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Rol taxativo da ANS - Perspectivas atuais

As próximas semanas devem apresentar desenvolvimentos importantes para a temática.

29/8/2022

Introdução

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi criada pela lei 9.961/00. Entre as suas competências estabelecidas na lei, o inciso III do art. 4º trata da elaboração do “rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do que dispõe a lei 9.656/98”, que regula os planos e seguros privados de assistência à saúde. Nesse sentido, o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, mantido pela ANS, estabelece a cobertura assistencial referencial a ser garantida pelos planos privados de assistência à saúde.

O Rol era atualizado a cada dois anos pela equipe técnica da ANS responsável pela análise de novos procedimentos. Contudo, a partir de 2021, as propostas de atualização do Rol passaram a ser recebidas e analisadas de forma contínua a partir da Resolução Normativa 470/21. Embora o processo de análise dos novos procedimentos tenha se tornado contínuo, a revisão do rol e a incorporação de novas tecnologias para tratamentos e exames só ocorre semestralmente. 

Panorama diante aos três poderes

A controvérsia em torno da taxatividade ressurgiu em razão de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter sido instado a decidir sobre a cobertura de tratamentos e exames por planos de saúde em duas ações, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial (EREsp) 1.886.929 e 1.889.704. No primeiro, o paciente buscava a cobertura de um tratamento que não estava previsto no rol para esquizofrenia e, no segundo, se pleiteava da operadora a cobertura de tratamento para o transtorno do espectro autista. Neste último caso, a terapia solicitada já era reconhecida pela ANS.

Portanto, no dia 8 de junho de 2022, a 2ª Seção do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o rol de procedimentos e eventos definidos pela ANS é, em regra, taxativo. Sendo assim, a operadora de plano ou seguro de saúde ficaria desobrigada de arcar com tratamentos e exames que não estivessem no rol quando houver outro procedimento eficaz, efetivo, seguro e incorporado. Na decisão, foi considerada também a contratação de uma cobertura ampliada ou a possibilidade de se negociar um aditivo contratual para viabilizar o tratamento não previsto no rol.

Segundo o STJ, os planos e operadoras de saúde deverão excepcionalmente cobrir tratamentos e exames não listados pelo rol a partir de critérios definidos. São os casos em que houver a indicação do tratamento pelo médico ou odontólogo e diante da ausência de alternativa em um procedimento que não tenha sido indeferido pela ANS. Além disso, nestes casos excepcionais à regra da taxatividade, deve haver também a comprovação de sua eficácia por evidências científicas e a recomendação de órgãos técnicos nacionais, como a Conitec e a Natjus, e internacionais. Também deve ser viabilizado o diálogo interinstitucional entre a magistratura e pessoas ou entes com a expertise técnica na área da saúde, tendo em vista que a competência sobre a avaliação e atualização do rol é da ANS.

A decisão do STJ buscou pacificar o entendimento sobre a lista da ANS, visto que muitos procedimentos novos e não listados eram considerados a melhor opção de tratamento pelo médico e, com isso, muitos pacientes acionavam a justiça para requerer a obrigação de o plano de saúde custear um tratamento que não estivesse na lista da ANS.

O rol de procedimentos e tratamentos considerado exemplificativo permitia aos pacientes requerer, perante o Poder Judiciário, a cobertura para um tratamento específico, na hipótese de negativa do plano. O rol considerado exemplificativo servia como referência e não limitava a cobertura.

Após a decisão que estabeleceu o entendimento pelo Rol taxativo no STJ, foram apresentadas diversas demandas perante o Supremo Tribunal Federal para que se reconheça o caráter exemplificativo da matéria. Foram ajuizadas aos menos cinco ações, quais sejam, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7088, 7183 e 7193 e as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 986 e 990, contra dispositivos (i) da Lei que cria a ANS (lei 9.961/00), (ii) da Lei dos Planos de Saúde (lei 9.656/98) e (iii) da Resolução Normativa da ANS 465/21, que estabelecem a competência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para definir a amplitude das coberturas de planos de saúde, que regulam o procedimento de atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar e afirmam o seu caráter taxativo.

As cinco ações foram distribuídas ao Ministro Luís Roberto Barroso, e ainda aguardam julgamento. Neste contexto, o Ministro convocou para os dias 26 e 27 de setembro audiência pública para ouvir especialistas e representantes do poder público e da sociedade civil sobre a amplitude das coberturas de planos de saúde, a metodologia de atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar e o seu caráter taxativo. O intuito da audiência é, segundo despacho do Ministro, que “se instaure um efetivo diálogo, aberto aos variados pontos de vista que a matéria suscita e que viabilize a obtenção de subsídios para o equacionamento da controvérsia constitucional”.

Em despacho para convocação da audiência, Barroso destacou que a matéria de que trata as ações supera os limites estritamente jurídicos e reclama um conhecimento interdisciplinar para maior esclarecimento diante de questões técnicas, médicas-científicas, atuariais e econômicas relativas ao tema e ao impacto financeiro de condenações judiciais ao fornecimento de terapias não incorporadas. Ainda, o Ministro afirmou que ao longo dos anos a jurisprudência se firmou no sentido de que o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar teria um caráter exemplificativo das prestações exigíveis das operadoras de planos de saúde, que também estariam obrigadas a custear outros tratamentos prescritos pelos profissionais médicos, a quem caberia a definição da terapia adequada.

