1. A Recomendação 134 do Conselho Nacional de Justiça, de 9/9/22, confirma a relevância do “juízo natural”, no seu art. 19 § 1º1.
2. Os limites dados pelo princípio do “juiz natural” foram respeitados, igualmente, pelo Novo Código de Processo Civil. Merecem observância. Já se percebeu que este princípio é organizador do Estado de Direito. Está presente na Constituição de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
3. Inexiste a adoção de “avocatória” na sistemática processual do NCPC. A uniformização da jurisprudência deve ocorrer a partir dos julgamentos dos casos concretos, levados ao conhecimento do Judiciário. Alexandre Freitas Câmara, Desembargador no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, fez esta consideração em debate sobre julgamentos, sem que os processos estivessem nitidamente em fase de apreciação. Ocorreu no Seminário organizado pelo Superior Tribunal de Justiça, com apoio do Supremo Tribunal Federal, em setembro de 20212.
4. Inexiste conveniência de “aceleração proposital com supressão de instâncias”. Esta é a observação do Professor Thomas Bustamante, em aula sobre “Precedentes no Positivismo e no Common Law Clássico”, julho de 20223.
5. A preservação das atribuições das autoridades administrativas e das funções jurisdicionais há de ser respeitada. Até mesmo, as funções do “juiz 1” e do “juiz 2”, na formação de precedentes são distintas. Esta é a aula de Michele Taruffo, já em setembro de 2012, ao tratar de “Seguridad Jurídica y Precedentes Judiciales”4.
6. É descabido, num primeiro julgamento, fazer-se uma listagem exemplificativa e exaustiva das futuras eventuais situações, com alguma semelhança ou não distintas. A controvérsia deverá ser travada na especificidade dos diversos casos, inclusive, sobre as superações ou distinções.
7. Por certo, é difícil não ceder à tentação de buscarmos a uniformização nos temas aparentemente semelhantes e, mais ainda naqueles mais simples, com menores controvérsias. Todavia, a sociedade e, antes disto, a comunidade jurídica espera de nós o esforço, exatamente, nos temas mais complexos e de mais intensa controvérsia.
8. O afirmado até aqui já é suficiente para que seja lembrada a necessidade de "interlocução entre os tribunais e juízes", no âmbito administrativo e/ou jurisdicional. Neste possível aprimoramento, é significativa a contribuição do Superior Tribunal de Justiça, bem noticiada, em nossa Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho, do Rio Grande do Sul, pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do STJ5.
9. A grandiosidade dos números de processos uniformizáveis é considerável, em todas as esferas do Judiciário, em nosso País. O fornecimento de remédios novos, o acesso aos transportes públicos, impostos e taxas municipais são temas com milhares de processos no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em exemplo que se repete em outros Estados. A Juíza Marcia Correia Hollanda, Juíza-Auxiliar da 3ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos apontou estes dados e sua atividade de seleção6.
10. A mencionada interlocução entre tribunais e juízes, assim como, a seleção de processos uniformizáveis haverá de preservar o espaço do “contraditório”. Não se pode uniformizar um tema, a partir de um debate restrito às peculiaridades de poucos casos.
11. Alexandre Freitas Câmara, em livro deste ano de 2022, renova suas atenções para a realização do contraditório. Sugere os instrumentos do amicis curiae e as audiências públicas. É o livro “Levando a sério os Padrões Decisórios – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmula”, São Paulo: Atlas, 2022.
12. O Desembargador no TJ/RJ Alexandre Freitas Câmara assinala, neste livro, que:
"A denominação "padrões decisórios" não foi escolhida ao acaso. Ela foi expressamente empregada na redação do § 5º do art. 966 do Código de Processo Civil de 2015 e..." pg 1.
“Muitos diferentes... Alemanha, França e Itália”, p 30
“É que do princípio da igualdade resulta, também, o direito à diferença, entendido como “respeito à diferença e à diversidade”... Flávia Piovesan”, p 73
“Necessidade de participação dos interessados”, p 95
“Direito de participação com influência”, p 97
“Daí procede que o resultado do processo precisa ser construído pelo juiz e pelas partes”, p 101
“Conclusões” pg 353
“31. ...maior participação da sociedade na construção desses padrões decisórios...
33. ...amicus curiae e as audiências públicas... legitimidade democrática à atribuição de eficácia vinculante a certos padrões decisórios...
35. ...contraditório ampliado para garantir a possibilidade de participação da sociedade na sua construção”.
13. Efetivamente a expressão “padrão decisório” está presente no texto legal. Estabelece o NCPC:
“art. 966 § 5º "Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. (Incluído pela lei 13.256, de 2016)”
14. Em “Encontros Brasil – Itália – O papel da Jurisprudência nas fontes do Direito Italiano”, se viu o tema. Era o 3º Encontro, em setembro de 2020, com aula do Professor Ferruccio Auletta da Universidade de Napoli7.
