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Decisão recente do STJ de que a GCM não têm poder de polícia

A decisão do Ministro Rogerio Schietti está pautada em premissas que se mostram completamente equivocadas, uma vez que a subordinação das guardas ao prefeito não constitui qualquer fragilidade ou insegurança, ao revés, apenas concentra e facilita a responsabilização da conduta dos agentes à Municipalidade.

9/9/2022

Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de um recurso interposto por um réu acusado de tráfico de drogas, em voto proferido pelo ministro Rogerio Schietti, decidiu que as Guardas Civis Municipais (GCM) não têm poder de polícia e, assim, não podem realizar revistas, devendo limitar sua atuação à proteção de bens, serviços e prédios públicos municipais.

Segundo o relator, “autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo” geraria uma situação “caótica”.

Todavia, em que pese o entendimento do ministro, sua decisão se baseia em premissas, salvo melhor juízo, equivocadas e que, em último caso, apenas desprestigiam uma corporação que tem prestado valorosa contribuição à manutenção da ordem pública. 

Com efeito, desde 1889 (data da Proclamação da República), o Brasil adotou o federalismo, ou seja, trata-se de um país formado pela união de vários Estados e municípios, os quais possuem autonomia política e administrativa, dispondo de órgãos próprios para o exercício de suas funções essenciais.

Assim, ao contrário do que restou decidido pela Corte Superior, uma guarda subordinada ao prefeito, a mais alta autoridade do executivo municipal eleita diretamente pelo povo, não implica qualquer situação de descontrole ou de caos, até porque, como agentes públicos, todos os guardas estão obrigados a agir na mais estrita legalidade, de modo que qualquer abuso pode e deve ser coibido pela autoridade imediata (Prefeito), pelos órgãos jurisdicionais e demais instituições que integram a Justiça (Ministério Público, Defensorias e Advocacia), no uso regular de suas atribuições. 

Esta conclusão afasta, ainda, a segunda premissa de que inexistiria um “controle externo”, afinal, qualquer conduta ilícita praticada pelos agentes da guarda civil metropolitana é passível de ser coibida pela Justiça.

A título de exemplo, em decisão recente, proferida nos autos da ação civil pública 2206514-19.2021.8.26.00001, a 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob a relatoria da desembargadora Flora Maria Nesi Tossi Silva, determinou-se que a Municipalidade coibisse eventuais excessos praticados pela GCM em operações realizadas na área da denominada “Cracolândia”.

Nesta decisão, destaque-se, a Corte Paulista exerceu controle externo sob a atuação da Guarda, sem, contudo, afastar seu papel como força de segurança pública.

Como bem destacado naquele decisum, de acordo com entendimento firmado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, na ADC 38, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, ainda que com as especificidades atinentes ao disposto no art. 144, §8º, da Constituição Federal, a GCM atua como força de segurança pública, motivo pelo qual está autorizada a portar arma de fogo, independente do tamanho da população municipal.

Este entendimento está em consonância com o previsto no art. 5, incisos III, IV, V, XIII e XVI da lei Federal 13.022/14, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais:

“Art. 5. São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:

(...)

III - atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais;

IV - colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social;

V - colaborar com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem, atentando para o respeito aos direitos fundamentais das pessoas;

(...)

XIII - garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-las direta e imediatamente quando deparar-se com elas;

(...)

XVI - desenvolver ações de prevenção primária à violência, isoladamente ou em conjunto com os demais órgãos da própria municipalidade, de outros Municípios ou das esferas estadual e federal”. 

Neste ponto, a propósito, observe-se que as guardas civis metropolitanas desempenham um papel fundamental na Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e no Sistema Único de Segurança Pública, criado pela lei 13.675/18 com “a finalidade de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio de atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública e defesa social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em articulação com a sociedade” (art. 1 da mencionada legislação).

