Mais um termo em inglês para o repertório do Advogado? Sim, LifeLong Learning é uma prática que está crescendo em todas as áreas da sociedade, e no Direito ela é muito mais relevante. Não só pela tradição da especialização contínua, muito engendrada entre os juristas, mas também pela necessidade de aprimoramento constante diante das tantas novidades nas áreas de atuação jurídica.
Direito 4.0 já não é mais uma novidade. Seu conceito está muito bem explicado em diversos artigos, vídeos, podcasts, webinars, palestras, livros e cursos. Tanto pagos quanto gratuitos. Então não pense que se trata de uma buzzword para vender conteúdo em todas essas modalidades. O assunto é real pois está amparado em conceitos, métodos e tecnologias de âmbito maior, reunidos sob o rótulo de Transformação Digital.
O Direito, como disciplina e profissão conservadora, conseguiu se manter blindado das revoluções tecnológicas por muitos séculos. No entanto estamos diante do início de uma nova Era onde justamente o Direito tem um papel fundamental de organizar e regular tantos novos conceitos e práticas.
Transformação Digital está modificando o mundo que conhecemos
Transformação Digital é um processo contínuo de métodos planejados e ações estruturantes para mudar a cultura, ampliar canais, adotar tecnologias e automatizar tarefas a fim de adequar o modelo de negócio da banca à realidade atual que mescla os mundos físico e digital em uma dinâmica singular.
Esse processo de digitalização do escritório de advocacia passa por mudar as estruturas tácitas e formais usando ferramentas digitais e mudanças culturais com a premissa de melhorar ou substituir o que existia antes. O resultado dessa jornada é melhorar o desempenho de negócios, otimizar a experiência do cliente e garantir melhores resultados.
A Transformação Digital é uma causa inexorável das megatendências que estão ocorrendo em todas as esferas da sociedade e modificando-a severamente. O conjunto de grandes mudanças na comunicação, informação, educação, comércio, trabalho e entretenimento afeta a todos os segmentos profissionais inconteste.
Era da Informação e aumento da expectativa de vida
Os historiadores dividiram as fases da Revolução Industrial segundo critérios que avaliavam as matrizes energéticas e as tecnologias dominantes, entre outros. A informatização típica da terceira fase foi o fator propulsor da digitalização, característica preponderante da Quarta Revolução Industrial. Se a informatização da terceira fase inaugurou a Era da Informação, a internet dessa quarta a potencializou.
Com isso vivemos um período da história nunca antes imaginado, onde todo e qualquer indivíduo pode publicar e compartilhar conteúdo com o mundo. Atualmente, em um mês se produz mais informação do que em toda a história da humanidade até o fim do século XX.
Concomitante a esse salto tecnológico nas comunicações, também houve uma significativa evolução na medicina. Um aumento expressivo na expectativa média de vida foi conquistado graças a fatores como tratamentos inovadores, remédios mais eficazes e a conscientização da prevenção de doenças através de uma vida saudável.
A combinação desses dois fatos – Era da Informação e aumento da expectativa de vida – provoca mudanças de paradigmas em áreas tradicionalmente sedimentadas. Até meados do século XX considerava-se que a conclusão do ensino superior encerrava os estudos na vida do cidadão. Considerando que a expectativa de vida nessa época não ultrapassava muito os cinquenta anos, entendia-se que o indivíduo com idade de 25 já estava na metade de sua existência, portanto não fazia sentido continuar estudando. Até porque também não existiam tantas fontes e acessos para isso.
Era Digital e LifeLong Learning
Ainda que a situação socioeconômica fosse melhorando gradativamente, aquela mentalidade de encerrar os estudos aos vinte e poucos anos perseverou solidamente até o final do século XX. No entanto as tecnologias que estavam nascendo iriam jogar essa crença por terra.
A internet não só permitiu a comunicação à distância, como agregou diversas outras possibilidades. De um lado ela proporcionou acesso a milhões de livros, cursos e conteúdos informativos antes distantes e impossíveis fisicamente. De outro lado a disponibilidade de banda larga e o barateamento de tecnologias fomentou o compartilhamento de mais e mais ativos educacionais.
Some-se essa disponibilidade ao fato que agora a idade de 50 anos é apenas a metade da vida. Dessa forma as pessoas vão trabalhar por mais tempo. E as informações e conhecimentos sobre todo e qualquer tipo de trabalho estão ganhando profundidade. Por tudo isso nasceu um novo conceito.
LifeLong Learning significa aprendizagem flexível, autônoma, diversificada e disponível em diferentes tempos e lugares ao longo da vida. É uma busca contínua, voluntária e automotivada pela atualização do conhecimento, seja em âmbito profissional, acadêmico ou pessoal.
