Em janeiro deste ano, foi publicada a lei 14.300/22 que instituiu o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) e o Programa de Energia Renovável Social (PERS).
Dentre as inovações trazidas pela mencionada lei, destaca-se a ampliação do rol de modelagens jurídicas que poderão ser adotadas para a geração de energia por meio da geração compartilhada, incluindo a Associação, Condomínio Edilício e Condomínio Voluntário, ampliando o rol que contava apenas com Consórcios e Cooperativas.
Nesse sentido, é importante destacar que os Consórcios já figuravam como uma modelagem jurídica possível para a geração de energia por meio da geração compartilhada, sendo tal possibilidade expressamente disposta pelo art. 2, VII, da Resolução Normativa ANEEL 482/12 (“REN 482/12”).
No entanto, o legislador inovou ao acrescentar na redação da lei 14.300/22 uma definição de Consórcio de Consumidores de Energia Elétrica como sendo a “reunião de pessoas físicas e/ou jurídicas consumidoras de energia elétrica instituído para a geração de energia destinada a consumo próprio, com atendimento de todas as unidades consumidoras pela mesma distribuidora” .
Tal definição, como se verá adiante, despertou uma nova discursão acerca da possibilidade de constituição de consórcios compostos também pessoas físicas, hipótese sequer cogitada antes do advento da mencionada lei.
Sendo assim, serão tecidos comentários gerais acerca dos Consórcios e sua aplicação à luz da lei 14.300/22, assim como acerca da discursão sobre a possibilidade de participação das pessoas físicas.
1. Considerações Iniciais:
Inicialmente, pontua-se que a geração distribuída de energia elétrica funciona por meio do SCEE, pelo qual uma central geradora injeta energia na rede elétrica da concessionária, obtendo créditos que serão utilizados para compensar o respectivo consumo de energia.
Inserido na geração distribuída, a geração compartilhada permite a união de pessoas físicas ou jurídicas em prol de um objetivo em comum, qual seja o de gerar e compensar energia, de forma que a central de geração é instalada em uma unidade consumidora sob a titularidade do veículo de geração compartilhada e gerará energia que será compensada posteriormente em favor de seus participantes.
Neste cenário, como mencionado anteriormente, a previsão de geração de energia através dos consórcios não apresenta inovação da lei 14.300/22, visto que tal possibilidade já era expressa na REN 482/12.
O consórcio possui sua definição legal disposta nos arts. 278 e 279 da lei 6.404/76 (“lei das Sociedades por Ações” ou “LSA”) como sendo a união entre as companhias ou quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, a fim de executar determinado empreendimento.
Destaca-se que a LSA não dispõe de rol taxativo acerca dos empreendimentos que podem ser objeto do consórcio, de tal forma que é lícita a constituição de um consórcio para a exploração de parques de micro e minigeração distribuída.
Um aspecto diferencial dos consórcios em relação ao que ocorre com as associações e as cooperativas, é o fato de que os consórcios podem ter por objetivo a obtenção do lucro, sendo-lhes permitido realizar a estruturação e rentabilização da locação de ativos dos parques de geração.
2. Constituição:
A constituição de um consórcio será realizada mediante a celebração de um contrato entre as sociedades participantes, o qual será levado a registro perante a Junta Comercial competente, juntamente com os atos que aprovaram o contrato do consórcio de todas as consorciadas envolvidas.
Acerca da participação das sociedades, pontua-se que são competentes para aprovação do contrato do consórcio: (i) Nas sociedades anônimas, o Conselho de Administração ou a Assembleia Geral, conforme disposição do Estatuto Social; e (ii) Nas sociedades contratuais, a Reunião dos Sócios, sendo a aprovação realizada mediante deliberação majoritária.
Quanto às formalidades da constituição, a LSA estabelece quesitos mínimos que devem ser abordados no contrato de constituição dos consórcios, muito embora o conteúdo desses quesitos seja de livre discricionariedade das consorciadas que participam do momento formativo do consórcio.
Dentre os quesitos dispostos, por merecerem atenção especial na dinâmica dos Consórcios constituídos para a exploração de energia elétrica, destacam-se:
a) Definição das obrigações e responsabilidade de cada consorciada
A LSA não faz exigência expressa no sentido de indicar direitos e deveres iguais entre as consorciadas. Nesse sentido, os consórcios possuem ampla liberdade para definir, através de seu contrato de constituição, como será a definição das obrigações e responsabilidade de cada consorciada. Assim, é possível a criação de categoriais especiais de consorciadas, a fim de restringir o grau de interferência de consorciadas na gestão e condução das atividades do consórcio.
Essa categorização está compatibilizada, inclusive, com o cerceamento de alguns direitos e/ou funções das consorciadas, desde que haja previsão expressa e disciplina no contrato.
A exemplo, destaca-se o disposto no art. 91, da Instrução Normativa 81/20, do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI, ao impor a necessidade de definição da figura da Consorciada Líder, que será responsável pela representação do consórcio perante terceiros.
