O Direito se propõe a regular a realidade. Essa é premissa inarredável, que não se consegue fugir. O homem cria as normas jurídicas como elemento necessário para racionalizar as relações em comunidade, estabelecendo limites do uso da liberdade individual e garantindo aos concidadãos seus direitos fundamentais.
Com efeito, quão mais complexa a vida em sociedade, mais complexo será o seu conjunto de normas jurídicas. Pode-se dizer que o Direito evolui juntamente com a humanidade. Todavia, a praxe nos revela que este arcabouço normativo padecerá de lentidão em relação à dinâmica social. Não sem razão novos direitos surgirão, dando a lugar a ideias e conceitos sedimentados em sociedade. Porém, como dito, nunca se terá o Direito paripasso com a evolução social.
O Direito no seu enlace com o Esporte tem o dever se ofertar a segurança jurídica e conseguir fazer frente à hipervelocidade deste segmento. Essa é uma árdua missão que exige operadores do chamado Direito Desportivo atentos e qualificados para bem dar vazão a tais premissas fundamentais.
Destaca-se, dentre o rol do que integra o Direito Desportivo, o ramo Disciplinar, que tem reconhecido êxito na garantia da efetividade da aplicação das normas jurídicas, com celeridade na conclusão dos seus juízos, primando pelo respeito e zelo do due process of law.
A estrutura legislativa do Direito Desportivo Disciplinar é inspirada na tradição nacional da codificação das normas, algo similar a qualquer outro ramo jurídico (penal, administrativo, trabalhista, etc). Ainda assim, os seus resultados em termos de efetividade e celeridade são estimulantes.
Recordo-me de declaração feita Ministro Gilmar Mendes, há 13 anos atrás, durante do Seminário “Reforma do Código Brasileiro de Justiça Desportiva”:
Talvez, no quadro das Justiças, só a Justiça Eleitoral se aproxime, em popularidade e reconhecimento, da Justiça Desportiva, tendo em vista a celeridade. Mas, ainda assim, é ela que é esse modelo [célere] de justiça, porque, feita por experts, pessoas próximas do esporte, realiza uma justiça que tem que ser efetiva.1
Não sem razão me sobreveio essa lembrança, porque vivenciamos hoje o que enfrentamos em 2009, um debate sobre a mudança do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.
A despeito da qualificada obra normativa que foi construída, o CBJD aprovado em 31/12/09, a realidade de fatos concretos e a evolução social no âmbito das relações humanas no mundo do esporte, têm conduzido diversos Tribunais Desportivos a buscar soluções práticas, que muitas vezes não encontram proteção jurídica no Código.
O avanço do debate sobre o sexismo e o combate à LGBTQIA+FOBIA são demandas concretas que têm sido recorrentes em diversas modalidades. Como lidar com isso? Existe proteção jusdesportiva destes bens jurídicos? Como equilibrar o princípio da tipicidade desportiva e a inexistência de previsão de norma proibitiva?
Ou mais, será que o futebol precisa de capítulo ou código específico? Como garantir maior autonomia e legislação mais próxima a outras modalidades? O Código está atento às modernas tecnologias da comunicação?
Se trata, pois, de um rol infindável de questionamentos em prol da garantia de mais efetividade da Justiça Desportiva Nacional!
Nesse sentido, se revela bastante oportuna a nomeação de profissionais com reconhecida atuação no Direito Desportivo para compor Comissão de Estudos Jurídicos (CEJE) do Esporte no âmbito do Ministério da Cidadania2, cuja competência é apresentar proposta de Reforma do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) e do Código Brasileiro de Justiça Desportiva para o Desporto Educacional (CBJDE) e ofertar subsídios técnico-jurídicos para demandas atinentes ao Esporte.
Com efeito, a criação e operacionalização deste colegiado permitiu que esse debate (recorrente faz tempo) sobre a reforma da legislação disciplinar do esporte viesse à tona, que contará com a contribuição de diversas entidades jusdesportivas como a Comissão Nacional de Direito Desportivo do Conselho Federal da OAB e suas congêneres estaduais; o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD); o Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA); as Cortes de Justiça Desportiva, sejam elas nacionais ou regionais; dentre outras entidades.
Tais contributos serão valiosíssimos para a construção de um diploma que surja forjado após ouvir críticas e opiniões de quem está labutando diariamente nas tribunas dos tribunais desportivos.
Atualmente, a CEJE, que é presidida pelo advogado Tamoio Athayde Marcondes e conta na sua formação com catorze profissionais do segmento, nomeou dois dos seus membros como relatores do CBJD e CBJDE, respectivamente, os advogados Marcelo Jucá e Adriene Hassen. Ambos vêm demonstrando habilidade e zelo pela missão que lhes foi conferida, ouvindo os setores que serão diretamente impactos com a edição de noveis códigos.
A deliberação final de tais minutas a serem apresentadas pelos relatores caberá ao Conselho Nacional do Esporte, precedida de debate interno no âmbito da CEJE. Todavia, o caminhar em prol desse resultado derradeiro, quiçá, seja o mais importante por envolver a todos, indistintamente. Nisso se tem o verdadeiro ganho da Justiça Desportiva, ter sua mais nova legislação fruto de oitiva e contributos dos que nela operam.
Que venham os novos Códigos, que venham novos tempos, o que não significa desprestígio ao CBJD e CBJDE concebidos no passados, que estes sirvam de exemplos (já que foram concebidos também por meio de audiências públicas do Oiapoque ao Chuí) por atenderem por tanto tempo e tão bem; mas, nalgumas questões terminaram sendo dragados pela realidade.
Afinal, citando o jurista francês Georges Ripert, quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito.
1 Disponível em: Acessado em 28 set 2022.
2 Disponível em: < Comissão de Estudos Jurídicos do Esporte — Português (Brasil) (www.gov.br)> 28 set 2022.