Habilidades de Advogadas e Advogados 4.0
A jornada para se tornar um Advogado 4.0 passa por muitas habilidades técnicas envolvendo tecnologias de digitalização e processos de automação, fora aquelas já aprendidas na graduação formal. Porém não se resume a essa vertente. As habilidades psicológicas também compõe esse perfil. São muitas as Soft Skills inerentes ao Advogado do Futuro, tais como mentalidade digital, criatividade, inovação, interdisciplinaridade, liderança. Entre essas habilidades emocionais, certamente se enquadra o interesse pelo aprendizado de longo prazo.
Ainda que este seja um desafio para profissionais de quase todas as áreas, no Direito a barreira é culturalmente mais baixa. Isso porque tradicionalmente os advogados em geral já tem por hábito se manterem informados acerca de novas jurisprudências, súmulas, decisões e legislações. Contribui ainda nesse hábito as atuações verticais em áreas específicas do Direito, proporcionadas por pós graduações, cursos de especialização e MBAs.
Nesse sentido o LifeLong Learning chega ao meio jurídico não como um novo conceito artificial a ser adotado, mas como um conjunto orgânico de práticas e métodos a serem incorporados ao hábito do aprendizado contínuo. O único perigo é que o grande volume de informações disponíveis pode se configurar como um fator paralisante.
Economia da Atenção e curadoria de informação
Se por um lado a Era da Informação nos presenteou com conhecimento quase infinito na palma da mão, por outro lado trouxe consigo a dificuldade em acompanhar esse volume inconcebível de dados. De acordo com Herbert Simon: “… em um mundo rico de informações, a riqueza de informações significa a escassez de algo mais: a escassez do que quer que seja que a informação consome. O que ela consome é bem óbvio: a atenção de seus recipientes. Assim, uma riqueza de informação cria uma pobreza de atenção.”.
Sem dúvida a atenção do público se tornou a “moeda” de maior valor nos dias de hoje. Thomas H. Davenport, no livro “Attention Economy”, aborda este tema com bastante profundidade e orientado por estudos de casos e pesquisas científicas. Um dos pontos defendidos nesta obra é que o enorme volume de informação disponível somado à falta de tempo das pessoas faz com que o desafio de gerenciar a atenção seja uma atividade determinante para o sucesso no atual cenário.
O dilema para todos se desenha então na dose equilibrada sobre “o que” e “o quanto” usufruir do volume de informação disponível. Daí entra em cena o conceito de curadoria de informação. E o significado é literalmente selecionar cuidadosamente o que se vai consumir do conteúdo disponível em tantos canais digitais que vão desde os portais de notícias até as redes sociais.
Não valorizar esse cuidado no dia a dia pode levar desde a problemas de produtividade no trabalho quanto a transtornos psicológicos derivados da ansiedade e estresse como o FOMO – Fear Of Missin Out – em uma tradução livre seria o medo de ficar por fora das novidades. Dessa forma, aprender a escolher criteriosamente suas fontes de informação, bem como regular o tempo dispendido a elas, se torna uma boa prática de saúde psicológica e profissional.
Jornada de aprendizado ao longo da vida
Da mesma forma que selecionar as fontes de informação garante a qualidade da atualização cotidiana, planejar o aprendizado ao longo da vida garante uma capacitação mais consistente e orientada a resultados práticos.
A imensa variedade de material disponível faz com que muitas pessoas se lancem em um curso ou livro após outro sem nunca aplicar aquele conhecimento na prática. Esse deslumbramento com tanto conteúdo é inevitável. Por isso a necessidade premente de planejar cuidadosamente o aprendizado de longo prazo. O LifeLong Learning precisa ter objetivos e estratégias para conduzir ao sucesso.
No meio jurídico essa diretriz pode ser alinhada com as especializações referentes às áreas de atuação. Mais do que se prender nas verticais do Direito, o advogado pode buscar conhecimentos paralelos que incrementem seu foco de atuação. Muitas das tecnologias transformadoras que se encontram em ação modificando todos os setores da sociedade possuem alguma implicação direta com a advocacia. Tome como exemplo o blockchain que tem aplicações tão vastas que pode ser analisado sob diversas áreas do Direito.
Além da relevância do aprendizado continuado com a especialização de carreira escolhida, é importante que todo novo conteúdo assimilado seja rápida e facilmente aplicável. O conhecimento colocado em prática se torna experiência e fixa a memória de longo prazo.
As novidades em tecnologias e mudanças sociais não vão parar. Sendo uma atividade horizontal a todos os setores da sociedade, o Direito precisa estar antenado a todos eles. O Advogado 4.0 enquanto agente dessa transformação sempre vai se beneficiar com o LifeLong Learning.