No tocante ao consórcio constituído para a geração de energia, é comum atribuir à Consorciada Líder o exercício dos direitos políticos do consórcio, de forma exclusiva. Nesse mesmo sentido, pode-se estabelecer que todas as deliberações envolvendo o consórcio, incluindo eventual alteração do contrato do consórcio, serão tomadas unicamente por deliberação da Consorciada Líder.
Em relação a contribuição das consorciadas para as despesas comuns do consórcio, destaca-se que a LSA proporciona também a liberdade para que as próprias consorciadas efetuem tal definição através do contrato de constituição.
b) Forma de deliberação e gestão administrativa
Um dos pontos mais positivos na utilização dos consórcios para a geração de energia na modalidade de geração compartilhada é a ausência de previsão na LSA acerca da necessidade de constituição de quaisquer órgãos deliberativos do consórcio. Nesse sentido, as consorciadas possuem ampla liberdade de definição da forma e quórum para as deliberações das matérias pertinentes ao consórcio.
Nos consórcios há, inclusive, a liberdade de definir o número de votos que caberá a cada consorciada nas deliberações.
Igual liberdade há para o estabelecimento da gestão administrativa do consórcio, bem como para a aprovação de contas do consórcio, podendo tais atividades, inclusive, ser conferidas de forma exclusiva à Consorciada Líder.
Tais disposições apontam para o favorecimento de uma gestão mais especializada, favorecendo a eficiência de atuação na geração de energia.
3. Limite de Responsabilidade:
Ao contrário do que ocorre com as associações, a LSA contém previsão indicando que os consórcios não possuem personalidade jurídica.
A despeito isso, é positiva a previsão do art. 278, §1º da mencionada lei, indicando que não haverá entre as consorciadas qualquer presunção de solidariedade.
Assim, tem-se que as consorciadas apenas se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações.
4. Admissão e Saída de consorciadas:
Acerca dos requisitos para admissão e participação nos consórcios, em princípio, tem-se que a LSA apenas impõe que as consorciadas sejam pessoas jurídicas, sem mencionar, no entanto, a necessidade de inclusão de quaisquer atividades específicas em seus respectivos objetos sociais.
Nesse sentido, estariam excluídas as participações de pessoas físicas em consórcios.
Há, no entanto, como mencionado anteriormente, uma recente discussão doutrinária acerca da possibilidade de participação de pessoas físicas em consórcios de consumidores de energia elétrica. Isto, pois a lei 14.300/22 passou a dispor da seguinte definição:
Art. 1. III - consórcio de consumidores de energia elétrica: reunião de pessoas físicas e/ou jurídicas consumidoras de energia elétrica instituído para a geração de energia destinada a consumo próprio, com atendimento de todas as unidades consumidoras pela mesma distribuidora.
A partir da leitura do mencionado inciso, nota-se a inclusão da possibilidade de participação de pessoas físicas, desde que o consórcio seja constituído e qualificado como consórcio de consumidores de energia elétrica.
Porém, é importante destacar que a mencionada disposição carece de regramento específico, necessário para definir de que forma poderá ser realizada a sua constituição e o respectivo registro.
A despeito da nova definição e aparente inclusão da participação de pessoas físicas, até o momento do presente artigo, tal disposição não foi objeto de disciplina pelo DREI, órgão responsável por indicar as regras de registro perante as Juntas Comerciais. Sendo assim, ainda não é possível o registro, perante as Juntas Comerciais, de consórcios que contenham a participação de pessoas físicas.
Haja vista dessa impossibilidade, menciona-se que a lei tampouco realizou a indicação de quaisquer órgãos competentes para realizar o registro dos consórcios de consumidores de energia elétrica, nos termos indicados pelo art. 1, III, da lei 14.300/22.
Por isso, até o presente momento, ainda não é possível a constituição de consórcios que contem com a participação de pessoas físicas.
Ademais, a LSA não dispõe de procedimentos específicos para a admissão e saída das consorciadas, estando as mesmas dotadas de liberdade para definir a forma em que se dará tais procedimentos.
Por fim é importante destacar que eventuais admissões e saídas de consorciadas deverão ser devidamente formalizadas através de ato de alteração do contrato de consórcio que, por sua vez, deverá ser registrado na Junta Comercial competente. Nesse aspecto, é possível a celebração de procuração, entre as consorciadas, conferindo poderes para que apenas uma consorciada seja capaz de promover os respectivos registros perante a Junta Comercial, evitando maiores burocracias.
5. Conclusão:
Haja vista o exposto, os consórcios se apresentam como um excelente veículo para a geração de energia por meio da geração compartilhada, especialmente em virtude da liberdade e discricionaridade que a LSA confere para que as sociedades participantes definam os critérios de formação e administração do consórcio, possibilitando uma gestão especializada e eficiente, necessária ao bom andamento do consórcio e sua respectiva atuação perante os clientes e a respectiva permissionária.
No entanto, apesar de se apresentar como um excelente veículo, como dito anteriormente, os consórcios ainda não permitem a participação de pessoas físicas. Sendo assim, será destinado apenas a consumidores de energia elétrica que possuam pessoa jurídica constituída