é tamanho que pode se tornar um problema de saúde pública em virtude da desilusão iminente.

Quem me dera se apenas cursos estivessem sendo vendidos, pois também estão vendendo um mundo de oportunidades, mundo este que, definitivamente, não faz parte do nosso sistema solar. A propósito, não há introito mais adequado do que falar da própria Terra.

Como é trivial, a Terra é o terceiro planeta mais próximo do Sol, sendo o mais denso e também o quinto maior dos oito planetas do Sistema Solar. Atualmente Terra tem cerca de 7,8 bilhões de habitantes humanos¹, sendo que 215 milhões estão no Brasil². Mas não para por aqui. Entre esses 215 milhões de brasileiros, 1,3 milhão são advogados³, sendo que a projeção é de 2 milhões de advogados até 2023⁴.

Proporcionalmente, há um advogado para, aproximadamente, 170 brasileiros residentes no país. É o segundo maior do mundo, perdendo apenas para Israel, onde a maior parte dos advogados sequer se formou lá e/ou exerce a profissão em outros países⁵.

Do jeito que caminhamos, em breve o Brasil terá 1 advogado por habitante, não é mesmo? Assim todo o brasileiro terá um advogado para chamar de seu (risos de desespero)⁶.

E nem se pode argumentar que este é um problema recente, já que desde os idos de 2006 tal panorama tem sido discutido (à época a constatação foi feita diante do altíssimo índice de reprovação no famigerado Exame da OAB)⁷, no entanto, nenhuma medida importante foi tomada pelo MEC, OAB ou qualquer outra organização/instituição (governamental ou não). Em verdade, o que se viu dali em diante foi uma depredação e vilipêndio dos cursos de Direito no Brasil sob o eufemismo de “democratização”⁸.

Importante pontuar que é fundamental que os cursos de Direito não sejam apenas exclusividade de faculdades públicas ou instituições de ensino privado que cobram valores vultuosos, porém, o Brasil criou um verdadeiro complexo industrial de produção de bacharéis em Direito, com aproximadamente 1.300 cursos, mais do que a soma de todos os cursos jurídicos no restante do mundo (pasmem!) ^{9 10} Há levantamentos recentes que já apontam mais de 1.500 cursos só no Brasil¹¹.

O resultado é catastrófico e ultrajante.  

Os concursos públicos estão cada vez mais disputados e raros, oferecendo ainda menos vagas, o que eleva consideravelmente as notas de cortes. Os referidos concursos não são autossuficientes para absorver uma quantidade minimante significativa de bacharéis em Direito. Por mais que a pessoa dê o seu melhor, e se dedique de todo o coração, pode ser que ela não passe, e, ao meu ver, não há demérito nenhum nisso, uma vez que parte considerável dos concursos públicos são mais disputadas do que alguns cursos de medicina. A título de exemplo, a relação candidato/vaga para medicina na USP em 2021 foi de 154,6, isto é, uma chance em, aproximadamente, 154 para passar; já para o curso de medicina da USP em Ribeirão Preto - SP a chance era de uma em 129 ¹². Para difícil, não é mesmo?

Mas, apenas por simplória amostragem, no último concurso para o Superior Tribunal Militar realizado pelo CESP, a relação candidato/vaga era de uma vaga para 11.217 candidatos para a função de Analista Judiciário na área administrativa (onde geralmente disputam os bacharéis da área de humanas, em especial do Direito)¹³. E não é um caso isolado, pois há diversos outros exemplos que servem para nos contextualizar sobre a situação alarmante em que nos encontramos.^14 15 16

E sabe o que é mais cruel? O modo como tais “chances” são estimuladas, passando a mensagem que é “só” você se dedicar que irá conseguir realizar todos os seus sonhos, bastando comprar um curso e uma pitada de “pensamento positivo”. Para os pouquíssimos que serão aprovados, os louros da vitória e registros de depoimentos em redes sociais. Mas para a maioria que será reprovada só restará a sensação de fracasso e, principalmente, de INSUFICIÊNCIA.

Já na parte privada, não é difícil encontrar anúncios de vagas para advogados oferecendo um salário de R$ 2.000,00 ou menos sem benefícios (aliás, é bastante comum), basta pesquisar vagas em sites como InfoJobs ou Catho¹⁷até porque, por mais contraditório que pareça, os grandes escritórios de advocacia são justamente os que menos respeitam Direitos trabalhistas, contratando “associados” aos montes (diga-se, EMPREGADOS expostos a cargas horárias extenuantes sem direito a horas extras sem poder de decisão nenhum).

Aos autônomos, eu já vi advogados cobrando R$ 20,00 / R$ 25,00 para fazer uma audiência (quem é advogado sabe que é verdade). Não preciso dizer mais nada.

Ora, para a advocacia em si, é a precarização HUMILHANTE de um trabalho intelectual de extrema relevância (vide art. 133 da CF) e, principalmente, pressão e cobrança, sendo que os advogados podem ser severamente responsabilizados por seus equívocos (vide artigos 118, 667 e 692 Código Civil), ou seja, um erro pode lhes custar toda uma reserva de capital e, literalmente, levá-los a falência financeira e profissional. É uma responsabilidade que não vale mais a pena correr.

