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O rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS e o embate entre o STJ e o Poder Legislativo

A decisão do STJ serve como importante base para que as operadoras possam buscar não só a manutenção do equilíbrio contratual, mas também a proteção dos demais beneficiários.

31/8/2022

 

No final do primeiro semestre de 2022 observamos uma grande movimentação no setor da saúde suplementar, consistente no julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, de recursos que envolviam a discussão sobre o caráter exemplificativo ou taxativo do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, desencadeando manifestações de todos os tipos e dividindo opiniões, além de provocar o Poder Legislativo para análise do tema.

O que é o Rol da ANS?

O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, chamado de “Rol da ANS”, atualmente trazido pela Resolução Normativa n° 465/21, contempla os procedimentos cuja cobertura é indispensável para os planos e seguros saúde contratados a partir da vigência da lei 9.656/98 (Lei de Planos de Saúde) ou que, embora tenham sido firmados em data anterior, foram adaptados à referida lei, sendo periodicamente atualizado para inclusão de novas tecnologias.

“Procedimentos em saúde” é um conceito amplo, que contempla consultas, exames, terapias, cirurgias, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais, tratamentos realizados em âmbito hospitalar, ambulatorial e domiciliar.

A atualização do Rol da ANS ocorre periodicamente, haja vista a incorporação de novas tecnologias na prática da assistência à saúde, que são reconhecidas pelos órgãos governamentais e comunidade médica com o avanço científico.

A atualização ocorre nos moldes descritos na Resolução Normativa 470/21 da ANS, comportando etapas administrativas e técnicas, com apresentação de propostas, análise de elegibilidade, análise técnica com discussão em reuniões, consulta pública e, por fim, com a decisão favorável ou não à incorporação, dada pela Diretoria Colegiada da agência reguladora de forma semestral.

Exemplificativo x taxativo

Muitos se questionam qual o sentido e consequências de se considerar o Rol da ANS exemplificativo ou taxativo.

Em linhas gerais, no direito, considera-se exemplificativo o que não esgota em si mesmo todo o seu alcance, constituindo apenas uma indicação ou referência do que pode ser considerado dentro da sua abrangência, admitindo-se interpretações extensivas, para atingir também outras hipóteses análogas ou de mesma natureza.

Dessa forma, considerar o Rol da ANS exemplificativo significa dizer que os procedimentos descritos constituem um conjunto mínimo de coberturas que devem ser garantias pelas operadoras, sem prejuízo de outras que eventualmente venham a ser objeto de prescrições ou solicitações de profissionais da saúde.

Por outro lado, considera-se taxativo tudo aquilo que não admite inclusões para além do que se encontra expressamente previsto, de modo que sua abrangência se encontra delimitada através do seu próprio conteúdo.

Assim, o Rol da ANS, se considerado taxativo, implicaria na obrigação de cobertura, pelas Operadoras, somente daquilo que está listado pela agência reguladora e de acordo com suas diretrizes de utilização. Eventuais procedimentos não contemplados no Rol da ANS não teriam o custeio garantido pela Operadora.

A decisão do STJ

O STJ é o órgão responsável por julgar questões que envolvam a interpretação de Lei Federal, como ocorre com a lei 9.656/98 e a lei 9.961/00, que criou a ANS.

A questão relativa à obrigatoriedade de cobertura de um determinado procedimento é constantemente levada ao Poder Judiciário, na qual um beneficiário pleiteia a autorização e custeio de um tratamento ou exame e a Operadora, por sua vez, nega, sob a justificativa de ausência de previsão no Rol da ANS.

Através dos Recursos de Embargos de Divergência de números 1.704.520 e 1.889.704, o STJ foi chamado a se pronunciar sobre essa polêmica discussão que, até então, dividia as 3ª e 4ª Turmas, que compõem a 2ª Seção do órgão.

Por maioria de votos, firmou-se o entendimento de que o Rol da ANS é, em regra, taxativo, de modo que as Operadoras não estão obrigadas a arcar com tratamento que não esteja expressamente previsto se existe, para cura do beneficiário, outro procedimento eficaz e seguro já incorporado na listagem.

