Na jurisprudência trabalhista é sabido o entendimento sedimentado no Tribunal Superior do Trabalho (TST) de que está sujeito a risco acentuado, no ambiente laboral, o motorista de veículo que contenha um tanque de combustível original e um suplementar, com capacidade, juntos, superior a 200 litros, equiparando a situação ao transporte de inflamáveis, previsto no art. 193, inciso I, da CLT, onde seria cabível o pagamento de adicional de periculosidade previsto no §1º do citado dispositivo legal.
O artigo 193 da CLT é taxativo quanto às possibilidades de configuração de periculosidade no ambiente de trabalho, em virtude da exposição permanente do trabalhador a inflamáveis, ou explosivos, a energia elétrica, a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. Inclusive, o mesmo artigo, em seu caput, dispõe que tais atividades são consideradas perigosas de acordo com a Norma Técnica regulamentadora aprovada pelo antigo Ministério do Trabalho e Emprego.
Para o caso de exposição a inflamáveis, a Norma Técnica que regulamenta as atividades laborais em tais condições é a NR-16, aprovada pela Portaria nº 3214, de 08 de junho de 1978, a qual no item 16.6, define que ‘as operações de transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos, em quaisquer vasilhames e a granel, são consideradas em condições de periculosidade, com exclusão para o transporte em pequenas quantidades, até o limite de 200 (duzentos) litros para os inflamáveis líquidos’.
É nesse sentido que o Colendo Tribunal Superior do Trabalho entende que na condução de veículos com dois tanques de combustível, um original e outro suplementar, com capacidade igual ou superior a 200 litros, o motorista está sujeito a risco acentuado em condição equiparada ao transporte de inflamáveis, com base no limite de capacidade disposto na NR-16, tendo direito à percepção de adicional de periculosidade.
Ocorre que a mesma NR-16, no subitem 16.6.1, existe a previsão de que não são consideradas, para enquadramento em risco acentuado, as quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de consumo próprio dos veículos, como é o caso de tanques de combustíveis contidos em veículos que são conduzidos por motoristas que operam no transporte de diversos produtos a serviço de empresas distribuidoras, de logística e de transporte de cargas, ressalvado o transporte de produtos inflamáveis.
Para esclarecer, entende-se que no transporte de inflamáveis, a finalidade da atividade do motorista é justamente transportar o líquido inflamável, que certamente será em quantidade superior a 200 litros e trará riscos ao trabalhador, na forma que dispõe a NR-16, no item 16.6. Contudo, os dois tanques de combustíveis contidos em caminhões ou veículos de grande porte, dirigidos por motoristas para transporte de outros produtos, quando utilizados para consumo do próprio veículo, nitidamente não se enquadra em situação de periculosidade, na forma que excepciona a mesma NR-16, no subitem 16.6.1.
A problemática gira em torno do fato de que a Corte Superior Trabalhista adota o entendimento pacificado de que na condução de veículo com tanque original, acrescido de tanque suplementar (acoplado ou original de fábrica), com capacidade igual ou superior a 200 litros, existe risco acentuado, em equiparação ao transporte de inflamáveis. O TST assim o faz em atenção à NR-16, item 16.6 e supera o entendimento técnico da própria NR-16, no subitem 16.6.1, que excepciona exatamente a condição ora descrita, excluindo o adicional de periculosidade quando o combustível for para consumo do próprio veículo.
Ressalta-se que o referido entendimento sequer é referendado por conclusões técnicas periciais produzidas nos processos, com fulcro no art. 195 da CLT, uma vez que na maioria dos casos, os laudos periciais confirmam a situação de excepcionalidade à configuração de adicional de periculosidade, com base no subitem 16.6.1 da NR-16, sendo então, a decisão do TST não adstrita à conclusão pericial.
Como era esperado, o entendimento do Tribunal Superior passou então a ser propagado e adotado pelos juízos de base, bem como pelos Tribunais Regionais do Trabalho, a ponto das fundamentações sentenciais e de Acórdãos, muitas vezes se limitarem a adotar o entendimento do TST, ignorando a conclusão pericial e sem realizar aprofundamento na análise da matéria, com base na própria NR-16, fundamentada pelo Tribunal Superior.
