Negar o dever de transparência é
escancarar as portas para a prática das mais gravosas condutas de corrupção.
Na Administração Pública, o que não pode ser visto,
via de regra, não pode ser praticado1”.
Ismar dos Santos Viana
(Presidente da ANTC
Ass. Nac. dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil)
"Não basta que se faça justiça:
É preciso que se veja que está sendo feita justiça2"
José Carlos Barbosa Moreira
Ainda há quem insista na ideia de que se revela razoável imprimir sigilo a processos judiciais criminais que apuram crimes contra a administração pública - leia-se, com maior ênfase - aqueles atinentes aos crimes de corrupção de agentes públicos descritos e tipificados nos art. 317 e 333 do CP vigente.
Na mesma linha de raciocínio, há quem defenda também sigilo e reserva de informações nos processos de natureza civil que apuram atos de improbidade administrativa perpetrados com a participação ou o protagonismo de agentes públicos, descritos na Lei 8.429/92, com as alterações recentemente impostas pela lei 14.230/21. Mereceria um artigo à parte discutir os danos irreparáveis à tutela do interesse público, à escorreita aplicação de recursos do erário e à adequada aplicação da lei decorrentes da novel legislação, mas esse tema refoge aos propósitos impostos ao presente artigo.
Diante de tais considerações, urge nos debrucemos sobre a noção de sigilo e sobre os propósitos que estariam a justificar sua imposição, no curso de processos judiciais, ou seja, antes da incidência do trânsito em julgado de sentença condenatória - tanto na esfera civil quanto penal - nesta última com ainda maior ênfase, em face da presunção de não culpabilidade insculpida no art. 5o, inc LVII da Magna Carta.
Pois bem. A ideia de sigilo, na seara jurídico-constitucional, reclama sopesamento com a noção de publicidade, imanente a tudo quanto se refira à coisa pública, eis que o cidadão possui o ônus e a prerrogativa de acompanhar os meandros afetos ao investimento e adequada utilização de recursos públicos, advindos sobretudo dos tributos por ele pagos, em face do desempenho de suas atividades ordinárias e que haveriam de se prestar à aplicação, prioritariamente, em áreas essenciais à garantia do exercício dos direitos fundamentais dos administrados, sobretudo daqueles que não podem prescindir dos serviços públicos para o usufruto de valores prioritários como a saúde, educação, alimentação, moradia, dentre outros com viés de essencialidade.
A esse propósito, socorremo-nos do princípio da publicidade insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal, que estampa o enunciado seguinte: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e...”.
Como é de se supor, tal princípio esbarra em limitações impostas, justamente, pelo próprio interesse público imbricado em sua raiz, além de interesses privados ou de cunho privatístico cuja tutela também merece amparo por parte do poder público, nos termos descritos no próprio texto constitucional. Em relação aos processos e julgamentos no âmbito do Judiciário, as regras são as seguintes:
Art. 93, inc. IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação (destaques nossos).
O texto é claro no sentido de que somente se há de admitir ressalvas ao princípio da publicidade nos julgamentos prolatados pelo Poder Judiciário quando este mesmo direito público à informação ou o princípio da publicidade não restem comprometidos por quaisquer argumentos que se socorram da prevalência do direito à intimidade do interessado – consubstanciado na decretação de sigilo, no caso concreto - passível de proteção.
- Confira íntegra do artigo.
______
1 Disponível em https://www.antcbrasil.org.br/comunicacao/entrevistas/1217-entrevista-do-presidente-da-antc-ismar-viana-ao-portal-de-noticias-jl-politica.
2 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A justiça no limiar do novo século. In: Revista Forense. n° 312. Rio de Janeiro: Forense, 1992.