E, de acordo com o art. 9, §2º, inciso VII, da lei 13.675/18, as guardas municipais são integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública, o que reforça a imprescindibilidade de sua atuação como órgão de segurança e, assim, a possibilidade de adoção de todas as medidas inerentes a tal função, dentre as quais, de realizar revistas pessoais e proceder à condução dos detidos à autoridade competente.

Tudo isto revela que a recente decisão do Ministro Rogerio Schietti distancia-se do interesse público e do ordenamento jurídico, quando externa que a GCM deve limitar a sua atuação apenas à proteção de bens, serviços e prédios públicos.

Essa posição, além de representar um retrocesso no reconhecimento das guardas civis metropolitanas como órgãos de segurança, reinvindicação legítima que, inclusive, já deu origem a duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC 534/02 e PEC 275/16 - conforme abordado no artigo "A importância das Guardas Municipais no sistema de segurança pública e a omissão constitucionaltambém contraria posição recente adotada pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, nos autos do AgRg no HC 597.923.

Naquele julgamento, a Sexta Turma, sob a relatoria do Ministro Nefi Cordeiro, entendeu pela legalidade da revista pessoal executada por guardas municipais, desde que presente a necessária justa causa definida no art. 240, §2º, do CPP.

Assim, de acordo com aquela acertada decisão: “configurada a situação de flagrância, com a demonstração de fundada suspeita, não se verifica ilegalidade na realização de abordagem pessoal por guardas municipais que estavam em patrulhamento com cães farejadores, encontrando drogas com o paciente e nas proximidades do local do flagrante, pois o acusado informou que estava usando drogas no momento em que foi abordado”.

Aliás, o art. 302 do CPP vem em reforço aa essa posição!

Assim, relegar aos guardas civis metropolitanos a condição de meros guardiões de bens públicos municipais, sem a possibilidade de atuar de forma mais efetiva na segurança pública, ou seja, totalmente alheios ao combate à criminalidade, não contribui para uma sociedade mais pacífica ou menos “caótica”, ao contrário, serviria apenas para potencializar uma ausência de agentes públicos em um setor que já sofre, drasticamente, com a falta de efetivos e de investimentos adequados.

Inegável a importância das guardas civis metropolitanas para a execução de políticas públicas de segurança, tanto assim que elas foram incluídas como integrantes do Sistema Único de Segurança Pública.

E mais, num país com dimensões continentais como o Brasil e que apresenta intensa heterogeneidade social e cultural, é evidente que uma política de segurança executada em conjunto com as guardas civis seria mais eficiente, afinal, a prevenção da violência é muito mais eficaz se desenvolvida a partir de um trabalho local e comunitário, de acordo com as especificidades de cada região.

Em suma, a decisão do Ministro Rogerio Schietti está pautada em premissas que se mostram completamente equivocadas, uma vez que a subordinação das guardas ao prefeito não constitui qualquer fragilidade ou insegurança, ao revés, apenas concentra e facilita a responsabilização da conduta dos agentes à Municipalidade.

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1 Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/search.do;jsessionid=A56642E33AC6511A9A688CD053199094.cposg7?conversationId=&paginaConsulta=0&cbPesquisa=NUMPROC&numeroDigitoAnoUnificado=2206514-19.2021&foroNumeroUnificado=0000&dePesquisaNuUnificado=2206514-19.2021.8.26.0000&dePesquisaNuUnificado=UNIFICADO&dePesquisa=&tipoNuProcesso=UNIFICADO#?cdDocumento=58, acessado às 17h11m do dia 05/09/2022.

Ivan Sartori
Desembargador, formado em Direto pela Universidade Mackenzie. Ingressou na Magistratura Paulista em janeiro de 1981 com 23 anos. Foi eleito e reeleito para compor o Órgão Especial daquela Corte, instância máxima do Judiciário Paulista. Foi o relator do atual Regimento Interno do Tribunal. Tornou-se o mais jovem Presidente da história do maior tribunal do mundo (TJ/SP), biênio 2012/13.

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