15. O Professor de Napoli salientou a lei processual de seu País, entre outros, com o art. 363, sobre recurso do Ministério Público para que não influenciem, em casos futuros, os fundamentos não desejados:
Art. 363. (1)
(Principio di diritto nell'interesse della legge)
Quando le parti non hanno proposto ricorso nei termini di legge o vi hanno rinunciato, ovvero quando il provvedimento non è ricorribile in cassazione e non è altrimenti impugnabile, il Procuratore generale presso la Corte di cassazione può chiedere che la Corte enunci nell'interesse della legge il principio di diritto al quale il giudice di merito avrebbe dovuto attenersi...8
16. Participei de texto junto com o Colega Luiz Alberto de Vargas bem antes do NCPC. Ali, dissemos que:
“A edição de uma Súmula deveria ser vista como algo positivo, na medida em que representasse a unificação da jurisprudência. Do ponto de vista social, poderia significar algum aprendizado coletivo. Seria uma manifestação dos profissionais do Direito, sinalizando para a sociedade como um todo”910.
17. Já ao tempo do NCPC e após a lei 13.467, o Juiz do Trabalho Cesar Pritsch escreveu sobre as súmulas, em parte já insuficientes,
18. Todo julgamento é, sim, potencialmente, um precedente. Ademais, cada julgamento tem um debate de maior ou menor amplitude. Por obvio, quando os argumentos ficarem limitados ao caso, sua força e influência nos julgamentos posteriores haverá de ser menor. Esta é a lição de autor dos Estados Unidos, Frederick Schauer, presente na bibliografia do Juiz Cesar Pritsch. Em “Conferencia inaugural a cargo de Frederick Schauer, de la Universidad de Virginia, 1/5 Seminario permanente sobre Precedente en Iberoamérica, 845 visualizações, transmitido ao vivo em 6 de fevereiro de 2020, muito se apreendeu sobre esta força dos primeiros julgamentos, na experiência dos Estados Unidos11.
19. A Ministra do Superior Tribunal de Justiça Assusete Dumont Reis Magalhães, comparando com nosso País, lembrou que o precedente nos Estados Unidos adquire força, após, não nascendo com força vinculante12.
20. Um leitor destas linhas, em versão anterior, bem assinalou que:
“Um dos temas centrais à democracia é a decisão judicial como parte de um aprendizado social e não como exercício de "poder". A função judiciária é facilitar soluções que superem entraves e descortinam o porvir. É um longo processo, penoso nestes tempos de exacerbação e contaminação das águas ao redor da democracia”.
21. Diego Lopez Medina, da Colômbia, com estudos nos Estados Unidos, sob o título link, "La consolidación del precedente judicial en México", tratou da busca de melhor e mais rápida circulação de informações sobre a jurisprudência. Ele, inclusive, trata de:
- alterações legislativas no México;
- Informática e transparência;
- Charles Dickens e casas de luz;
- lexicografia e repertórios;
- França; jurisprudência constante apenas após 3 decisões;
- uniformização como tema de memória e não tema de poder;
- não se trata de elaborar brocardos;
- processo como forma de evolução da ira em dolo, retribuição e continuidade da vida;
- processo virtuoso, independentemente do resultado;
- nossa função de profissionais do direito é "abrir portas";
- jurisprudência não é um jogo de quem manda e, sim, um aprendizado social;
- trabalho conjunto;
etc13.
22. O aperfeiçoamento da função jurisdicional em nada se confunde com o assumir das funções legislativas. Resumir um julgamento, para se transformar em nova e futura regra pode, inclusive, afastar a atenção do juiz para o caso concreto em exame. Quando o juiz se transforma em semi-legislador, automaticamente, passa a ser apenas um semi-julgador.
1 https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4740
2 https://www.youtube.com/watch?v=KWIPrP-bYes
3 https://www.youtube.com/watch?v=IKMc-r4W4hk
4 https://www.youtube.com/watch?v=WzWCJQwlA9s
5 https://www.youtube.com/watch?v=AODJFojuqus
6 https://www.youtube.com/watch?v=3YmEvFaqhhA&t=363s
7 https://www.youtube.com/watch?v=F5CmpC-vj7M
8 https://www.altalex.com/documents/news/2014/11/17/delle-impugnazioni
9 https://prolegis.com.br/quais-s%c3%bamulas/
10 https://jus.com.br/artigos/6034/quais-sumulas
11 https://www.youtube.com/watch?v=OVYG_oCGt4o
12 https://www.youtube.com/watch?v=KWIPrP-bYes
13 https://www.youtube.com/watch?v=aJv-93rDFUk&t=2544s