Como se não bastassem todas as dificuldades supra destacadas, os advogados estão submetidos a regras arcaicas que mitigam o poder de captação de clientes dos advogados, sob a premissa de “evitar a mercantilização do Direito” (vide art. 5º e artigos 28 ao 34 do Código de Ética e Disciplina da OAB). Ler o codex serôdio da OAB é uma prática desanimadora e mentalmente insalubre para qualquer advogado que busca dignamente batalhar pelo seu espaço, em especial os novos advogados. É deprimente. Em suma, perpetua o poder das grandes bancas e fada a nova geração de advogados ao revés de seus sonhos.

Ao menos Código de Ética e Disciplina da OAB nos serve de uma anedota, afinal, fere de morte o futuro dos novos advogados objetivando evitar a mercantilização da advocacia, sendo que o Direito é um dos cursos mais COMERCIALIZADOS no Brasil. Mas o dictério é mais extenso do que se imagina, afinal, a própria OAB comercializa seguro¹⁸, remédios¹⁹, livros²⁰ previdência privada²¹ etc. Quem sabe um dia a OAB terá sua própria rede de fast foods, não é mesmo? A realidade é que o advogado foi mercantilizado pela própria OAB, mas a OAB impede o advogado de aplicar todos os seus esforços de empreendedorismo no ramo da advocacia.

Também não venham com a história de que o mercado absorverá os bons profissionais ou de que “na excelência não há concorrência”, pois isto insulta a inteligência de qualquer ser humano com o mínimo de empatia, até porque, eu vejo todos os dias diversos profissionais EXCELENTES desempregados.

Chuvas de oportunidades? No Direito brasileiro a única chuva é de estagiário e advogado se jogando dos prédios (isso mesmo, eu fiz essa referência, e se a carapuça serviu é melhor começar a tratar melhor seus funcionários ao invés de fazer ilações ou malabarismos retóricos).

Se me permitem abrir um parêntese, não quero dizer que o ideal é fomentar a distimia na humanidade, porque o otimismo é irmão da coragem, porém, uma linha tênue o separa do devaneio quando invocado em vão. O que quero dizer é que o otimismo é importante, mas pode ser destrutivo caso seja alicerçado em uma mentira.

Dentre tantos outros fatores, há ainda o fator territorial, uma vez que o curso de Direito dificilmente será útil de maneira significativa em outros países; em verdade, caso você tenha essa aspiração, terá que recomeçar seu patrimônio intelectual praticamente do zero (sim, seu conhecimento é seu patrimônio que demanda investimento, dedicação e tempo para ser CONSTRUÍDO), até porque, cada país, por razões óbvias, tem suas próprias leis e procedimentos jurídicos, o que torna a adaptação ainda mais difícil e praticamente inutiliza o curso para fins imediatos.

Ou seja, o curso será um grilhão para quem almeja expandir de maneira relevante seus horizontes em outros territórios, diferentemente de tantas outras ciências, onde as regras são universais.

Por derradeiro, outro fator que promete dizimar as vagas para atividades jurídicas de grandes demandas, isto é, “escritórios de massa” (valendo esclarecer que tal segmento é o que abarca a maior parte dos profissionais) é a inteligência artificial, isto é, a tecnologia (o famigerado software Watson é apenas um prelúdio)²². Eu tive que fazer um tratamento psicológico após o(a) dono(a) do escritório ecoar em todas as reuniões que em breve seríamos substituídos por robôs, e, por isso, deveríamos nos sacrificar cada vez mais para não nos tornarmos dispensáveis (obviamente não entrarei em detalhes, pois sempre tenho respeito e gratidão por todas as empresas em que passei). É CLARO QUE TAIS TECNOLOGIAS JAMAIS SUBSTITUIRÃO UM ADVOGADO, ainda mais pela necessidade de tato, pessoalidade, humanidade e improviso, que são inerentes de todo bom advogado, porém, é ingenuidade pensar que tais tecnologias não irão afetar substancialmente a área.

Para concluir, aconselho que se você quiser cursar Direito, faça por vocação, mas não por PROvocação. Jamais cometerei a DESUMANIDADE de dizer que é impossível alcançar seus sonhos e objetivos e tampouco direi que você não será capaz de tal, pelo contrário. No entanto, não quero que imaginem que há uma alta probabilidade de futuramente vocês estarem em uma sala pujante de um grande escritório tomando um Whisky em estado de contemplação criativa com um Lexus na garagem apenas por terem se formado em Direito e/ou por serem membros da OAB (apesar de, sinceramente, desejar que tal ocorra com os colegas). O ambiente é hostil e desolador, mas vale a parêmia: Dormientibus Non Socurrit Jus. Portanto, não durma na veleidade de uma ilusão, mas esteja acordado e atento para os desafios que estão patentes.

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Natanael David Rodrigues Cardoso
Advogado especializado em Direito e Processo do Trabalho pela faculdade Damásio e em Direito e Processo Previdenciário pelo Legale, sócio fundador do escritório Rodrigues | Cardoso Advocacia. Instagram: @natandavidcardoso