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Novos meios para antigos crimes

A sociedade e o direito estão lidando com uma grande quantidade de crimes cometidos por meio das redes sociais, é preciso que haja maior debate na sociedade – tanto acadêmica quanto civil – em prol de buscar respostas para amparar de forma mais eficiente as vítimas de crimes cibernéticos.

11/10/2022

A globalização da internet transferiu para a rede a prática de diversos crimes, os velhos crimes encontraram novo meio de proliferação. Dentre os ilícitos mais comuns cometidos na rede, está a violação da privacidade, em que todos com acesso às redes sociais podem ser alvo do crime e ao mesmo tempo qualquer um com um celular na mão pode ser um criminoso em potencial. Torna-se importante então, questionar as postagens em redes sociais que ferem o princípio constitucional da inviolabilidade à privacidade (art. 5º, X, da Constituição Federal) que acabam sendo práticas de crimes contra a honra e que talvez não consigam reparar o ofendido pois a internet não conhece fronteiras o que traz dificuldade para a esfera penal conseguir punir de forma a que se faça justiça e, trazendo para a vida da vítima a impossibilidade de retornar ao status quo ante após a prática de crime contra a honra na web.

As redes sociais surgiram, principalmente, dentro das universidades americanas em que os alunos buscavam um meio interagir entre si e com alunos de outras universidades de modo mais eficiente. A ideia de ter um meio de se comunicar, expressar e compartilhar foi bem-vista pela sociedade que, em pouco tempo, viu as redes sociais via internet se tornarem parte importante do seu cotidiano gerando até mesmo crise de abstinência conforme demonstra um estudo publicado no periódico científico PLOS ONE que mostrou que a abstinência de internet é um problema real que causa problemas fisiológicos, como o aumento dos batimentos cardíacos e da pressão sanguínea, e psicológicos, como ansiedade.1

Uma pesquisa organizada pela GlobalWebIndex que analisou dados de 45 dos maiores mercados de internet do mundo estimou que o tempo diário médio que cada pessoa dedica a sites ou aplicativos de mídia social aumentou de cerca de 90 minutos em 2012 para 143 minutos nos primeiros três meses de 2019.2 Ou seja, as pessoas dedicam uma grande parte do seu dia para postar conteúdos e compartilhar informações.

Partindo para um caráter mais específico da pesquisa aqui desenvolvida, será delimitado a amostra de pesquisa para o Brasil quanto ao uso da rede social Facebook. Dessa forma, temos que o Brasil em 2018 tinha 59% de sua população ativa no Facebook3, ou seja, mais da metade dos brasileiros estão conectados sendo alvo de todo tipo de informação e compartilhando-as sem que haja, da maioria dos usuários, uma real preocupação em distinguir conteúdos públicos de conteúdos que atingem a esfera privada e íntima de terceiros.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5º, X, instituiu o princípio da inviolabilidade à privacidade em que segundo Mendes e Branco (2018, p. 287):

O direito à privacidade, em sentido mais estrito conduz à pretensão do indivíduo de não ser foco da observação por terceiros, de não ter os seus assuntos, informações pessoais e características particulares expostas a terceiros ou ao público em geral.

Por conta desse princípio, optou-se por criminalizar os crimes que infringissem a honra das pessoas, surgindo então, o rol de crimes contra a honra constados no Capítulo V, Parte Especial do Código Penal. Sendo os principais: calúnia, difamação e injúria, estando suas explicações bem explicitas na letra da lei:

Art. 138, CP - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.

Art. 139, CP - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.

Art. 140, CP - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.

