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A ADIn 6.421 MC e os parâmetros definidos pelo STF para responsabilização do agente público pela prática de erro grosseiro

Registre-se que o próprio STF deixou consignado na Rcl 41.557 que o direito administrativo sancionador se aproxima muito do direito penal e deve ser compreendido como uma extensão do jus puniendi estatal e do sistema criminal, pois, para aplicar a vedação ao bis in idem a um caso concreto, o STF entendeu que é preciso adotar um enfoque conjunto no campo da política sancionadora e que o Direito Administrativo Sancionador deve ser entendido como um autêntico subsistema penal.

29/8/2022

1) O tratamento legal do erro grosseiro

O artigo 28 da LINDB estabelece que o “agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.

Ao regulamentar tal dispositivo, o caput do art. 12 do decreto 9.830/19 esclareceu que o agente público é responsabilizado quando, no desempenho de suas funções, toma decisões ou emite opiniões técnicas incorrendo ou na prática de erro grosseiro ou na pratica de ação ou omissão dolosa (quer tal dolo seja direto ou eventual).

No § 1º do art. 12 do decreto 9.830/19 procurou-se definir o erro grosseiro, restando o mesmo caracterizado como um tipo de erro que, seja por ação ou omissão, é praticado com culpa grave (elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia), devendo ainda ser manifesto, evidente e inescusável.

Já nos §§ 2º a 7º do art. 12 do decreto 9.830/19 o ato infralegal regulamentou a LINDB para, após conceituar o erro grosseiro, traçar um roteiro para sua apuração e eventual caracterização, deixando-se claro que, por exemplo, que: a configuração do erro grosseiro por parte do agente público deverá restar comprovada nos autos do processo de responsabilização e o montante do dano ao erário, ainda que expressivo, não poderá, por si só, ser elemento para caracterizar o erro grosseiro.

Com o objetivo dispor sobre a responsabilização de agentes públicos pelas suas ações ou omissões em atos relacionados com a pandemia de Covid-19, de forma a salvaguardar os atos praticados de boa fé e garantir que as sanções civis e administrativas recaiam somente sobre aqueles praticados com dolo ou erro grosseiro, o Presidente da República, no uso da atribuição conferida pelo art. 62 da CF/88, editou a Medida Provisória 966/20 que, resumidamente e, conforme se pode ver abaixo, conferiu força de lei a dispositivos constantes do decreto 9.830/191, estabelecendo que o mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica, necessariamente, responsabilização do agente público, seria preciso que o ato tivesse sido praticado com erro grosseiro ou dolo:

Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:

  1. I - enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e
  2.  combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19.

§ 1º  A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará:

  1. se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou
  2. se houver conluio entre os agentes.

§ 2º O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público.

Art. 2º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.

Art. 3º Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados:

  1. os obstáculos e as dificuldades reais do agente público;
  2. a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público;
  3. a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;
  4. as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e
  5. o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas.

Conforme ainda será objeto de considerações específicas, a Medida Provisória 966/20 foi questionada em seis ações junto ao STF: ADIn 6.421, ADIn 6.422, ADIn 6.424, ADIn 6.425, ADIn 6.427 e ADIn 6.428.

Por fim, nos termos do Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional 123 publicado no D.O.U. do dia 22/0/20, comunicou-se a Medida Provisória 966/20 teve seu prazo de vigência encerrado no dia 10 de setembro de 2020.

2) Os Tribunais de Contas, a avaliação de responsabilização sob a ótica do gestor médio e a caracterização do erro grosseiro

Sem o objetivo de esgotar a forma como os órgãos de controle que compõem o Sistema Tribunal de Contas abordam o instituto do erro grosseiro, trazemos como linha geral de entendimento a que restou apresentada na declaração do Ministro Bruno Dantas no Acórdão 2.860/18 do Plenário do TCU no sentido de que o administrador médio só pode ser responsabilizado à luz do caso concreto quando incorre numa conduta dolosa ou quando incorre na prática de um erro grosseiro, que, ao seu turno consiste em "negligência extrema, imperícia ou imprudência extraordinárias, que só uma pessoa bastante descuidada ou imperita comete. É o erro que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal, ou seja, que seria evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, consideradas as circunstâncias do negócio".

