Os abusos da Revolução Industrial, quando imperava a falta de garantias à saúde, à segurança e à justa remuneração do trabalhador, tornaram imperiosa a implementação de legislações rigorosas em proteção ao trabalhador, com forte intervencionismo do Estado. Atualmente, a maturidade das relações trabalhistas justifica o domínio no âmbito global da maior liberdade de empregados e empregadores entabularem os contratos de trabalho por seus respectivos sindicatos ou individualmente.
Percebe-se que não há um padrão único a ser adotado em todos países, onde as relações de emprego acabam sendo regidas segundo as características geográficas, sociais e da predominância das atividades econômicas de cada país. Não há mais espaço para o velho chavão, governo de esquerda regras rigorosas, com garantia de estabilidade de empregos e intervenção direta do Estado. E, no caso de governo de direita, a absoluta liberdade de impor qualquer tipo de relações contratuais de trabalho.
No contexto mundial, o Estado deixa de impor regras que impedem a rescisão imotivada dos contratos de trabalho, reconhecendo que a liberdade de contratar é atributo da garantia individual do cidadão e respeito à livre iniciativa. Adotam-se as negociações coletivas, em alguns casos, eliminando a existência de salários mínimos, substituídos por pisos de categorias, definidas em acordos coletivos entre sindicatos de empregados e empregadores. Desaparece a estabilidade genericamente imposta para dar lugar a garantias do emprego em determinadas situações de fragilidade do empregado (saúde, representatividade da categoria na empresa etc).
O Brasil experimentou por mais de 74 anos uma legislação trabalhista que, embora na época justificasse a participação mais ativa do Estado nas relações do trabalho, não evoluiu com o passar do tempo, acabando por cercear a criação de novas vagas de trabalho em índices mínimos desejáveis. Vale lembrar que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) veio na era Vargas (Decreto-lei n 5.452/43), decretos estes de iniciativa e aprovados pela decisão absoluta do mandatário, não passando pelo crivo do Poder Legislativo, apto a lhe dar a representatividade da população, própria a um Estado de Direito.
O advento da reforma da CLT, trazida pela lei 13.467, de 13 de julho de 2017, com sua vigência seis meses após sua publicação, veio finalmente ajustar o país à flexibilização das regras trabalhistas, que tornou-se uma obviedade no contexto mundial. A falsa percepção de alguns de que a reforma fragilizou o empregado, decorre do erro de analisar isoladamente a CLT, sem levar em conta os direitos sociais do trabalhador (auxílio-desemprego, auxílio-doença, auxílio-família, dentre outros) assegurados em legislação esparsa.
O fato é que não é por acaso que o Brasil experimentou menos impacto econômico, considerando-se a proporção experimentada pelos países vizinhos latino-americanos, na recente e gravíssima recessão advinda da pandemia do Covid desde março/2020, que repercute com seus efeitos deletérios na economia até os dias de hoje, agravado ainda, pela disparada mundial de preços de combustíveis e commodities, face à guerra Ucrânia e Rússia.
Em 2017, antes da reforma trabalhista, a taxa de desemprego estava em 12,6%, logo após a reforma, em 2019 (antes da pandemia), estava em 11,8%. Em 2020/21, com a crise sanitária mundial, que golpeou impiedosamente a economia global, o desemprego passou a 14,7% e 13,2%. Segundo dados do IBGE, no 1º semestre de 2022, a taxa de desemprego está pouco menor que 10%. Assim, inconteste que a reforma trabalhista trazida pela Lei nº 13.467/2017 foi um amortecedor providencial para evitar maiores consequências do impacto do período pandêmico, reforçado por medidas emergências adotadas para viabilizar ainda mais a proteção do emprego, quando empresas tiveram quedas reais de receita de 60% ou mais.
Milita ainda a favor do empregado, um arcabouço jurídico e constitucional, em que a reforma trabalhista experimentou e ainda experimenta um filtro do STF: reconhecimento da inconstitucionalidade que determinava que os beneficiários da justiça gratuita pagassem honorários sucumbenciais e perícias (ADI 5766). As ADIs 6.050, 6.069 e 6.082 questionam a constitucionalidade do teto indenizatório de 50 vezes o último salário no caso de condenação por danos morais. As ADIs 5.826, 6.154 e 5.829 discutem o contrato intermitente. A ADIn 6.142, a possibilidade de a jornada 12x36 ser pactuada por meio de acordo, seguindo-se a ADI 5.994 - prevalência de convenções e acordos trabalhistas sobre o legislado, ARE 1.121.633, requisitos para edição ou alteração de súmulas trabalhistas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), ADC 62 e ADIn 6.188, ADIn 6002, requisitos para ajuizamento de reclamação trabalhista, a incorporação de cláusulas de acordos coletivos em contratos individuais de trabalho (ADPF 323).
