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Dano moral e verbas de sucumbência – Uma pequena, mas importante, alteração legislativa

Sob o pretexto de evitar uma locupletação por parte daquele que propõe a demanda, isto é, a vítima, nossos Magistrados têm fixado indenizações que tornam-se, na verdade, uma segunda ofensa ao autor da ação.

20/9/2022

Há mais de 20 anos escrevemos, damos aula e palestramos  sobre a necessidade – urgente – da elevação dos parâmetros indenizatórios em ações de Danos Morais punitivos.

Com efeito, o nome punitive damage, que se dá a este tipo de dano/responsabilidade civil nos Direitos Inglês e Americano não é por acaso: o principal vetor deste tipo de indenização deve ser o de punir o agressor como forma de dissuadi-lo de novos e iguais atentados.

Infelizmente, no Direito Brasileiro em específico (e podemos estender este problema aos sistemas romano-germânicos, de forma geral) empacou na questão do enriquecimento sem causa.

Sob o pretexto de evitar uma locupletação por parte daquele que propõe a demanda, isto é, a vítima, nossos Magistrados têm fixado indenizações que tornam-se, na verdade, uma segunda ofensa ao autor da ação.

Isso quando lançam mão do argumento, da pérola jurídica, do “mero aborrecimento da vida diária” e negam qualquer espécie de indenização, mesmo reconhecendo o ato ilícito, e ainda condenam os autores, isto é, as vítimas, em pagamento de verbas sucumbenciais.

Verdadeira negação da Justiça.

Foi notícia1, há poucos dias no  site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que o Banco Pan fora condenado em danos morais de R$ 15.000,00, pela Colenda 22ª Câmara de Direito Privado, por conta de empréstimo fraudulento.

Em que pese o avanço do caso paradigma que apontamos, entendemos que o valor da indenização é insuficiente para que seja cumprido o caráter punitivo da indenização.

APENAS 22 MINUTOS

Uma forma eficiente de calcularmos se o montante fixado, a título de indenização, atende ou não o caráter sancionatório é calcularmos “quanto tempo do lucro da empresa corresponde a indenização fixada”.

Pois bem, segundo a Revista Exame2, no ano de 2021 o Banco Pan apresentou um lucro líquido de R$ 364.510.000,00 (trezentos e sessenta e quatro milhões e quinhentos e dez mil reais). Calculando-se o número de segundos que tem em um ano (3,16 x 106) e quanto vale o lucro do Banco Pan, por segundo, chegamos à conclusão de que o valor de R$ 15.000,00 fixado pela 22ª Câmara de Direito Privado corresponde a 21,65 (=~ 22) minutos.

Por outra, uma indenização (em razão de um ato ilícito grave) corresponde a meros 22 minutos de lucro do Banco.

Tem-se, por aí, a insuficiência deste parâmetro indenizatório, ainda mais se considerarmos que o valor proposto naquele venerando aresto é uma exceção à regra. Tanto assim o é, que se pesquisarmos os campos “Dano Moral + Banco Pan” no site do TJSP e refinarmos a pesquisa apenas para a 22ª Câmara de Direito Privado, encontraremos, apenas naquela Câmara, 620 processos.

O PARADOXO DO SERIAL KILLER

Claro que alguém poderia nos refutar arguindo que a quantidade global de processos que sofre o Banco faria com que aquela indenização não fosse inadequada. Mais que isso, se aplicarmos esta linha de raciocínio, poderíamos até mesmo dizer que este “quantum indenizatório” mostra-se, até mesmo elevado.

Com o devido respeito, este argumento não nos convence. Seria o mesmo que ao sentenciar um serial killer, o Magistrado, na hora da dosimetria da pena, reduzisse o tamanho da pena em razão direta do número de pessoas assassinadas, logo, quanto mais pessoas houvesse matado, nosso – hipotético – serial killer teria mais benefícios em relação a um homicida simples.

DA NECESSIDADE DA ELEVAÇÃO DAS INDENIZAÇÕES E A QUESTÃO DA SUCUMBÊNCIA

Assim, temos que é para ontem que o Poder Judiciário precisa começar a rever, quiçá decuplicar o valor das indenizações fixada. Ora, se requeridos contumazes não se importam com indenizações que orbitam entre R$ 5.000,00 e R$ 15.000,00; que tal se as mesmas começarem a ser fixadas em 10 vezes este valor?

É algo a se pensar, ocorre que esta é uma decisão que perpassa pelo Advogado e seu cliente. Ocorre que se requerermos R$ 150.000,00 de danos morais e o magistrado, mesmo reconhecendo o ato ilícito, negar a indenização, o cliente, isto é, a vítima, será condenado a uma verba sucumbencial de algo entre R$ 15.000,00 e R$ 30.000,00.

Não nos parece muito adequado.

O Princípio da Causalidade poderia nos responder esta questão e determinar que aquele que deu causa à demanda, ainda que não tenha havido condenação, arque com as verbas indenizatórias, as quais, neste caso, deveriam seguir os moldes do artigo 85, parágrafo 8º-A do Código de Processo Civil.

Contudo, para que não venhamos a depender do entendimento jurisprudencial, sugerimos, ao fim deste texto, uma reforma legislativa que agregue o parágrafo 8º-B ao artigo 85 do Código de Processo Civil, o qual passaria a ter a seguinte redação (texto proposto em itálico):

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

(...)

§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

§ 8º-A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior. (Incluído pela lei 14.365, de 2022)

§8º-B. Nas hipóteses, em ações de reparação de danos, em que se reconhecer a existência do ato ilícito, mas for negada a indenização, desde que não prescrito o Direito, quando da propositura da ação,  o Magistrado determinará que aquele que haja cometido o ato ilícito arque com as verbas sucumbenciais, as quais deverão, necessariamente, observar os parâmetros do parágrafo 8º-A deste artigo.

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1 https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=85630&pagina=1

2 https://exame.com/invest/mercados/banco-pan-bpan4-queda-lucro-2t22/

Paulo Antonio Papini
Advogado em São Paulo. Mestre e Doutorando pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado em Processo Civil. Especialista em Direito Imobiliário. Professor na ESA/UNIARARAS e ESD-Campinas.

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