Pela lógica de apreciação do tema, se o próprio Tribunal Superior do Trabalho entendeu por analisar a situação de periculosidade a partir do que prevê o item 16.6 da NR-16, os juízos de primeira e segunda instâncias certamente poderiam apreciar a situação específica à exceção prevista no subitem 16.6.1 da NR-16, mas assim não o fazem, optando por apenas replicar o entendimento do TST, até mesmo de maneira contraditória, quando os dois posicionamentos são fundamentados na mesma norma técnica, estritamente interpretada pelos julgadores quanto à aplicação do adicional de periculosidade, enquanto existe nítida exceção quanto ao caso específico.
A situação tomou contornos problemáticos a ponto da NR-16 precisar ser alterada em dezembro de 2019, por meio da Portaria 1.357 de 09 de dezembro de 2019, que acrescenta o item 16.6.1.1, que dispõe: “Não se aplica o item 16.6 às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustível originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente”. É possível facilmente observar, com a recente alteração da NR-16, que a norma técnica deixa ainda mais claro que se os tanques de combustíveis (original e suplementar), destinarem-se ao consumo do próprio veículo, não será equiparado ao transporte de inflamáveis disposto no item 16.6, independentemente da quantidade de inflamável. Logo, não incidirá adicional de periculosidade.
O referido subitem veio a superar o entendimento do TST, uma vez que explicita de forma técnica a impossibilidade de adoção da equiparação ao transporte de inflamáveis e afasta totalmente a aplicação do adicional de periculosidade. Tem-se que, a alteração na norma trouxe o esclarecimento de qualquer resquício de dúvida ou má interpretação da exceção já prevista no subitem 16.6.1, uma vez que esta previa a não incidência da periculosidade, afastando-se de forma clara a equiparação a transporte de inflamáveis.
Após incansáveis tentativas de demonstrar o entendimento equivocado, sem que houvesse a análise das provas periciais, acirrados debates e defesas robustas, o escritório Meireles e Freitas Advogados Associados alcançou a brilhante decisão junto ao juízo de base da 4ª Vara do Trabalho de São Luís /MA, proferida nos autos do processo 0017047-71.2021.5.16.0004, onde foi aplicada, em maio de 2022, a exceção prevista no subitem 16.6.1.1 da NR-16, tanto no processo citado, como em outros da região; demonstrando-se assim a vanguardista sentença e significativa alteração no trajeto de entendimento e apreciação sobre o assunto.
Espera-se, portanto, a mudança de entendimento do TST quanto ao tema, pois a Corte Superior baseia-se tão somente na NR-16, item 16.6, enqanto que, atualmente, tem-se subitem que vai totalmente contra a análise equivocada da norma técnica. Em que pese já preexistir ilegalidade quanto a não adoção da conclusão técnica, com base no art. 195 da CLT. É esperado, assim, que o TST passe a seguir fielmente o que diz a NR-16 quanto à exceção de tanques de combustíveis para consumo próprio, com base no art. 193 da CLT, com a apreciação da distinção do entendimento anterior com a atual legislação vigente.
Inclusive, desde já, se critica eventual modulação de incidência de periculosidade até 08 de dezembro de 2019, quando sobreveio o item 16.6.1.1 da NR-16, uma vez que o referido dispositivo técnico trouxe uma distinção quanto ao entendimento do TST, mas não trouxe situação jurídica nova, uma vez que o item 16.6.1 já previa a exceção ora debatida.
De toda forma, a luta pela mudança de entendimento é diária e incessante pelos setores empresariais atingidos, mormente que o impacto financeiro e social da incidência de periculosidade aos motoristas é imensurável, além de estar baseado em entendimento contraditório, inconstitucional e ilegal replicado pelos demais juízos, sem qualquer critério lógico ou de análise em profundo da matéria discutida, causando assim insegurança jurídica às partes envolvidas e carecendo de mudança de panorama.