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As razões que levaram à origem das organizações sociais e dos contratos de gestão

A gênese das organizações sociais e do contrato de gestão como decorrência da reforma administrativa do aparelho do Estado.

26/8/2022

No Brasil, até a década de 80, vigorava o modelo de desenvolvimento econômico que privilegiava a atuação direta do Estado no setor produtivo.

No entanto, referido modelo entrou em decadência com o agravamento da crise fiscal do Estado, ocasionando inúmeras consequências negativas, dentre elas, a gradativa perda da qualidade dos serviços públicos no País.

Reagindo-se a esse processo, idealizou-se, na década de 90, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, envolvendo-se a Administração Pública, em sentido amplo, ou seja, a estrutura organizacional do Estado, em seus 3 (três) Poderes 1, no âmbito de todos os entes federados 2.

A implantação, no Brasil, do modelo de Administração Pública Gerencial, portanto, sagrou-se como o objetivo primordial de tal reforma, pautada pelos valores da eficiência 3, qualidade e produtividade na prestação de serviços públicos.

Logo, como consequência do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, foram definidos objetivos bem como estabelecidas diretrizes para a reforma da Administração Pública Brasileira, visando à sua modernização, destacando-se, dentre eles, aqueles referentes à implantação da publicização de serviços estatais não exclusivos 4, tais como os relacionados à educação, saúde, cultura e pesquisa científica.

Nas palavras de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

“No Brasil, as principais alterações decorrentes da Reforma Administrativa, tendentes à adoção do modelo de administração gerencial propugnado no “Plano Diretor da Reforma do Estado”, já total ou parcialmente implementadas, podem ser assim sintetizadas:

(...)

d) parcerias com pessoas jurídicas privadas, sem fins lucrativos, não integrantes da Administração, para a prestação de serviços de utilidade pública e assistenciais, visando à futura transferência ao setor privado dessas atividades, com estímulo (repasse de recursos públicos) e fiscalização do Estado (celebração de contratos de gestão, possibilidade de desqualificação etc.); (...)” 5 

Alterações legislativas constitucionaisforam necessárias visando a tal mister e, igualmente, infraconstitucionais, com destaque, dentre essas últimas, à promulgação da lei 9.637/98, a qual “Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências.” 7

Segundo a Prof.ª Maria Sylvia Zanella Di Pietro, as Organizações Sociais “São pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado, com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de contrato de gestão.” 8 

Nas palavras do Prof. Rafael Carvalho Rezende Oliveira:

“As Organizações Sociais são entidades privadas, qualificadas na forma da lei federal 9.637/98, que celebram “contrato de gestão” com o Estado para cumprimento de metas de desempenho e recebimento de benefícios públicos (ex.: recursos orçamentários, permissão de uso de bens públicos, cessão especial de servidores públicos).” 9 (Grifados e sublinhados não constam do original)

Tais pessoas jurídicas de direito privado, assim qualificadas após o preenchimento de determinados requisitos legais expressos em sua legislação de regência, compõem, juntamente com outras organizações de natureza privada 10, o chamado TERCEIRO SETOR, assim conceituado pelo referido Professor:

“A expressão “Terceiro Setor” refere-se às entidades da sociedade civil sem fins lucrativos, que desempenham atividades de interesse social mediante vínculo formal de parceria com o Estado.” 11

Ainda segundo os ensinamentos do mencionado doutrinador, são características comuns a todas as entidades do Terceiro Setor:

  1. “são criadas pela iniciativa privada;
  2. não possuem finalidade lucrativa;
  3. não integram a Administração Pública Indireta;
  4. prestam atividades privadas de relevância social;
  5. possuem vínculo legal ou negocial com o Estado;
  6. recebem benefícios públicos.” 12

Da definição de Organização Social levada a efeito pela Prof.ª Maria Sylvia Zanella Di Pietro, depreende-se que o vínculo jurídico entre tal pessoa jurídica de direito privado e o Poder Público será efetivado por meio de contrato de gestão.

