O regime organizacional da DAO (Decentralized Autonomous Organization), livre de hierarquias e lideranças, funciona a partir de contratos inteligentes, nos quais estão inseridas as regras de funcionamento, ou termos de uso. A DAO, portanto, não é controlada por um indivíduo ou por um grupo de pessoas, mas sim por um código, que funciona de maneira autônoma, como se fosse um software pré-programado. Seus membros fazem propostas e elas são submetidas à votação, de acordo com os termos de uso. A descentralização e a autonomia desse tipo de organização, por um lado, diminuem os esforços individuais e tornam o processo de decisão mais célere e transparente. Sob outra perspectiva, no entanto, geram dúvidas e incertezas, relacionadas sobretudo à personalidade jurídica, representação legal, foro competente, lei aplicável e limites de responsabilidade, tanto perante seus membros quanto terceiros.
Essa ausência de definição, típica das novas tecnologias que funcionam em rede de blockchain, é verdadeiramente desafiadora. O que fazer quando uma dessas organizações, ao implementar determinada proposta, viole a lei ou cause prejuízo a terceiro? Afinal, a DAO não se confunde com as pessoas de seus membros, tampouco possui personalidade jurídica própria que viabilize sua inclusão em litígios iniciados por eventuais prejudicados. Também não está sujeita, a priori, a nenhum regime jurídico específico.
A solução adotada no Estado de Vermont, nos Estados Unidos, para tratar de alguns dos desafios jurídicos foi a de criar, em julho de 2018, um novo tipo de organização societária, denominada empresa de responsabilidade limitada baseada em blockchain (blockchain based limited liability companies), que permite a personalização de estruturas organizacionais e de governança que se amoldem às circunstâncias particulares da DAO. O Estado norte-americano de Wyoming, por sua vez, permite que DAOs sejam equiparadas a sociedades de responsabilidade limitada, o que facilita a alocação – e limitação – de responsabilidades.
No geral, são escassas as previsões legais. Na ausência de regulação jurídica, vislumbram-se duas possibilidades capazes de mitigar essas incertezas. A primeira delas é uma solução “orgânica”: na medida em que as situações forem enfrentadas pelo grupo, as propostas de resolução podem ser submetidas à votação. No entanto, seguindo essa opção, há a possibilidade (e a probabilidade) de os usuários não alcançarem o quórum mínimo para a tomada de decisões.
A segunda possibilidade é a de antever alguns dos cenários nos termos de uso da DAO, em situação análoga ao que ocorre nos contratos de adesão. As utilizações são inúmeras. Exemplificativamente, pode-se incluir cláusula (i) de eleição de foro ou compromissória de arbitragem; (ii) contendo a lei aplicável; (iii) com previsão sobre quem será o representante do grupo em eventual ação judicial e os termos de sua escolha; ou mesmo (iv) de limitação e alocação de responsabilidade entre os membros.
Evidentemente, ainda que as partes regulem tais disposições nos termos de uso da DAO, estas estarão sujeitas aos limites impostos pela lei aplicável. Por exemplo, no Brasil, uma cláusula que limite a responsabilidade entre os membros dificilmente será considerada válida em caso de dolo ou de culpa grave.
Já quanto à relação da DAO com terceiros, também é importante que as partes celebrem um instrumento regulando quais serão o foro e lei aplicáveis, bem como o agente que atuará como representante da DAO, para mitigar incertezas na resolução de eventuais disputas com terceiros. Caso não seja possível a celebração de tal instrumento, é provável que as partes encontrem dificuldades para dirimir seus conflitos de maneira efetiva.
A DAO é mais um exemplo das oportunidades (e dúvidas) que surgem com as novas tecnologias. A falta de regulamentação reforça a importância de o usuário antever as possíveis implicações daí decorrentes. E para isso é importante considerar os aspectos jurídicos relacionados.