Já sobre a caracterização deste chamado “administrador médio”, trazemos para fins didáticos, o entendimento da 2ª Câmara do TCE/MG nos autos da Tomada de Contas 848348:

A questão deve ser enfocada do ponto de vista do gestor médio, aquele cujas diligências, sensibilidade, idiossincrasias e sentimentos éticos e morais sejam representativos da população brasileira. Sobre o tema, mutatis mutandis, traz-se à colação a doutrina de Sílvio Rodrigues: Ao se perquirir se existe, ou não, erro de conduta por parte do causador do dano, deve-se comparar o seu comportamento com aquele que seria normal e correntio em um homem médio, fixado como padrão. Se de tal comparação resultar que o dano derivou de uma imprudência, imperícia ou negligência do autor do dano, nos quais não incorreria o homem padrão, criado in abstracto pelo julgador, caracteriza-se a culpa, ou seja, o erro de conduta.

Pelo que se percebe, ao fim e ao cabo, essa construção em torno do “administrador médio” para apurar a prática do erro grosseiro finda por trazer parâmetros mais subjetivos e casuísticos que os que constam dos parágrafos do art. 12 do decreto 9.830/19.

Os subjetivismos em torno dos elementos caracterizadores do “administrador médio” permitem que, na prática, diversas condutas sejam reputadas como erro grosseiro por parte dos órgãos de controle externo.

3) Os contornos doutrinários do erro grosseiro

É preciso constatar que a “cláusula geral do erro administrativo2” prevista no art. 28 da LINDB, destaca o óbvio: que o erro é inerente a qualquer atividade humana, não sendo diferente na gestão pública3.

Neste cenário, é necessário proteger o agente público que tenha incorrido em erro escusável, sendo esta a premissa do art. 28 da LINDB, conforme se pode ver abaixo:

(...) o art. 28 da LINDB veio com o propósito de proteger o gestor público que tem a pretensão de adotar as medidas que lhe pareçam as mais condicentes com uma boa administração pública, mas tem receio de ser penalizado. (...) Um dos méritos do art. 28 da LINDB está em tolerar o cometimento de erros escusáveis por parte do gestor público. Isso cria um ambiente propício para o experimentalismo na Administração Pública, no qual o gestor público seguro de que eventuais erros escusáveis na aplicação da medida inovadora não acarretarão a sua responsabilização, terá plena liberdade para escolher as medidas que efetivamente lhe pareçam ser as mais adequadas para resolver os problemas concretos enfrentados pela Administração Pública. (Guimarães, Edgar e Fernandes, Paulo Vinicius Liebl, “Repercussões da lei 13.655/18 sobre a atividade decisória dos Tribunais de Contas”, A lei de introdução e o direito administrativo brasileiro, Thiago Priess Valiati, Luis Alberto Hungaro, Gabriel Morettini e Castela (coord.), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, págs. 332 e 334)

O art. 28 da LINDB busca evitar as situações nas quais “a mera opinião divergente do órgão revisor (controlador) seria suficiente para atrair a culpa do agente público (administrador ou gestor)”4, tendo o condão de afastar a incidência do controle em erros que não sejam caracterizados como grosseiros:

O chamado ‘apagão das canetas’ dos agentes públicos é uma realidade que já e conhecida, vivenciada por gestores de carne e osso, explicitadas em matérias e reportagens e segue a paralisar as atividades estratégicas de infraestrutura do País, quando diante da envergadura do projeto a ser implementado o temor de assinar qualquer documento que lhes possa comprometer no futuro, especialmente em razão de divergência na interpretação pelos órgãos de controle externo, fazem com que nada seja feito e a inércia e omissão sejam a tônica. (...) a hermenêutica em torno do art. 28 deve ter sempre em conta a intenção declarada dos autores do anteprojeto e a mens legis no sentido de recompensar o administrador ou gestor público probo, íntegro e honesto, no sentido de lhe tirar o pé os órgãos revisores (administrativos, controladores ou judiciais) (...) (Andrade, Fábio Martins de, Comentários à lei 13.655/18, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, pág. 279)

Em que pese a doutrina entender que o erro grosseiro equivale à culpa grave5 ou temerária6, não há um estudo ou um debate mais aprofundado sobre o que o caracteriza na prática, sendo as únicas balizas objetivas nesse sentido encontradas nos parágrafos do art. 12 do decreto 9.830/19 e não na doutrina.

