A legislação sobre o preço de transferência ou transfer pricing tem origem nos chamados paraísos fiscais, para dar combate uniforme à sonegação fiscal nas diferentes jurisdições fiscais.
No Brasil a legislação de regência da matéria é a lei 9.430/96.
Antes de mais nada convém explicar o que significa o termo “paraíso fiscal”.
Resumidamente pode-se falar que se trata de países com tributação favorecida.
Tecnicamente consideram-se países com tributação favorecida aqueles em que se tributa a renda com alíquota máxima inferior a 20%.
São eles: Ilhas Cayman, Ilhas Virgens, Antilhas Holandesas (Caribe), Bermudas, Liechtenstein, Bahrein, Chipre, Costa Rica, Panamá, Barbados, Ilha da Madeira e as colônias britânicas de Gibraltar, de Ilhas do Canal Jersey e Guernsey e de Ilhas Turks e Caicos.
Os contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) domiciliados nesses países sujeitam-se a uma fiscalização específica.
A forma mais corriqueira de sonegar o imposto de renda e a contribuição social sobre lucros líquidos é a realização de operações fictícias, no todo ou em parte, com pessoas físicas ou jurídicas vinculadas (empresa controladora ou coligada), quer por meio de super faturamento na importação, quer por meio de subfaturamento na exportação.
A fim de possibilitar a tributação de lucros ilegalmente transferidos para o exterior por meio de importação e exportação veio à luz a lei 9.430/96, que estabeleceu rigorosa disciplina que vai desde a definição de pessoa vinculada (art. 23) até os preços de transferência de bens, serviços ou direitos.
O art. 23 estabeleceu amplo conceito de pessoa vinculada, para efeitos de fixação de preço de transferência, compreendendo desde a ligação societária de controle e coligação até a presunção absoluta em razão de parentesco com o diretor, sócio ou acionista controlador, ou, em razão da exclusividade da função de agente, distribuidora ou concessionária de empresa determinada comercial ou de prestação de serviços.
Para as operações de importação o art. 18 da lei referida estabelece três métodos de definição do valor do preço de transferência para a pessoa vinculada. O que exceder desse valor não poderá ser deduzido na determinação do lucro real.
Os três métodos são:
a) método de preços independentes comparados (PIC) que resultam da média aritmética ponderada dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, apurados no mercado brasileiro ou de outros países, em operações de compra e venda empreendidas pela própria interessada ou por terceiros, em condições de pagamento semelhantes;
b) método do Preço de Revenda menos Lucro — PRL — definido como a média aritmética ponderada dos preços de venda, no país, dos bens, serviços ou direitos importados, em condições de pagamento semelhantes e calculados conforme a metodologia descrita nas alíneas a a e do inciso II, do art. 18.
c) método do Custo de Produção mais Lucro — CPL — definido como custo médio ponderado de produção de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, acrescido dos impostos e taxas cobrados na exportação no país onde tiverem sido originalmente produzidos, e da margem de lucro de 20% (vinte por cento), calculada sobre o custo apurado.
Nas operações de exportação, o art. 19 da lei 9.430/96 permite o arbitramento, quando o preço médio de vendas dos bens, serviços ou direitos praticados durante o respectivo período de apuração da base de cálculo do imposto de renda, for inferior a 90% do preço médio praticado na venda dos mesmos bens, serviços ou direitos, no mercado brasileiro, durante o mesmo período, em condições de pagamento semelhantes.
Pois bem, o art.12 da IN 243/02 da Receita Federal adotava o método do Preço de Revenda menos Lucro (PRL) definido como média aritmética ponderada dos preços de revenda dos bens, serviços ou direitos, diminuídos dos descontos incondicionais, das comissões e corretagens pagas e da margem de lucro de 20% no caso de bens, serviços ou direitos, e de 60% na hipótese de bens, serviços ou direitos importados aplicados na produção.
Ocorre que esse dispositivo do art. 12 de IN 243/02 não tinha amparo no art. 18 da lei 9.430/96, em sua redação original, só vindo a ganhar compatibilidade com a lei com o advento da lei 12.715/12 que deu nova redação ao inciso II, do art. 18 da lei 9.430/96.
Por essa razão a Receita Federal revogou a IN 243/02 substituindo-a pela IN 1312/12.
O caso versado no julgamento do STJ diz respeito à apuração do preço de transferência no período compreendido entre 2002 e 2012, isto é, do ano que entrou em vigor a IN 243/02 até a sua revogação em 2012.
Por isso, a Primeira Turma do STJ, na sessão de julgamento do dia 4/10/22, pelo voto condutor proferido pelo Relator, Ministro Gurgel de Faria, assentou a tese de que “a metodologia de cálculo dos preços de transferência empreendida por meio do art. 12 da IN 243/02 ofende o princípio da legalidade, pois extrapola os limites da lei 9.430/96 e resulta em majoração da carga tributária importada pelo contribuinte”. (AResp 511.736)
É nesse contexto que deve ser entendida a decisão do STJ que invalidou a IN 243/02 da Receita Federal.
Houve a aplicação da regra de direito intertemporal, analisando o aspecto temporal do fato gerador da obrigação tributária que determina a aplicação da legislação vigente à época da ocorrência do fato gerador segundo o princípio tempus regit actum.