O núcleo essencial dos direitos sociais corresponde ao mínimo existencial, devendo ser aferido no caso concreto, em que pese a possibilidade de se fixar diretrizes para essa constatação, que, por sua vez, deve guardar relação direta com o próprio conceito de dignidade da pessoa humana, especialmente em relação às prestações estatais efetivamente devidas às pessoas.
A coexistência harmônica da eficácia positiva da dignidade de um lado e, do outro, da separação de poderes e do princípio majoritário, depende da atribuição de eficácia jurídica positiva somente ao núcleo da dignidade, denominado mínimo existencial, reconhecendo-se legitimidade constitucional do Poder Judiciário para determinar prestações necessárias à sua efetiva satisfação.
A ideia de um mínimo existencial opera como limite do conteúdo que demanda eficácia imediata dos direitos prestacionais, minimizando os custos e estabelecendo aquilo que seria realmente exigível do Estado, sob a forma de eficácia jurídica positiva, entretanto, somente naquilo que se relaciona ao núcleo da dignidade da pessoa humana.
O mínimo existencial necessita ser determinado na forma de dois círculos concêntricos, sendo que o inferior cuidará do mínimo de dignidade, que é uma decisão fundamental do poder constituinte originário, a ser respeitado por todos, por representar o efeito concreto mínimo e exigível pretendido pela norma. Já o espaço entre o círculo interno e o externo é ocupado pela deliberação política.
Ao legislador infraconstitucional cabe, para além do mínimo determinado pela Constituição, o desenvolvimento da concepção de dignidade prevalente em cada momento histórico, conforme as escolhas do povo, tornando desnecessária a determinação de todo o conteúdo do princípio ou de todas as suas pretensões, pois a dignidade da pessoa humana contém um campo livre para a deliberação política.
Neste viés, faz-se imperioso determinar qual seria o núcleo essencial do direito social à moradia, que, por sua vez, deverá corresponder a uma medida necessária para a garantia do mínimo existencial, ou seja, de uma medida que demonstra ser indispensável à fruição de uma existência condigna de parte do cidadão.
Sem um lugar adequado para proteger-se a si e à sua família contra as intempéries, para gozar de intimidade e privacidade, essencial para viver com um mínimo de saúde e bem-estar, a pessoa não terá assegurada sua dignidade, nem mesmo o próprio direito a uma existência física, correspondente, no limite ao seu direito à vida.
Trata-se, entretanto, de um tema dos mais delicados, especialmente em decorrência das limitações intrínsecas e extrínsecas dos direitos fundamentais, dentre elas se destacando a chamada “reserva do possível”, que, em acordo com boa parte da doutrina nacional, dita o contraste entre as limitadas dotações orçamentárias e as ilimitadas necessidades dos cidadãos.
Há, no Brasil, certo consenso no sentido da possibilidade da proteção judicial do mínimo existencial. Algumas controvérsias importantes, no entanto, subsistem no que se relaciona à matéria, por intermédio das quais indaga-se, inicialmente, se a referida proteção é ou não absoluta, ou, ainda, se se encontra ou não sujeita à “reserva do possível”, utilizada muitas vezes pelo Estado para negar direitos fundamentais.
Além disso, debate-se sobre se o mínimo existencial atua, no mesmo sentido, como um limite máximo no sentido da sindicabilidade dos direitos prestacionais, encontrando-se, portanto, fundamentada na própria Constituição Federal de 1988, ou se se faz possível a concessão de prestações que não se encontram previstas em lei que excedam ao mínimo.
Nesse mesmo contexto, as escolhas alocativas terminam por ser, também, “desalocativas”, tendo em vista que subtraem as “fatias do bolo” em relação aos recursos existentes, mesmo quando tal situação não se encontre explicitado. De maneira a lidar com o referido fenômeno econômico é que se elaborou o conceito da “reserva do possível”.
Nesse âmbito, a denominada reserva do possível pode ser desdobrada em três componentes diversos. O componente fático respeita à efetiva existência de recursos necessários à satisfação do direito prestacional em jogo. O componente jurídico, por sua vez, liga-se à existência de uma autorização legal, especialmente em lei orçamentária, para realizar despesa exigida pela efetivação do direito.
Por último, a razoabilidade da prestação deve considerar os recursos existentes e todos os demais encargos que pesam sobre o Estado. Dentre esses, tanto o componente jurídico é inoponível às prestações compreendidas pelo mínimo existencial, quanto o é a razoabilidade da reserva do possível, notadamente se for definido de maneira compatível com a universalização do mínimo.
A questão, no entanto, torna-se mais complexa naquilo que se relaciona ao componente fático da reserva do possível, tendo em vista que o obstáculo não é jurídico ou ético, mas, sim, decorrente da realidade econômica. Ocorre que reserva do possível fática não pode ser entendida somente a partir de uma pretensão individual demandada em juízo.
O direito à moradia, ainda que se relacione ao mínimo existencial deve ir além do simples abrigamento da pessoa voltado à sua proteção em relação aos elementos, devendo, sim, expandir-se em paralelo ao próprio conceito de personalidade, até porque a dignidade da pessoa humana não pode ser alcançada somente pela simples habitação de um imóvel.
Neste viés é que o direito à moradia, ainda que de difícil implantação em um país continental como o Brasil, com tantas desigualdades sociais e econômicas, necessita de efetivas políticas públicas da União, Estados e Municípios, diminuindo o deficit habitacional e resgatando a dignidade de inúmeras pessoas e famílias.