Como é possível observar, são crimes que ofendem a moral movidos pelo desrespeito quanto a vida alheia. Esses crimes que, até certo tempo atrás, só eram possíveis na realidade, atualmente, ganharam a esfera virtual; ou seja, são velhos crimes cometidos via novos meios. Nesse momento, cabe um adendo quanto aos crimes informáticos conforme as palavras de Túlio Lima Vianna (2001, p. 37):

Em rigor, para que um delito seja considerado informático é necessário que o bem jurídico por ele protegido seja a inviolabilidade de dados. A simples utilização, por parte do agente, de um computador para a execução de um delito, por si só não configura um crime informático, caso o bem jurídico afetado não fosse a informação automatizada.Ocorre, no entanto, que muitos autores acabaram, por analogia, denominado crimes informáticos os delitos em que o computador serviu como instrumento da conduta. Apesar de imprópria, esta denominação tornou-se muito popular e hoje é impossível ignorá-la.Aos delitos em que o computador foi o instrumento para a execução do crime, mas não houve ofensa ao bem jurídica inviolabilidade da informação automatizada (dados) denominaremos Delitos Informáticos Impróprios e àqueles em que o bem jurídico afetado foi a inviolabilidade dos dados, chamaremos de Delitos Informáticos Próprios.

Com esse breve complemento, é possível dizer que os crimes contra a honra são delitos informáticos impróprios.

A democratização da internet foi um avanço positivo para a sociedade, mas demonstrou também que muitas pessoas não respeitam o direito de outras pessoas. Voltando para a amostra de pesquisa, o Facebook, é possível ver nessa plataforma que os crimes de ódio imputando falso sobre outra pessoa ou, até mesmo, agregando a um terceiro algo que não convém com a sua verdadeira face, se tornou algo cada vez mais frequente de acontecer. A cada uma notícia que grandes canais de jornais postam sobre algum acontecimento, há, no mínimo, cinco pessoas com opinião contrárias que comentam na notícia, e, essas cinco pessoas costumam ser reatualizadas com, na maioria das vezes, respostas ao seu comentário que degradam a imagem delas. Acontecendo que, na maioria das vezes, aqueles que maculam a honra alheia se defendem dizendo que estavam apenas emitindo uma opinião. Ora pois, uma opinião que degrada a imagem alheia não é desculpa, a ex procuradora-geral interina dos Estados Unidos Sally Yates fez a seguinte análise:

Nós podemos – e devemos – debater políticas e questões, mas esses debates devem se basear em fatos em comum, e não em apelações baratas à emoção e ao medo na forma de mentiras e de uma retórica polarizante.

Esta brilhante fala reflete bem o cenário de caos que se dá quando opiniões diferentes se chocam em debates no Facebook, muitos daqueles que praticam crimes contra a honra na plataforma se aproveitam da “vantagem” de estar atrás de uma tela, escondido do mundo, mas ao mesmo tempo se mostrando ao mundo.

O Facebook demonstrou uma face suja da humanidade que é a face que não tolera ser contrariado, muitos daqueles que cometem crimes impróprios informáticos podem até mesmo não saber que a sua conduta é ilícita, agindo de forma inconsciente pelo calor da emoção de querer ter razão; já outros agem de forma deliberada com o intuito de macular a imagem alheia. Eis então um dos grandes problemas da sociedade contemporânea: saber utilizar as redes sociais com responsabilidade sem que a sua liberdade de expressão se transforme em ofensas a vida alheia, e, saber preservar a sua intimidade em tempos de publicitação da vida. Além disso, existem mais problemas: em casos de crime contra a honra, como processar o usuário? Como fazer com que um usuário que pode até mesmo ser fake, responda perante a justiça pelo crime cometido?

O direito tem se debruçado com essas questões na atualidade pois os crimes informáticos impróprios são uma realidade cada vez mais frequente e, a sensação de impunidade para a vítima de um crime que maculou a sua imagem na internet, tendo em vista que os danos causados na internet nessa esfera atinge proporções enormes pois uma falsa notícia sobre alguém navega muito mais rápido do que uma sentença transitada em julgado, até que o autor do crime seja condenado, a vítima já sofreu com o compartilhamento de notícias falsas sobre si.

