Migalhas de Peso

Da tutela provisória no âmbito recursal

Breve análise acerca do instituto das tutelas provisórias no direito processual civil brasileiro, com enfoque nas tutelas perante os tribunais de segundo grau e superiores.

26/9/2022

Sabe-se que as tutelas provisórias encontram-se bem regulamentadas no ordenamento jurídico pátrio.

Além da, muito bem-vinda, regulamentação específica sobre a matéria a partir do artigo 294 do Código de Processo Civil, há diversas menções no próprio digesto, como em legislação extravagante.1

Esse instituto jurídico foi criado com o objetivo de preservar o direito em face dos efeitos deletérios operados pelo tempo. Se consubstancia em dois requisitos centrais, quais sejam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.2

Ora, requer-se a tutela provisória em situações de urgência, quando não se é possível aguardar as fases postulatória, instrutória e decisória do procedimento sem que se tenha um real prejuízo do direito material do jurisdicionado, podendo, em alguns casos, tornar-se inútil posterior pronunciamento judicial.

Importante mencionar que a tutela provisória foi esquematizada no CPC sendo divididas em tutelas provisórias de urgência e tutela provisória da evidência.

As tutelas de urgência são fracionadas em cautelares ou antecipadas, sendo as primeiras aptas a adotar medidas, pelo juiz, para assegurar o direito, revestindo-se de providências acautelatórias para que se assegure a eficácia de futuro provimento jurisdicional do mérito.

Em outras palavras, o pronunciamento judicial antecipado nasce com o objetivo de preservar um direito existente, que pode, eventualmente, deixar de existir com o decurso do tempo.

Por isso, é um instrumento absolutamente útil e necessário, que se relaciona, também, com o princípio da primazia do julgamento do mérito, pois visa assegurar pronunciamento final, o que vai ao encontro ao objetivo do processo.

De outra borda, as ditas tutelas provisórias antecipadas entregam, desde logo, e em fase preliminar, o bem da vida requerido pela parte. É uma medida que satisfaz de pronto o objeto da demanda.

É instituto processual que tem um efeito prático imediato mais impactante do que o provimento das tutelas ditas cautelares, em razão de antecipar o pedido principal em fase ainda embrionária do processo.

Há casos em que o deferimento da medida se torna irreversível, como nos casos de realização de cirurgia médica, hipótese em que a medida satisfativa antecipa integralmente o mérito, não sendo possível o seu desfazimento, razão pela qual o juiz deve ser prudente em sua análise para concessão.

De importante menção, que decisões proferidas em cognição sumária, como é o caso em estudo, apesar de conservarem a sua eficácia na pendência do processo, podem ser revogadas a qualquer tempo, o que denota o seu caráter provisório, sem traços, ainda, de definitividade, consoante o artigo 296 do CPC.

Não por outra razão, o legislador positivou norma na qual expressa que em caso de irreversibilidade dos efeitos da concessão da tutela ou a sua onerosidade excessiva, prudente será aguardar a instrução do processo.3

No que diz respeito ao momento processual adequado para formular o pedido, na classificação adotada pelo código dessas tutelas, ele pode ser antecedente ou incidental.

A nomenclatura é clara, não deixando dúvidas de que antecedente é o pedido formulado antes mesmo do pedido principal, ou seja, em momento anterior a interposição da ação propriamente dita, devendo o autor, caso preenchidos os requisitos legais, posteriormente aditar o pedido sumário.

Incidental é o requerimento formulado quando já há um processo, propriamente dito, em curso, não incidindo novas custas iniciais.

Interessante questão diz respeito a tutela da evidência, onde não há o requisito da urgência, mas há a evidencia do direito alegado, não sendo necessário esperar o decurso do tempo, que se faria demasiadamente prejudicial, quando o direito perfaz os requisitos aptos a concessão dessa tutela.

Felizmente, o legislador estipulou algumas hipóteses nas quais está autorizado o juiz a deferir a tutela da evidência.4

Porém, vale lembrar que em outros momentos e situações processuais poderia, também, ser deferida a aludida tutela, em razão da clareza e plausibilidade do direito, evitando-se o gasto de energia, tempo e dinheiro das partes e do Estado, como é o caso do mandado liminar de reintegração ou manutenção nas ações possessórias.

Feito esse breve e necessário apanhado introdutório, chega o momento de comentar acerca das tutelas provisórias nos recursos, objeto central do presente texto.

Imperioso dizer que, onde há jurisdição existe a possibilidade de concessão de tutelas provisórias.

Observa-se, também, que não há um momento dito “correto” para formular o pedido no lapso processual que pode nascer com o requerimento antecipado antecedente até um eventual pedido de tutela provisória em sede de ação rescisória.

 Outro exemplo de que não há um momento “fatal” em alguma das fases do processo para o seu requerimento, é possível que, após o trânsito em julgado, haja eventual pedido de tutela provisória em recurso de agravo de instrumento dirigido ao tribunal em decorrência de decisão interlocutória proferida na execução ou em cumprimento de sentença.