O Ministro também se manifestou em relação à tese fixada pelo STJ, de modo que reconheceu que há uma preocupação legítima com o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de planos de saúde, a demandar uma definição prévia de sua cobertura. Oportunamente, evidenciou que, ao desconsiderar este aspecto, estar-se-ia inviabilizando a oferta dos planos de saúde, o que, em último grau, comprometeria os direitos dos consumidores e a proteção constitucional à saúde. Ainda assim, também reconheceu a justa preocupação dos usuários dos planos de saúde com as omissões advindas do rol e as consequências da não abrangência de todos os procedimentos necessários ao tratamento de doenças cobertas, especialmente, no caso das doenças raras.

Já no âmbito do Executivo, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) abriu consulta pública para discutir a cobertura assistencial obrigatória de planos de saúde. O intuito da consulta, de acordo com texto publicado no Diário Oficial da União, foi considerar críticas e sugestões relativas à proposta de resolução normativa deste ano, que atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. No entanto, a ANS informou que a consulta não teve relação com decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e ressaltou ainda que consultas como esta já estavam previstas na agenda da Agência. O procedimento de participação pública é uma etapa a ser cumprida antes de as atualizações entrarem em vigor.

No Poder Legislativo, o tema atraiu a atenção de parlamentares contrários à restrição definida pelo julgamento do STJ, o que teve repercussões nas discussões, votações e proposições apresentadas. Ao todo, foram apresentados  mais de 60 projetos de lei na Câmara dos Deputados e no Senado Federal sobre o rol de procedimentos e eventos em saúde.

Com o objetivo de criar espaço concentrado para a discussão da matéria,  o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), criou, a partir da mobilização de um grupo de deputados e representantes da sociedade civil, um Grupo de Trabalho (GT) destinado a analisar e debater proposições legislativas que tratavam da cobertura dos planos de saúde, sobretudo a natureza do rol de procedimentos de saúde estabelecido pela Agência Nacional de Saúde.

Instituído no dia 22 de junho de 2022, o GT foi coordenado pelo deputado Cezinha Madureira (PSD/SP) e relatado pelo deputado Hiran Gonçalves (PP/RR). Assim, após algumas semanas de trabalho, foi construído o projeto de lei 2033/22, com a autoria de diversos deputados e deputadas, tendo como primeiro signatário o deputado Cezinha de Madureira (PSD/SP), que coordenou os trabalhos do GT. O projeto propôs a alteração da lei 9.656/98, que dispõe sobre a atuação dos planos e seguros privados de saúde, para tratar sobre as hipóteses de cobertura de exames e tratamentos não incluídos no rol da ANS.

O PL foi aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados com alterações pontuais, fixando a proposta das seguintes hipóteses alternativas para autorização de cobertura para tratamentos ou procedimentos não incorporados ao rol da ANS: (i) a comprovação da eficácia a partir de evidências científicas e plano terapêutico; (ii) a existência de recomendação de incorporação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS; ou (iii) a existência de recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde com reconhecimento internacional, desde que o órgão também tenha aprovado o tratamento ou procedimento para os seus nacionais.

Após a apresentação e aprovação do projeto de lei na Câmara, o PL seguiu ao Senado a partir de um entendimento comum de esforço conjunto para a aprovação célere. O presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), diante da enorme comoção social e pressão de beneficiários de planos de saúde e das próprias operadoras de planos, promoveu uma sessão de debates sobre o projeto e designou como relator do PL o senador Romário (PL/RJ).

Na sessão de debates, foi oportunizada a fala de diversas autoridades e entidades, como o ministro da Saúde e o presidente da ANS, assim como advogados e advogadas especialistas em direito à saúde. A sessão, presidida pelo senador Romário, que já havia expressado o seu voto favorável ao rol exemplificativo, foi encerrada com a promessa de que seu parecer será pela aprovação de texto muito semelhante ao projeto já aprovado pela Câmara.

Expectativas

As próximas semanas devem apresentar desenvolvimentos importantes para a temática. No STF, a audiência pública a ser promovida oferecerá subsídios importantes para o julgamento da controvérsia constitucional que está posta. Por sua vez, no Senado, o presidente Rodrigo Pacheco (PSD/MG) afirmou que o PL 2033/22 será pautado na próxima semana, nas sessões de segunda (29) ou terça-feira (30), e que existe um grande consenso em torno da matéria, apontando os caminhos para a solução da controvérsia.

Raquel Gontijo
Membra da equipe de Relações Governamentais do Escritório Malta Advogados; Especialista em Comunicação Governamental e Marketing Político; Bacharela em Antropologia e Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB); MBA Executivo em Economia e Gestão: Relações Governamentais pela FGV; e Graduanda em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

Anna Luiza Rosa
Membra da equipe de Relações Governamentais do escritório Malta Advogados e Bacharelanda em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB).

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