Ora, como se constata, há um rico e eficiente arquétipo constitucional a proteger a relação de empregos e as alterações que ocorrem na legislação pertinente. Por evidente, é necessário a lei trabalhista adequar-se à realidade econômica, social e tecnológica de cada país e não a padrões ortodoxos de literaturas de ideologias políticas. Neste sentido, parece-nos que a reforma trabalhista de 2017 soube muito bem navegar nestas águas. Por evidência, à evolução da legislação concorrerem Fontes e Princípios de Direito a serem integrados de forma razoável, coerente e harmônica.
A relação tempo e espaço da lei pode nos socorrer quanto ao aspecto da razoabilidade, coerência e necessidade das alterações legislativas. A realidade do Brasil e da Nigéria, por exemplo, que possuem população parecida (acima de 200 milhões), são totalmente diferentes (relação espaço). Enquanto aqui experimentamos um Estado de Direito, lá os controles do Estado desmoronaram e resumem-se hoje a grupos terroristas e milícias que tomaram o espaço das leis.
Já no aspecto temporal, nos socorremos, em especial, no aspecto trabalhista, das mutações tecnológicas que atingem todos os segmentos. O trabalho home office, por exemplo, tornou-se uma realidade irreversível após a pandemia. Embora introduzido antes da reforma da CLT pela lei 12.551/11, por mais de 11 anos foi pouco explorado. Porém, hoje, tornou-se necessária sua regulamentação, que ocorreu pela MP 1.108, já convertida em lei e em fase de sanção, atendendo reivindicação antiga dos profissionais quanto ao uso de programas e apps online.
No Direito comparado, constata-se que os países escandinavos possuem uma legislação mais ampla para as relações do capital e trabalho, mas nunca ousam intervir na relação negocial empregado e empregador, que preponderantemente ocorre em negociações coletivas. Não há salário mínimo, mas, sim, pisos salariais negociados por categorias, que acabam por ser muito maiores que um piso imposto por lei. Existe uma forte proteção ao desemprego e à qualidade de vida do empregado, tudo concentrado em uma única lei, diferente do que temos aqui, onde a CLT e os direitos sociais do trabalhador estão separados.
O maior arcabouço de legislação do trabalho que estes países possuem tem preponderância nos benefícios sociais garantidos ao trabalhador. Para se ter um exemplo, caso um empregado sueco adoeça durante suas férias, comprovando o evento, poderá descontar o período em que esteve doente nos dias das férias, recuperando o período prejudicado pela doença. Falacioso, pois, que a garantia de emprego (estabilidade) e o salário mínimo garantam a qualidade de vida do empregado.
Ao analisarmos as legislações de países que adotam a estabilidade de emprego, temos a Venezuela que, em maio de 2012, com a Ley Orgánica Del Trabajo para los Trabajadores y las Trabajadoras (LOTTT), adotou a estabilidade do emprego, somente podendo ocorrer a dispensa do empregado com autorização do governo. Em resumo, desde 2012, nunca foi autorizado nenhuma demissão e, com a gravíssima crise financeira que o país experimenta (perspectiva em 2022 ser o país mais pobre das Américas), viu a maioria de suas empresas, nacionais e binacionais fechar, enquanto o empregado continua até hoje registrado lá. Como continua registrado, tecnicamente não é desempregado, somente não tem onde trabalhar e de quem receber. Ao invés de receber um auxílio-desemprego, com regras e valores definidos em lei, submete-se a receber valores irrisórios sob alardeada “bondade do governo”.
Quando chegamos aos EUA, ao contrário do Brasil, encontramos o espaço totalmente aberto a negociações, pois somente existe uma Lei Federal estabelecendo padrões mínimos de contratações (Fair Labor Standart Act - Lei de padrões justo do trabalho), traçando padrões mínimos para o contrato, como valor por hora de trabalho e acréscimo de horas extras (sem limites). Não há norma, salvo legislações de alguns estados, que obrigue a concessão de férias e nem o desconto por faltas em razão de doença, o que é garantido por contratos de seguros que o empregado pode contratar.
Já no caso da França, constatamos o afirmado aqui, de que não há mais espaço para a padronização da legislação trabalhista, segundo a ideologia política. Buscando a flexibilização, nos mesmos argumentos que justificaram a nossa reforma trabalhista e, coincidentemente, em 2017, o governo Macron (reeleito em abril de 2022) ampliou e facilitou as demissões por motivos econômicos, reduziu tetos de indenizações para empregados com mais de 20 anos de trabalho, para 15 salários (antes era até 27 SM), entre outras flexibilizações da lei trabalhista.
Portanto, nestes cinco anos da data de publicação da lei que reformulou vários artigos da CLT, não há como olvidar que a reforma trabalhista soma-se a um dos acertos de nosso Congresso.