O direito tem visto inúmeras novas questões decorrendo do uso da internet e, principalmente, o direito penal, que por sua vez não teve tempo para se atualizar no ritmo das inovações tecnológicas criando assim um procedente nos tribunais de crimes agora cometidos via internet.

É necessário o uso responsável das redes sociais sem que emissão de opinião ofenda terceiros é um problema ético da sociedade tendo em vista que, na filosofia clássica, a ética não se resumia apenas aos hábitos ou costumes socialmente definidos e comuns, mas buscava a fundamentação teórica para encontrar o melhor modo de viver e conviver, isto é, a busca do melhor estilo de vida, tanto na vida privada quanto em público4; ou seja, falta nas pessoas que cometem crimes contra a honra a empatia de viver harmonicamente em sociedade. Para esse problema ético não existe uma resposta imediata pois isso depende de política pública que comece na Educação Infantil incentivando o crescimento das futuras gerações com um pensamento mais afetuoso da vida em comunidade; uma resposta rápida que pode vir a ser eficiente é o incentivo de debates na comunidade em prol de educar a sociedade quanto ao uso da internet ao emitir juízos de valores.

Existe um movimento social que começa a ganhar adeptos que é a proteção da intimidade na era da internet; o primeiro impacto causado com a democratização da internet foi as pessoas quererem interagirem cada vez mais por meio de fotos, vídeos e mensagens, mas, atualmente, já existem pessoas que não concordam mais em publicar a vida; o que é uma coisa positiva, as pessoas precisam se autopoliciar para que a sua vida não se torne um livro aberto a ponto de outras pessoas conseguirem ter acesso a imagem e rotina do usuário. Saber preservar a intimidade em tempos de publicitação da vida na internet se torna cada vez mais importante para tentar se imunizar contra-ataques virtuais tanto de crimes que ofendem as pessoas quanto os crimes de estelionato e roubo.

Em casos de crime contra a honra proceder com um processo é muito difícil para a vítima, primeiramente porque os crimes contra a honra, em sua maioria, são de iniciativa da vítima que, muitas vezes pode ter medo de proceder com uma queixa por não saber como será a reação do autor, justamente por se sentir coagida. Mas, caso a vítima preste queixa – nos casos de ação penal privada – existe um outro problema que é o de notificar o autor quanto a intimação, esse problema se agrava ainda mais quando o usuário que praticou o crime tinha uma conta fake. Diante desses problemas cabe a sociedade fomentar por uma legislação que busque proteger o usuário ainda na hora do registro na plataforma online para que seja possível a justiça localizar geograficamente o usuário de forma menos burocrática da que existe atualmente.

A sociedade e o direito estão lidando com uma grande quantidade de crimes cometidos por meio das redes sociais, é preciso que haja maior debate na sociedade – tanto acadêmica quanto civil – em prol de buscar respostas para amparar de forma mais eficiente as vítimas de crimes cibernéticos, principalmente os crimes que degradam a imagem alheia, pois os danos causados com o compartilhamento de informações são maiores do que a reparação a vítima pois muitas vezes a justiça não consegue fornecer para a vítima uma resposta que cubra, pelo menos, 50% do trauma decorrente da exposição de um crime que afete a honra da vítima.

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1 VIANNA, Túlio Lima. Fundamentos do Direito Penal Informático: Do acesso não autorizado a sistemas computacionais. 2001. Dissertação (Mestrado em ciências sociais). Disponível em: https://www.academia.edu/1911160/Fundamentos_de_Direito_Penal_Inform%C3%A1tico_d o_acesso_n%C3%A3o_autorizado_a_sistemas_computacionais?auto=download. Acesso em dezembro de 2019.

2 MENDES, Gilmar Mendes; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2018.

3 SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Direito Penal: Volume Único. São Paulo: Atlas, 2018.

4 KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade. 1ª edição. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018

Nicolli Marinho
Graduanda em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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