Os ministros que votaram a favor da taxatividade do Rol da ANS foram Luis Felipe Salomão, Villas Bôas Cueva, Raul Araújo, Marco Buzzi, Marco Aurélio Belizze e Isabel Gallotti. Contra a taxatividade do Rol e, portanto, a favor do seu caráter meramente exemplificativo, votaram Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro.

As exceções

Discussões de tal natureza dificilmente encontram solução simples, exigindo dos julgadores a adoção de posicionamentos que considerem situações excepcionais.

No caso do Rol da ANS, é possível que o beneficiário contrate coberturas adicionais para procedimentos não previstos, mediante ajuste a ser realizado com a operadora.

Além disso, para os casos em que não há substituto terapêutico para tratamento ou exame a ser realizado pelo beneficiário, ou mesmo quando esgotados os procedimentos do rol, pode haver, a título excepcional, cobertura pela operadora, desde que:

(i)                  Não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao rol;

(ii)                Haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;

(iii)              Haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais e estrangeiros, tais como a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde - Conitec e o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário - NatJus; e

(iv)              Seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional dos magistrados com entes ou pessoas com expertise técnica na área de saúde, incluída a comissão de atualização do rol de procedimentos em saúde suplementar.

A movimentação do Poder Legislativo

Após o julgamento realizado pelo STJ, foi aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em agosto de 2022, o Projeto de Lei – PL 2.033/22, que estabelece a cobertura obrigatória, pelas operadoras, nas hipóteses prescrição de tratamentos ou solicitação de exames que não estão incluídos no rol, se existir comprovação da eficácia e recomendações do CONITEC ou órgão de renome internacional.

Com a aprovação pelas Casas Legislativas Federais, o projeto segue para sanção presidencial.

E agora, como fica?

Importante ressaltar que a decisão dada pelo STJ, embora represente forte precedente e um marco importantíssimo na saúde suplementar em decorrência do número de ações que são ajuizadas para a mesma discussão, não é vinculante, isto é, não obriga os demais membros do Poder Judiciário a adotar o mesmo entendimento.

Com isso, muitas decisões têm sido proferidas de forma contrária ao entendimento firmado pelo STJ, justamente pelo seu caráter não vinculante, deixando a critério do magistrado a adoção do posicionamento que lhe parecer adequado ao caso, desde que devidamente fundamentado.

Sendo sancionado, pelo Presidente da República, o PL 2.033/22, sua observância será obrigatória pelo Poder Judiciário a partir da vigência da Lei.

Considerando a situação atual, na qual o trâmite legislativo ainda está acontecendo, a decisão do STJ é vista com bons olhos pelas operadoras, na medida em que permite que a obrigatoriedade de cobertura do procedimento seja melhor discutida no âmbito judicial.

O que se via - e ainda se vê - na prática forense, é que a prescrição do procedimento pelo profissional de saúde era suficiente para que a operadora fosse obrigada a custeá-lo.

Não é dada à operadora a oportunidade de analisar a fundo a adequação da prescrição feita pelo profissional de saúde que, diga-se, possui autonomia para a condução do tratamento do seu paciente, mas deve ser permitida a discussão sobre a existência de previsão e obrigação contratual de cobertura do procedimento, preservando o equilíbrio econômico-financeiro entre as partes.

Dessa forma, a decisão do STJ serve, ao menos por ora, como importante base para que as operadoras possam buscar não só a manutenção do equilíbrio contratual, mas também a proteção dos demais beneficiários que contam com a cobertura dos procedimentos contratados, de forma que não fiquem desamparados e sem atendimento pelos impactos que a necessidade de deslocamento de recursos para custeio de tratamentos que não estão previstos no Rol da ANS, sem critérios, possa causar.

 

Patricia Dantas
Advogada integrante do escritório Battaglia & Pedrosa Advogados. Formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito Civil pela Escola Paulista da Magistratura e em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito.

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