A terminologia Direito Médico-Veterinário Brasileiro está sendo destaque no ano de 2022, como “novo” e promissor ramo do Direito, que surge em consequência da consolidação do Direito Animal Brasileiro que reconhece os animais sujeitos de direitos sui generis, seres sencientes dotados de natureza biológica e emocional passível de sentimentos, que consubstanciou a elaboração da resolução 1.138/16 do Conselho Federal de Medicina Veterinária que instituiu o “novo” Código de Ética do Médico-Veterinário em vigor desde 9/9/17, com olhar inovador e vanguardista sobre a saúde única, a obrigatoriedade de se respeitar o bem-estar animal, e o combate aos maus-tratos aos animais como questão deontológica do profissional da medicina veterinária.
O Código supra destaca o tripé: direitos e deveres do profissional art. 6 e 7 da resolução 1.138/16, direitos e deveres do consumidor (tutor/guardião/representante legal do animal) art. 17 da resolução 1.138/16 e direito do animal art. 1 ao 5 e 18 da resolução 1.138/16;
Ao profissional da medicina veterinária é conferido a garantia à autonomia profissional, no que diz respeito à prescrição de tratamento que entender, após prévio exame clínico mais benéfico ao animal/paciente, bem como, garantia de autenticidade e integridade das informações prestadas no prontuário médico, ou seja, as informações contidas no prontuário estão lastreadas de presunção de veracidade. Estando obrigado no exercício profissional, a atuação com zelo, dedicação e no melhor de sua capacidade, sendo um profissional liberal.
Ao animal é resguardado o direito em não sofrer desnecessariamente e viver durante seu ciclo natural de vida, com ênfase as 05 liberdades, bem-estar e dignidade animal;
Ao consumidor, ora tutor/guardião/representante legal do animal é reconhecida relação tipicamente consumerista, resguardado o direito à informação clara e objetivada, nos termos do art. 14 do CDC garantia em caso de vício/falha no fornecimento de serviço responsabilidade objetiva, em que o responsável pelo dano responde independente de culpa, com exceção aos profissionais liberais;
Contudo, como bem pontuado EXCEÇÃO quando tratar-se de profissional liberal, pois afirma o art. 14 § 4 do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.(grifo nosso).
Como se vê, a celeuma envolvendo suposto erro médico-veterinário merece cautela, primeiro porque a relação consumidor/fornecedor de serviço de profissional liberal deve ser regido pela confiança, e segundo é preciso resguardar a autonomia e capacitação profissional em contraponto ao direito do consumidor e do animal, é o tripé que precisa ser aplicado;
Todo processo seja Jurídico ou no Órgão de Classe, se forma através de provas, sendo todo elemento (documentos, fotos, perícias, testemunhos) que contribui para a formação da convicção do julgador entre os fatos alegados (o que você contou) e o pedido (o que você deseja). É tudo aquilo que for levado aos autos (processo) com o fim de convencer o julgador de que o fato ocorreu como descrito, assim, a produção de prova é fundamental, pois será o material que o julgador se embasará para formar o seu juízo de valor e de convicção acerca dos fatos da causa, é a prova que irá convencer o Julgador o que realmente aconteceu, afinal o julgador não conhece as partes envolvidas, e uma das maiores polêmicas sobre a repartição do ônus da prova, é quando nos deparamos com o SUPOSTO ERRO MÉDICO-VETERINÁRIO, pois ao consumidor caberá a prova da culpa do profissional;
Nessa perspectiva, não pode o consumidor acusar o médico-veterinário de erro médico como vem ocorrendo inclusive em rede social, sem prova do que alega;
Pois, por força do artigo 14 § 4 do CDC nas demandas que versarem sobre suposto erro médico-veterinário DEVERÁ o consumidor comprovar a CULPA do profissional, comprovar o nexo entre o fato alegado e o erro médico-veterinário (óbito e erro, lesão e erro), exigência esta, que deve ser estendida nas decisões do Órgão de Classe, pois garante a autonomia e valorização profissional, como tem sido o entendimento de nossos Tribunais:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO VETERINÁRIO. ERRO MÉDICO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CULPA. ELEMENTO SUBJETIVO NÃO COMPROVADO. DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Aplica-se a lei 8.078/90 às relações estabelecidas entre dono do animal de estimação e hospital veterinário e seu médico. Mas quando a pretensão repousa em possível falha na prestação do serviço pelo médico veterinário, a responsabilidade tanto do profissional, como da clínica não prescinde da demonstração da culpa. 2. Os art. 951 do Código Civil e 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, adotaram a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil dos profissionais liberais, a exemplo dos médicos veterinários, cuja caracterização fica condicionada à comprovação de que os danos sofridos decorreram de ato ilícito culposo ou prestação de serviço vicioso (negligência, imprudência e imperícia). 3. Se o conjunto de provas atesta que o atendimento foi adequado, com a adoção dos procedimentos e tratamentos indicados para os sintomas apresentados pelo animal de estimação, afastando erro ou imperícia do profissional, não há como atribuir ao fornecedor o dever de indenizar. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1012523-86.2020.8.26.0564; Relator (a): Moreira Viegas; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/6/22; Data de Registro: 30/6/22). (grifo nosso).
