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A insegurança jurídica e a prescrição nos Tribunais de Contas

A problemática aponta para a necessidade de unificação de conceitos e procedimentos. Haja vista a ausência de codificação processual comum.

21/9/2022

A prescrição nos Tribunais de Contas não é e nunca foi um tema de fácil compreensão em função das peculiaridades dos órgãos de controle externo. Nesse sentido, a busca por um parâmetro razoável para estabilização das relações jurídicas envolvendo gastos públicos ainda desperta importantes discussões que impactam diretamente aqueles que integram ou atuam com a Administração Pública no país.

A ausência de um entendimento unificado acerca da aplicação da prescrição punitiva e ressarcitória no âmbito dos Tribunais de Contas promove a coexistência de soluções opostas para situações análogas, ao custo da segurança jurídica. Em função disso, o que se observa no Brasil é que, a depender do local de atuação de um gestor público ou de celebração de um determinando contrato, uma mesma situação pode receber tratamentos jurídicos completamente diferentes no que diz respeito ao reconhecimento da prescrição pelas Cortes de Contas.

Tal problemática pode ser mais bem compreendida à luz de duas questões principais que despontam como causas da dificuldade em questão: a ausência de unificação do procedimento adotado no âmbito do controle externo realizado pelos Tribunais de Contas e a dissonância dos entendimentos aplicados por cada uma das Cortes.

Cada um dos trinta e três Tribunais de Contas possui um Regimento Interno próprio, pautado por regramentos de controle específicos, esparsos e, muitas vezes, sem profundidade ou correspondência entre si. Do mesmo modo, cada Estado tem competência constitucional para dispor sobre processo administrativo, e uma Lei nacional não poderia resolver esse problema – entendimento inclusive já pronunciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.019).

No entanto, é inegável que a profusão de normas distintas implica diversidade de procedimentos e, por conseguinte, em redução da previsibilidade – tão cara ao princípio da segurança jurídica. Apesar disso, em específico quanto à prescrição da ação dos Tribunais de Contas, o que se encontra é um silêncio legal na maioria dos Estados.

Aplicação da prescrição

Diante da falta de unificação do procedimento de controle e frente à lacuna legislativa sobre a prescrição, como aplicá-la perante os Tribunais de Contas? Divergem as instâncias administrativa e judicial.

No STF, o tema está pacificado, tendo a corte entendido pela aplicação da prescrição quinquenal das pretensões de ressarcimento e sancionatória das Cortes de Contas.

Já no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), prevalece entendimento diverso. O Tribunal reiteradamente ratifica em suas decisões a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário, bem como a aplicação da prescrição decenal para a pretensão punitiva, em oposição ao que preconiza o STF.

Essa divergência provoca insegurança jurídica grave, já que a prescrição é, justamente, o fator

que estabiliza as relações. Em função disso, na prática o que se observa é que o posicionamento do TCU acaba sendo corrigido pela apreciação judicial. Isto é, pela não aplicação do entendimento do STF, frequentemente teremos a submissão de decisões proferidas pelo TCU por ato praticado há mais de 5 anos à revisão do Poder Judiciário, cujo juízo, por sua vez, será vinculado à jurisprudência da Corte Constitucional. O resultado assim retificado, porém, revela a disfuncionalidade de um órgão fundamental como o TCU persistir em desconsiderar o entendimento da Corte Constitucional a respeito de qualquer tema, notadamente este da prescrição.

Nos Estados

Noutro lado, os Tribunais de Contas também divergem entre si. O TCE/RJ reconhece a prescrição, mas condiciona sua aplicação à data do ato: se praticado antes de 2014, conta-se a prescrição a partir do conhecimento dos fatos pelo Tribunal; se posterior àquele ano, aplica-se dispositivo da Constituição Estadual que prevê o prazo de cinco anos, contados a partir do término do exercício seguinte àquele em que as contas forem apresentadas.

Já o Plenário do TCE/SP, no âmbito de estudo sobre as implicações da interpretação do STF sobre a aplicação da lei Federal 9.873/99 aos Tribunais de Contas (processo SEI 18068/2021-88), recentemente deliberou pelo não reconhecimento da prescrição da pretensão sancionatória e ressarcitória da Corte de Contas paulista.

O TCE/MG, por sua vez, reconhece a prescrição punitiva e ressarcitória contados a partir da data de ocorrência do fato, com base em sua lei Orgânica.

Ou seja, por conta da ausência de sintonia entre os diferentes Tribunais de Contas, a depender do ente público contratante ou do local de atuação do gestor cujas contas estão sob apreciação, a fiscalização exercida pela Corte competente será diferente, podendo nem mesmo ocorrer. O jurisdicionado se vê, portanto, constrangido a conhecer e adequar sua estratégia de defesa às particularidades da orientação de cada Tribunal. Veja-se: não há um padrão processual; forma-se um modelo em cada Tribunal. E não há qualquer benefício que nasça disso, apenas o desalinhamento do controle, que dependerá não de um consenso fiscalizatório, mas da competência territorial da análise do ato.

A problemática aponta para a necessidade de unificação de conceitos e procedimentos. Haja vista a ausência de codificação processual comum, a solução se mostra única: a submissão de todos os Tribunais ao entendimento da Corte Constitucional, cuja preponderância é inevitável pela inafastabilidade de apreciação judicial. O desalinho sobre a prescrição implica insegurança jurídica que poderia já ter sido solucionada.

Carine de Oliveira Dantas
Advogada no escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques - Sociedade de Advogados.

Joyce Lima Santos
Advogada no escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

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