A propósito, novamente o magistério da Prof.ª Maria Sylvia:

“Fora do âmbito da Administração pública direta e indireta, os contratos de gestão estão previstos no direito positivo como modalidade de ajuste a ser celebrado com instituições não governamentais passíveis de serem qualificadas como organizações sociais, para fins de prestação de serviço público ou atividades de interesse público, mediante fomento pelo Estado.” 13 (Grifados e sublinhados não constam do original)

Ricardo Alexandre e João de Deus assim o conceituam:

“O contrato de gestão, também conhecido por acordo-programa, é uma espécie de ajuste feito entre, de um lado, a Administração Direta e, de outro, órgãos da própria Administração Direta ou entidades da Administração Indireta ou, ainda, entidades do chamado Terceiro Setor. O objetivo do contrato de gestão é o atingimento de determinadas metas de desempenho pelos órgãos ou entidades em troca de determinado benefício concedido pelo Poder Público.” 14

Por meio da Emenda Constitucional n.º 19/98, restou expressa a menção ao contrato de gestão na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, doravante denominada, apenas, de CRFB/88, conforme se depreende da introdução do §8º ao art. 37 do Texto Constitucional:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:

I - o prazo de duração do contrato;

II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;

III - a remuneração do pessoal.” (...)”

Introduzido no caput do art. 37 da CRFB/88 como um dos pilares de orientação de toda a atuação da Administração Direta e Indireta em todas as esferas de governo, o princípio da eficiência, nas palavras de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, “... vem sendo apontado por muitos, como o “fim último do contrato de gestão”. Por outro lado, quando firmado com as pessoas privadas denominadas “organizações sociais”, esses contratos constituem-se em um meio de efetivar o processo de privatização da prestação de serviços públicos, uma vez que as organizações sociais visam a substituir entidades da Administração Indireta que prestam serviços públicos não exclusivos de Estado.” 15 

Entendem referidos autores que tal “... contrato restringe a autonomia da pessoa privada, uma vez que ela passa a sujeitar-se às exigências contidas no contrato e ao controle relativo à gestão dos bens e recursos públicos a ela cedidos, bem como ao atingimento dos resultados entre as partes acordados.” 16

Por fim, necessário ressaltar que, embora o texto constitucional se refira apenas a contrato, sem qualificá-lo como “de gestão”, é consenso unânime na doutrina que o contrato a que se refere o §8º do art. 37 da CRFB/88 é o Contrato de Gestão.

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1 Executivo, Legislativo e Judiciário.

2 União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

3 Importante ressaltar que o Princípio da Eficiência foi inserido no caput do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 por meio da Emenda Constitucional 19/98.

4 Implementação de tal escopo mediante a transferência destes serviços para o setor público não estatal, por meio do chamado TERCEIRO SETOR.

5 ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO. 20ª ed. São Paulo. Editora Método. 2012. p. 134.

6 Cite-se, como exemplo, as ECs 19 e 20/98, sendo que a EC 19/98 pode ser considerada como o mais importante instrumento legitimador da reforma da Administração Pública no Brasil.

7 Importante salientar, nesse contexto, que o E. Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 1923 MC/DF, confirmou a constitucionalidade da lei 9.637/98.

8 DI PIETRO, Maria Sylvia. DIREITO ADMINISTRATIVO. 15ª ed. São Paulo. Editora Atlas. 2003. p. 419.

9 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito ADMINISTRATIVO. 2ª ed. São Paulo. Editora Método. 2014. p. 192.

10 Dentre as entidades componentes do Terceiro Setor, incluem-se as declaradas de utilidade pública, os serviços sociais autônomos (SESI, SESC, SENAI) bem como as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

11 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit. p. 189.

12 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Op. cit. 190.

13 DI PIETRO, Maria Sylvia. PARCERIAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 7ª ed. São Paulo. Editora Atlas. 2009. p. 264.

14 ALEXANDRE, Ricardo e DE DEUS, João. Direito Administrativo Esquematizado. 1ª ed. São Paulo. Editora Método. 2015. p. 87.

15 ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Op. Cit. p. 137

16 ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Op. Cit. p. 138

Leonardo Henrique Aleiksciviez Michelotti Barboza
Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) - Largo São Francisco, em 1999. Advogado (Direito Civil e Direito Administrativo). Sócio fundador da Aleiksciviez Sociedade Individual de Advocacia, em São José dos Campos/SP

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