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Os critérios utilizados pelo CADE para julgar condutas anticoncorrenciais de entidades de classe

Cabe destacar a legítima missão cumprida pelas associações e os sindicatos no estabelecimento de padrões econômicos e de qualidade, beneficiando o consumidor e proporcionando mais eficiência ao mercado.

13/10/2022

A chamada influência de conduta uniforme, perpetrada por sindicatos e associações de classe, por meio de tabelas de preços e trocas de informações estratégicas de mercado entre empresas do setor que representam, está entre as práticas anticompetitivas apontadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Analisamos os padrões de prova e os principais fatores que o órgão vem utilizando nos processos administrativos para formar sua convicção nessas ocorrências e apresentar medidas mitigadoras dos riscos contra a concorrência.

No período compreendido entre o início de 2019 e o final do primeiro semestre de 2022, julgaram-se nove casos, ocorrendo 20 condenações de empresas representadas pelas entidades, baseadas na existência de documentos com explícito conteúdo anticompetitivo. Registraram-se, ainda, 121 arquivamentos. Avaliando-se uma das situações em que se deliberou pela existência de conduta uniforme, referente a sociedades e cooperativas no mercado privado de cirurgia torácica e cardiovascular, a prática estava claramente expressa em atas de assembleia, estatutos sociais, cartas abertas e mensagem eletrônica. Para efeito de comparação, não houve condenação em um processo do setor de refino, distribuição e revenda de combustíveis, pois o conjunto de provas era constituído apenas por matérias de jornais, com entrevistas do presidente da entidade em questão.

Com relação às tabelas de preços, embora haja controvérsias sobre a questão na doutrina jurídica, a jurisprudência do CADE consolidou o entendimento de que há significativa presunção de ilicitude nessa prática, considerando que, imposta ou não, ela arrefece a concorrência entre os associados às entidades de classe, caracterizando-se comportamento análogo ao de cartel. A facilitação do intercâmbio de informações também merece atenção, em especial se ocorrer de maneira desagregada e se os conteúdos forem concorrencialmente relevantes. Ressalve-se que dados exigidos por normas legais ou regulatórias tendem a ser avaliados de modo mais favorável por parte da autoridade.

Assim, é prudente que as entidades de classe sejam cuidadosas com suas práticas e o comportamento dos associados, para evitar potenciais exposições concorrenciais. A sensibilidade à que estão expostas se deve ao fato de reunirem e congregarem indivíduos e empresas que comungam interesses semelhantes, na maioria das vezes, concorrentes entre si.  Associações de classe e sindicatos não podem se transformarem em indutores de uniformização de condutas de  concorrentes em um dado mercado. Cabe-lhes, inclusive, a adoção de medidas para salvaguardarem as fronteiras legitimas de suas funções. Em particular, deve-se adotar especial precaução com a facilitação da troca de informações competitivamente sensíveis entre concorrentes, a preparação de atas das reuniões, que devem, obviamente, tratar de conteúdos lícitos, e com a criação de critérios de padronização e certificação de práticas que tenham potencial lesivo ao mercado. Nesse sentido, recomenda-se, por exemplo, a adoção de um protocolo concorrencial, códigos de ética e de conduta, bem como a adoção de critérios claros para adesão e exclusão de membros.

Porém, cabe destacar a legítima missão cumprida pelas associações e os sindicatos no estabelecimento de padrões econômicos e de qualidade, beneficiando o consumidor e proporcionando mais eficiência ao mercado. Exercem papel-chave na promoção do bom funcionamento do mercado enquanto fóruns de discussão e troca de pontos de vista sobre questões de relevância nacional e interesse comum para o setor industrial que representam. Como órgãos de defesa da concorrência já reconheceram, as “entidades de classe desempenham papel fundamental na nossa sociedade”, ao reunir “indivíduos de empresas que comungam interesses semelhantes” e “representá-los comercial, política ou socialmente”. Desse modo, é fundamental reconhecer a legitimidade que envolve a atuação dessas organizações, cuja atribuição tem relevante função no exercício democrático.

Vivian Fraga
Sócia de Tozzini Freire Advogados. Mestra em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, foi técnica do departamento responsável por investigar infrações antitruste no CADE. Coordenadora do Comitê de Concorrência e Relações de Consumo do CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados). É membro oficial do Grupo de Trabalho de Cartéis Internacionais da International Bar Association e do GCR Women in Antitrust. Atua na qualidade de NGA (consultor não governamental) da ICN (International Competition Network).

Nicholas Cozman
Associado de Tozzini Freire Advogados. Pós-graduando em Direito Administrativo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), é bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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