Em meio ao processo eleitoral mais relevante desde sua redemocratização, o Brasil se vê às voltas com uma figura charlatanesca que se autointitula “padre”, a qual estaria a exercer um suposto sacerdócio em nome de uma igreja inexistente no país.
Mas fica é dúvida: há alguma ilegalidade em se autoconsagrar sacerdote de uma igreja “pra-chamar-de-minha”, à luz de nossa legislação?
Depende.
Se esse “sacerdócio” derivar apenas de um desarranjo mental, uma insanidade psíquica inofensiva, e se resumir a proféticas pregações e perambulações em praças e espaços públicos, a princípio não haverá qualquer ilegalidade, embora possa se tratar de mais um messias fajuto que necessita de urgente tratamento psiquiátrico, de preferência ambulatorial. Desde que o “falso profeta” não provoque tumulto ou perturbe a paz alheia, pois então estaria a praticar condutas que caracterizam contravenção penal (artigos 40 e 42 da Lei de Contravenções Penais).
Mas se o falso sacerdócio, além da heresia que lhe é própria, tiver por objetivo, a partir do logro, algum tipo de vantagem ilícita, em detrimento de alguém ou da coletividade? Nesse caso, o picareta estará praticando o famigerado crime de estelionato. Isto é, estará incidindo nas penas do artigo 171 do Código Penal.
O estelionatário é comumente chamado de “vigarista”. E não é à toa. Deriva do famoso “conto do vigário”, em que um golpista se passa por sacerdote para enganar e desapossar crentes incautos.
Por exemplo: pratica estelionato “na veia” alguém que, embora não faça jus, venha a obter mediante artifício valores de auxílio emergencial que seriam destinados à população mais carente. Um político que faz isso – esteja ou não fantasiado com uma batina -, é um típico vigarista.
Para caracterização do estelionato não é necessário que a visada “vantagem ilícita” se traduza em algum valor pecuniário. Buscar a obtenção de poder político, verbas eleitorais, projeção ou cargos públicos – ainda que não se ultrapasse o campo da mera tentativa – também pode caracterizar essa “elementar” do crime de estelionato.
Um falso padre, dublê de político (ou de cabo eleitoral), que se presta a “armações” eleitoreiras, age, nada mais nada menos, como um reles estelionatário. Simples assim. Mas não é só. Todo aquele que o auxilia no logro, na fraude, é partícipe do crime, conforme a regra de extensão subjetiva trazida no artigo 29 do Código Penal Brasileiro (quem “concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas, na medida de sua culpabilidade”).
Em outras palavras: fazer dobradinha com estelionatário torna seu comparsa tão estelionatário quanto.
O falso vigário e o capeta... Deus me livre!