Concluindo esse raciocínio, não existe um momento final para o requerimento dessas tutelas.

Além disso, não apenas nos processos iniciados em primeiro grau são permitidos esses pedidos, pois é possível o requerimento de tutela provisória em ação rescisória, por exemplo, ação essa de competência originária dos tribunais, que tem natureza de petição inicial.5

É um tema realmente rico, temos menção as tutelas provisórias na execução (normalmente cautelares), além de uma discussão que poderia ser objeto de um texto próprio, acerca da natureza jurídica do mandado monitório, que entendo ser uma espécie de tutela da evidência.

Nos recursos, o CPC deferiu ao relator alguns poderes, dentre eles o poder de deferir tutelas provisórias, consoante o seu artigo 932, inciso II. Portanto, não há um momento especifico para o seu requerimento ou concessão.

Como pode-se pensar, o deferimento das tutelas provisórias não se limita ao seu requerimento em processo que tramita perante a primeira instância.

Repito, onde há jurisdição há a possibilidade de concessão dessa medida. E, em grau recursal não é diferente. É possível requerer ao relator do recurso a concessão da medida.

Na prática forense, é comum o acionamento da instância recursal para obter, em sede de tutela, na maioria das vezes simultaneamente a interposição do recurso, o efeito suspensivo de alguma decisão ou o seu efeito ativo, ou seja, a antecipação dos efeitos da tutela recursal.

Em tese, pode-se requer o efeito suspensivo perante o tribunal com o objetivo de suspender os efeitos da decisão atacada, na medida em que concede algo contrário aos interesses do recorrente.

Por outro lado, na hipótese de requerimento do efeito ativo, ou seja, da antecipação dos efeitos da tutela recursal, o pedido é no sentido de se conceder algo que a decisão recorrida indeferiu.

Observa-se, com isso, que as tutelas provisórias em sede recursal se revestem de um grau elevado de complexidade, dividindo-se em efeito suspensivo e efeito ativo, conforme a natureza da decisão atacada.

Vale lembrar que é comum confundir-se as tutelas provisórias nos recursos apenas como sendo aptas para se requerer efeito suspensivo a determinada decisão que não a tenha de forma automática, com o objetivo de sustar os efeitos da decisão atacada.

Mas isso não corresponde à verdade. A tutela provisória recursal é um gênero, do qual faz parte, como espécie, o efeito suspensivo requerido no corpo dos recursos.

Muito mais do que isso, em minha opinião, reveste-se de mais riqueza o efeito ativo requerido em sede recursal, na forma de tutela provisória.

Nessa espécie, não se vislumbra apenas o efeito suspensivo da decisão originária. Busca-se a concessão, pelo tribunal, de medida não concedida em instância inferior, ou seja, o órgão revisor é provocado para conceder, pela primeira vez no processo, algum bem da vida.

Poderia soar estranho, como sendo um caso de supressão de jurisdicional de instância. Ora, o tribunal poderia prover, ou melhor, analisar um pedido sequer analisado pelo órgão inferior, sequer tendo oposto embargos de declaração dessa decisão?

E a resposta revela-se afirmativa. Caso o juiz, ao proferir decisão interlocutória ou sentença, não provendo o desprovendo determinado pedido, mas omitindo-se no julgamento, é permitido ao tribunal a sua análise por meio do efeito devolutivo dos recursos, atribuindo-se efeito ativo antecipado recursal.

E mais, o pedido de tutela provisória perante tribunais pode ser requerido na forma antecedente.6

Em suma, conclui-se que os tribunais possuem a competência para a análise das tutelas provisórias, tanto quando elas são requeridas no próprio corpo do recurso, quanto na modalidade antecedente, quando a urgência se faz presente.

Para isso, basicamente, há de ter sido inaugurada a instância do tribunal, em outras palavras, aberta a sua porta de entrada.7

Com relação ao modo de se requerer a tutela provisória nos tribunais, pode ser feito no corpo do recurso interposto, ou por meio de petição, em simples petição avulsa a eles dirigida, não se esquecendo de interpor o recurso adequado dentro do prazo, independentemente do pedido de tutela recursal antecedente, para se evitar o trânsito em julgado da decisão recorrida.

Pois a simples interposição do pedido antecedente de tutela provisória recursal não faz as vezes de recurso.

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1 Art. 7° da Lei do Mandado de Segurança.

2 Art. 300 do Código de Processo Civil.

3 Art. 300, parágrafo 3° do Código de Processo Civil.

4 Art. 311 do Código de Processo Civil.

5 Art. 969 do Código de Processo Civil.

6 DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13ª ed. reform. Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 45.

7 Art. 1.029, parágrafo 5°, do Código de Processo Civil.

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira
Advogado e sócio do escritório Maraui & Moraes Oliveira Advogados, pós-graduado (especialista) em direito processual civil pelo IDP e pela ESMA-DF. Cursando do LLM em processo civil pelo IDP.

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