4) O julgamento conjunto da ADIn 6.421, ADIn 6.422, ADIn 6,424, ADIn 6.425, ADIn 6.427, ADIn 6.428 e os parâmetros traçados pelo STF para a caracterização do erro grosseiro que resulta na responsabilização do agente público

Numa síntese grosseira a Medida Provisória 966/20 isentava agentes públicos de responsabilização por erros que viessem a cometer, desde que não fossem erros grosseiros, ao lidar com a crise sanitária e econômica em decorrência da pandemia.

No voto-vogal do Min. Gilmar Mendes no julgamento conjunto da ADIn 6.421, ADIn 6.422, ADIn 6.424, ADIn 6.425, ADIn 6.427 e ADIn 6.428 definiu-se, de forma mais restrita que na Medida Provisória 966/20, que o erro grosseiro se caracteriza quando o agente público não observar critérios científicos e de organizações reconhecidas nacional e internacionalmente, especialmente a Organização Mundial de Saúde (OMS).

À luz de tais premissas do voto-vogal, o plenário do STF, por maioria, estabeleceu que o agente público deveria, para tomar medidas de combate à pandemia, observar o que estabelecem as organizações e entidades reconhecidas para não ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado.

Destaque-se ainda que os ministros também assentaram a valorização dos princípios da prevenção e da precaução.

Ao final, a tese do julgamento restou assim fixada:

  1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado, por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
  2. A autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades, internacional e nacionalmente reconhecidas; e (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos.

Perceba-se que os parâmetros fixados pelo STF não deram albergue aos subjetivismos em torno dos elementos caracterizadores do “administrador médio”, entretanto findaram por abraçar outros subjetivismos, vez que a análise da interpretação conferida pelo gestor a “normas e critérios científicos e técnicos” ficou sem parâmetros totalmente objetivos, notadamente se os princípios constitucionais da precaução e da prevenção forem utilizados no caso concreto para subsumir a conduta analisada àquilo que pode ser tipificado como erro grosseiro.

O único parâmetro objetivo que pode ser extraído do entendimento do STF é o de que os agentes públicos devem se fiar, à luz do princípio da prevenção, no que é consenso técnico por parte de alguma organização científica nacional ou internacional e, na inexistência do mencionado consenso, devem se fiar pelo princípio da precaução e adotar, dentre as opções possíveis àquela que em tese seja mais protetiva ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado.

Percebe-se, portanto, que, apesar da construção feita pelo STF, restou ainda uma grande margem de insegurança na definição do que pode ser enquadrado como erro grosseiro, vez que as escolhas do agente público, salvo àquelas que tenham sido lastreadas em entendimentos técnico-científicos incontroversos (os quais, convenhamos, na seara da pandemia de Covid-19, são raros), serão objeto de uma análise a posteriori calcada em elementos subjetivos.

Ora, neste particular, como aferir, na prática, se um determinado agente público agiu embasado no princípio da precaução sem adentrar no mérito administrativo e sem ignorar a discricionariedade técnica? Nos moldes traçados pelo STF, tal análise acerca da responsabilização restará impossível sem a utilização de critérios subjetivos.

5) Com o encerramento do prazo de vigência da Medida Provisória 966/20, o debate sobre a caracterização do erro grosseiro que resulta na responsabilização do agente público deve se pautar pela criação de critérios objetivos

Ao se buscar um delineamento de uma moldura interpretativa para o artigo 28 da LINDB, é preciso ter em mente que, na seara do Direito Administrativo Sancionador, o erro grosseiro precisa ser analisado à luz das garantias do Direito Penal.

Uma trilha que pode ser traçada é que vem sendo construída pelo STJ, haja vista que aquela Corte possui entendimentos no sentido de que na apuração do cometimento de infrações administrativas (onde inequivocamente se insere o art. 28 da LINDB) há o dever de se observar garantias típicas do Direito Penal, como por exemplo, aplicação do princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica (RMS 37.031/SP); vedação da analogia in malam partem (REsp 1.216.190/RS) e possibilidade de invocar o estado de necessidade como excludente de ilicitude (REsp 1.123.876/DF).

Registre-se que o próprio STF deixou consignado na Rcl 41.557 que o direito administrativo sancionador se aproxima muito do direito penal e deve ser compreendido como uma extensão do jus puniendi estatal e do sistema criminal, pois, para aplicar a vedação ao bis in idem a um caso concreto, o STF entendeu que é preciso adotar um enfoque conjunto no campo da política sancionadora e que o Direito Administrativo Sancionador deve ser entendido como um autêntico subsistema penal.