Afinal, a insatisfação no atendimento, ou a dor da perda que não é pouca, NÃO caracteriza por si só erro do (a) médico(a)-veterinário(a), pois quando tratamos com vidas, a morte é uma realidade em algum momento, e mesmo o profissional prestando serviço com zelo, dedicação e no melhor da sua capacidade ela pode acontecer, além de que, é preciso considerar que os cuidados com a saúde do bichinho é trabalho mútuo, a expertise do profissional em prescrever tratamento e medicação adequada e a responsabilidade do tutor em seguir o tratamento e orientações prescritas, não é incomum por exemplo, o tutor não seguir tratamento ou medicação prescrita, e após óbito querer culpar o profissional;
Nesse contexto, claro e evidente que a exigência da prova da culpa nos casos de erro médico-veterinário precisa existir, como forma de assegurar o equilíbrio aos envolvidos, e o fato em nada tira direitos do consumidor ou do animal, como tem entendido alguns consumidores, pelo ao contrário, assegura direitos à todos envolvidos de forma igualitária, afinal o profissional também possui direitos e sua capacidade profissional precisa ser respeitada, como precisam ser responsabilizados aqueles que erram no exercício profissional;
Tanto é importante a responsabilização daqueles que erram no exercício profissional, que o Judiciário assegura aos hipossuficientes a justiça gratuita, que possibilita a realização da perícia direta ou indireta custeada pelo estado como prova à ser produzida no curso processual, a fim de comprovar a culpa profissional, o problema foi que em alguns casos fáticos a produção da prova pericial não foi solicitada pela parte no moemnto oportuno, o que acabou levando ao julgamento inexitoso por falta de prova, situação que demonstrou a necessidade de fortalecimento do Direito Médico-Veterinário, pois mesmo saindo vitorioso de uma demanda judicial, é inconteste o abalo que sofre o profissional processado;
Ademais, não se pode esquecer que o médico-veterinário está OBRIGADO a elaboração, guarda e entrega do prontuário médico, documento muitas vezes apto à comprovar ou ao menos demonstrar indício de erro do profissional, o que deveria ser considerado documento indispensável à propositura da demanda ou denúncia no órgão de classe sua apresentação ou informação de negativa de entrega por parte do profissional, vez que a negativa por si só já estaria configurada falta ética-profissional, e “culpa” profissional passível de responsabilização;
Aliás o prontuário médico-veterinário é o documento que possibilita a perícia indireta. Mas importante destacar, que não tendo o consumidor concordado com informações registradas no documento, o mesmo deve contestar imediatamente, preferencialmente via e-mail oficial do estabelecimento, pois as informações registradas no prontuário médico possui presunção de veracidade, havendo contestação das informações, as mesmas devem ser apresentadas para o perito ou médico-veterinário que irá realizar laudo.
Outro meio de prova importante, a fim de se comprovar a culpa do profissional, é encaminhar o corpo para necropsia nos casos de óbito e nos casos de lesões laudo/perícia com outro profissional, sendo que os gastos com a produção da prova, ficando comprovado o erro poderão ser ressarcidos, mas lembrando ao profissional caberá a contraprova.
Logo, não se pode acusar o médico-veterinário de erro, sem prova técnica consusbtanciada na literatura da medicina veterinária, pois colocariamos o profissional em extrema vulnerabilidade, tanto que em alguns casos extremos, consumidores além de acusar sem provas, alteram a verdade dos fatos, a fim de buscar responsabilização profissional, fato que tem sido rechaçado pelo judiciário e com razão, afinal ao consumidor caberá a prova da culpa e a boa-fé processual, sob pena de ser condenado por litigância de má-fé, como ocorreu em alguns casos fáticos.
Como se vê, buscar Justiça por nossos animais, é válido e legítimo, e inclusive se deve fazer, porém de forma responsável, afinal não podemos esquecer que a Justiça é o fim e o Direito é o caminho que se consagra como conjunto de normas jurídicas que regula as condutas humanas por meio de direitos e obrigações, a fim de possibilitar que a sociedade viva em equilíbrio, buscando a paz social, e este equílibrio tratando-se de suposto erro médico-veterinário só será possível através da prova técnica consunstanciada na literatura da medicina veterinária, afinal só um médico-veterinário possui o conhecimento técnico, a fim de afirmar que outro médico-veterinário errou.