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Uma nova constituição para o Chile

Apenas há alguns dias do plebiscito, os ânimos estão acirrados e os nervos à flor da pele na expectativa de um resultado nas urnas que restaure a paz e a prosperidade.

30/8/2022

A constituição chilena atual, de 1980, foi elaboradora durante o governo do General Augusto Pinochet, já tendo tido pequenas adaptações, para acomodar os novos tempos. Enquanto muitos economistas atribuem a ela o sucesso econômico dos nossos vizinhos andinos; outros criticam - não pelo conteúdo, mas pelo que denominam de “vício de origem”; ter sido lavrada por um governo que não foi democraticamente escolhido.

Discursões sobre a necessidade de alterar seu texto voltaram a fazer parte da pauta política após as violentas revoltas populares que começaram a ocorrer em outubro de 2019. Naquele ano o Chile viveu meses de terror com diversas estações de metrô queimadas e destruídas simultaneamente, ataques e queimas a igrejas, lojas, restaurantes, museus, patrimônio público depravado e inúmeros saques à supermercados. Meses de intensos protestos convenceram Sebastián Piñera, então presidente, a celebrar um “Acordo pela Paz”, deixando nas mãos do eleitor a decisão de redigir os termos de uma nova Ordem Social.

Dois anos mais tarde, em 2021, um Chile assustado com o crescimento da violência foi às urnas, e uma esmagadora maioria disse sim a um novo texto. Discutidas e votadas as propostas oferecidas pelos constituintes, no próximo dia 4 de setembro, os chilenos voltam às urnas. Agora, para decidir se aprovam ou rejeitam o documento redigido pela Assembleia Nacional. Apesar de 80% dos eleitores terem votado pela substituição da atual Carta, hoje as pesquisas preveem um triunfo da rejeição ao texto proposto.

Mas, o que muda caso a nova constituição seja aprovada?

A nova redação destaca a mudança de uma "república democrática" para uma "democracia paritária", o que implica que mulheres devem ocupar pelo menos a ½ de todos os órgãos de Estado. O Chile passaria a ser um país plurinacional, reconhecendo 11 povos originários, e concedendo a eles, autonomia política, administrativa e financeira, bem como, especial proteção para restituir terras. Esses povos (algo próximo a 12% de uma população de 19 milhões de habitantes) fruiriam de um sistema jurídico próprio, assim como privilégios para recuperar terras que no passado tenham pertencido a seus antepassados.

A constituição vigente protege a vida do nascituro, enquanto a proposta permite a interrupção voluntária da gravidez. Os limites à esta interrupção ainda teriam que ser definidos em lei.

A Constituição de 1980 confere ao Estado o papel de proteger o acesso "livre e igualitário" à saúde; enfatiza que os benefícios podem ser concedidos tanto por instituições públicas quanto privadas. A proposta determina que é dever do Estado "fornecer as condições necessárias para alcançar o mais alto padrão de saúde atingível".  Com sua aprovação, o Estado passaria a ter o papel de reitor do sistema de saúde, o que inclui a regulamentação, administração e a supervisão, tanto de instituições públicas quanto privadas. Em termos práticos, saúde pública para todos, por meio de um Sistema Nacional, financiado por um fundo comum, obrigatório, descontado do salário do trabalhador.

Outra grande mudança é a eliminação do Senado, a câmara revisora do sistema legislativo com mais de 200 anos de história, que seria substituída por Assembleias Regionais, com faculdade para elaborar algumas leis e acordos nas suas respectivas jurisdições. Já a Câmara de Deputados passaria a se chamar “Câmara de Deputados e Deputadas”, e teria maior poder para fazer leis, criando assim duas congregações com prerrogativas e poderes assimétricos.

Estas são apenas algumas das alterações que a proposta da nova Carta Magna traz em seus 388 artículos e 56 disposições transitórias.

No próximo domingo o Chile decidirá seu futuro. No entanto, independente do desfecho, o processo constituinte não termina nas urnas; ainda que a proposta do novo texto seja aprovada, o presidente Gabriel Boric, com o propósito de aumentar sua base de apoio, invocou seu compromisso com a reforma de trechos da proposta. Por outro lado, na hipótese de o movimento pela rejeição ganhar, diversos partidos já se comprometeram a solicitar mudanças de alguns pilares da atual constituição.

Apenas há alguns dias do plebiscito, os ânimos estão acirrados e os nervos à flor da pele na expectativa de um resultado nas urnas que restaure a paz e a prosperidade.

Maria Rita Bastos-Tigre
Sócia do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados.

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