Ao final, extraiu-se do voto do relator na Rcl 41.557 que a unidade do jus puniendi do Estado obriga a transposição de garantias constitucionais e penais para o Direito Administrativo Sancionador.

Indo na esteira do que restou decidido na Rcl 41.557, o debate sobre a caracterização do erro grosseiro que resulta na responsabilização do agente público deve, com a devida vênia, se afastar da solução conferida no julgamento conjunto da ADIn 6.421, ADIn 6.422, ADIn 6.424, ADIn 6.425, ADIn 6.427 e ADIn 6.428, haja vista que a transposição de garantias constitucionais e penais para o Direito Administrativo Sancionador claramente não permite que a avaliação da eventual prática de erros grosseiros por parte de agentes públicos seja feita à luz de critérios subjetivos.

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1 É preciso registrar que tal intento da Medida Provisória 966/2020 de conferir força legal a preceitos contidos no Decreto 9.830/2019 teria, caso tivesse restado exitoso ao final, o condão de afastar dúvidas quanto a aplicabilidade do regulamento da LINDB a Estados, DF e Municípios, pois como bem advertia Geraldo Ataliba “será inconstitucional o regulamento que pretenda inserir-se entre a lei e a autoridade ou agente estadual e municipal, ainda que se trate de lei do Congresso. Porque, das duas uma: ou será lei simplesmente federal - que pode ser objeto de regulamentação - que não é obrigatória para Estados e Municípios, ou se trata de lei nacional. Neste último caso, uma regulamentação só pode ser precedida por ato normativo - lei ou decreto - estadual ou municipal, sem tolerar interferência do Presidente da República ou de quem quer que seja. Isto, por faltar ao regulamento o pressuposto de se tratar de lei que cabe ao Presidente executar. É que o Presidente só tem competência na esfera das leis da União e, nesta, no âmbito Executivo, em matérias executivas e administrativas, na forma da lei.” (Ataliba, Geraldo, Decreto Regulamentar no Sistema Brasileiro, Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 11: 21-85, jul/set., 1980, pág. 27, disponível em bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/download/32548/31364, acesso em 16/05/2019)

2 “Haverá dolo quando o gestor agir com intenção de praticar um ato contrário à Administração Pública. Ou, ainda, o técnico que deliberadamente recomende algo indevido (e.g. um laudo médico que pine falsamente pela licença de um servidor por razões de saúde). A demonstração da ocorrência de dolo, normalmente refletida em uma fraude, pressupõe exame de elemento subjetivo, o que traz dificuldade probatória, e dependerá de investigação cuidadosa. (...) estão abrangidas na ideia de erro grosseiro as noções de imprudência, negligência e imperícia, quando efetivamente graves – ou gravíssimas. (...) É necessário admitir que haja tentativas fracassadas. É preciso assegurar que equívocos de prognoses não impliquem imediata responsabilização, salvo se o erro for efetivamente grosseiro. Do contrário, o incentivo do gestor é de cumprir com os ritos sem se por gestão mais eficiente, impossível desconsiderar um tratamento diferente ao erro e aos meios de controle. (...) O administrador precisa aprender errando. Assim é apto a adaptar escolhas e considerar rearranjos institucionais. A visão é declaradamente pragmatista e pressupõe a constante reanálise de prognoses e avaliação das consequências. (...) o erro grosseiro é um código dogmático que exprime como a culpa deve ser valorada para que o agente público possa ser responsabilizado. E isso atende a objetivos concomitantes que o legislador pretendeu harmonizar ao fazer a sua escolha: de um lado, a repressão a casos de negligência, imprudência e imperícia graves, e, de outro lado, a promoção da segurança jurídica e de uma certa abertura experimental a soluções inovadoras pelo agente público. O dever de boa Administração será cumprido pelo agente público que se mantiver no limite entre os deveres de prudência e inovação, sem desbordar os extremos. (...) O art. 28 da LINDB constitui espécie de cláusula geral de erro administrativo. Seu escopo, como tal, é oferecer segurança jurídica ao agente público com boas motivações, mas falível como qualquer pessoa. (...) admitir o erro, salvo quando grosseiro, faz sentido num regime jurídico que pretenda viabilizar soluções inovadoras e impedir que as carreiras públicas se tornem armadilhas para pessoas honestas, capazes e bem intencionadas.” (Binenbojm, Gustavo e Cyrino, André. Art. 28 da LINDB – A cláusula geral do erro administrativo, Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 203-224, nov. 2018. ISSN 2238-5177. Disponível em:. Acesso em: 12 Abr. 2019. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v0.2018.77651)

3 “Toda atuação da Administração Pública é antecedida de um processo psicológico do agente responsável a respeito dos fatos relevantes e das normas potencialmente incidentes. O administrador analisa, em sua ponderação decisória, situações pretéritas e atuais e, com base nelas, projeta o que ocorrerá no futuro. Além disso, interpreta os enunciados normativos, precedentes judiciais e administrativos, ensinamentos doutrinários e outras fontes formais e informais do direito que, segundo sua concepção de momento, sejam importantes para a tomada de decisão. A representação mental que o agente público realiza dos fatos e normas que fundamentam a formação da vontade administrativa, no entanto, não necessariamente será correta. É inevitável, em algum momento, que o administrador incorra em algum vício na formação de sua vontade e, consequentemente, baseie sua atuação em uma apreensão equivocada do mundo. (...) O erro, diante das razões acima apresentadas, é conceituado como uma desconformidade não intencional entre a percepção do administrador público acerca dos motivos que basearam sua atuação e a realidade fática ou jurídica. Em outros termos, haverá erro sempre que, de maneira acidental, as razões utilizadas pelo gestor como base para a atuação administrativa não corresponderem à realidade.” (Dionisio, Pedro de Hollanda, O erro no direito administrativo: conceito, espécies e consequências jurídicas, Nova LINDB: consequencialismo, deferência judicial, motivação e responsabilidade do gestor público, Maffini, Rafael e Ramos, Rafael (coord.), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020, págs. 229/232)

4 Andrade, Fábio Martins de, Comentários à lei nº 13.655/2018, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, pág. 272.

5 “A culpa pode ser grave, leve ou levíssima. A primeira (culpa grave) é considerada por vários doutrinadores uma negligência extremada do agente, equiparada ao dolo, enquanto que a segunda (culpa leve), a falta de diligência própria do bonus pater famílias, cujo ato poderia ser evitado com uma atenção ordinária e a última (culpa levíssima) seria aquela em que a falta não ocorreria em razão de um cuidado extraordinário. (...) a noção de erro grosseiro, vale dizer, o agir com incúria, desídia, sem qualquer cuidado, com real desprezo pela coisa pública, equivale à culpa grave que, por sua vez, se assemelha ao dolo.” (Donnini, Rogério, “Responsabilidade civil do agente público. O art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Anotada, Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, Volume II, Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho et. al. (org.), São Paulo: Quartier Latin, 2019, pág. 405)

6 “(...) com a inovação legal, exige-se, quando se envolver a responsabilização de gestor, a existência de dolo ou erro grosseiro. A exigência deste faz com que haja necessidade de se aferir o grau da culpa. Nesse particular, vem a calhar a lição de Ángeles de Palma del Teso, para quem é possível se estender ao Direito Administrativo sancionador os graus de culpa recepcionados pelo Direito Civil. Assim, tem-se a culpa lata ou temerária, a leve e a levíssima. O erro grosseiro, a nosso sentir, aproxima-se da culpa temerária, sobre a qual expõe a autora: ‘A imprudência temerária, que coincide com a culpa lata, é a modalidade mais grave. Supõe a vulneração das normas de cuidado e diligência que respeitaria a uma pessoa menos diligente, a não observância do cuidado e diligência que se exige ao menos cuidadoso, atento ou diligente. A escala utilizada é a pessoa menos inteligente.’ (...) Desse modo, já não basta mais a simples presença de negligência ou imprudência para que o gestor possa vir a ser responsabilizado. O equívoco grosseiro requer a constatação de culpa temerária, ou seja, grave.” (Nobre Júnior, Edilson Pereira, As normas de Direito Público na Lei de Introdução ao Direito brasileiro: paradigmas para interpretação e aplicação do Direito Administrativo, São Paulo: Editora Contracorrente, 2019, págs. 193/195)

Aldem Johnston Barbosa Araújo
Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE. Especialista em Direito Público.

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