O Código Civil brasileiro dispõe acerca das normas relativas ao regime econômico matrimonial e convivencial, que deverá vigorar entre os cônjuges e, no que couber, será igualmente aplicado em relação às uniões estáveis.
O escopo deste artigo não é o afunilamento das características de cada um desses regimes de bens, mas uma análise, ainda que breve, acerca do pano de fundo que permeou o estabelecimento destes regimes pela legislação, a fim de que se reflita acerca das tendências que circundam o tema.
Pois bem, é impensável que se concretize um casamento civil (ou uma união estável) sem a eleição do regime de bens, isto porque, são os regimes que têm o condão de disciplinar a relação econômica e patrimonial entre os cônjuges, na constância do casamento, ou dos conviventes na constância da união estável.
No Código Civil de 1916 foram instituídos quatro regimes de bens, a saber: o regime dotal, a comunhão parcial de bens, a separação total de bens e a comunhão universal de bens. Àquela época, uma vez escolhido o regime de bens, não era possível sua alteração.
Até da lei do divórcio, de 26 de dezembro de 1977 (lei 6.515/77), o regime da comunhão universal de bens era tido como o “regime legal”, ou seja, aquele que seria automaticamente observado acaso os interessados não se manifestassem acerca de qual regime de bens adotariam ao casar-se.
Sem sombra de dúvidas a escolha do regime da comunhão universal de bens como regime oficial teve como premissas questões de cunho histórico e moral. Não se olvida dizer que durante muito tempo a mulher esteve inserida em uma sociedade onde era tida como propriedade da família, vez que era criada e educada para servir, ao passo que o homem para prover o lar e administrar os bens, sendo, portanto, colocada em uma situação clara de subserviência diante da supremacia masculina.
Após a Lei do Divórcio, uma vez que não existisse pacto antenupcial entre os nubentes, o regime a ser estabelecido no casamento passou a ser o da comunhão parcial de bens – o que ocorre até os dias atuais, extensivo às uniões estáveis.
Com a evolução social, econômica, cultural e política sofrida por nossa sociedade observaram-se sensíveis mudanças na forma de constituição familiar.
Dentre elas que caberia a ambos os cônjuges a efetiva participação na administração da família, já que se reconhecia que homens e mulheres estavam em um mesmo plano jurídico.
Enquanto se verificavam tais mudanças, diversas foram as legislações que cuidaram de tentar implantar esta dita igualdade entre homens e mulheres, buscando romper com a supremacia masculina.
Nesse sentido, tem-se a Constituição Federal de 1988, um dos marcos mais valiosos na busca da igualdade de gêneros, vez que homenageia a igualdade de todos perante a lei, ressaltando aí a igualdade entre cônjuges.
Posteriormente, o Código Civil de 2002 revogou o anterior e manteve a existência de quatro regimes de bens, colocando fim ao chamado regime dotal e criando o regime de participação final nos aquestos, os demais mantidos inalterados (a comunhão parcial de bens; a comunhão universal de bens; a separação de bens, obrigatória ou convencional). Ademais, ajustes decorrentes da evolução da sociedade foram inseridos dentro de cada regime, de forma que se amoldassem ao cenário mais atualizado.
Vislumbra-se, ainda, a possibilidade, se assim o casal entender pertinente, que se “misturem” os regimes através do instrumento denominado pacto antenupcial, o qual, entre outros aspectos, poderá se instrumento para a criação e consequente proteção legal de regimes híbridos.
Ademais, a legislação pátria passou ainda por importante mudança, sendo deixada de lado a questão da imutabilidade do regime de bens, privilegiando-se um sistema de liberdade de escolha e possibilidade de mudança incidental do regime matrimonial.
Nota-se que o Estado passou a intervir de forma mínima nas questões patrimoniais familiares, fugindo ao seu interesse definir como o casal deva conduzir sua vida conjugal, cabendo-lhe tão somente ditar os preceitos legais e examinar as consequências jurídicas das escolhas que houverem sido feitas pelas partes quando for chamado a intervir.
Estes avanços deixaram para trás a ideia baseada no cenário social que até então existia, onde comumente poderia a mulher sofrer a influência psicológica do marido, sem que pudesse
manifestar livremente seus quereres, tornando-se refém do esposo e, porque não dizer, do próprio matrimônio.
Ainda que ocorridos tais avanços, tem-se, concessa vênia, que o sistema de bens no casamento civil já espelha as mudanças trazidas pelos novos modelos de relações.
Há algum tempo tem-se como nítida a diminuição dos casamentos ou uniões estáveis realizadas sob o regime da comunhão total de bens, bem como se encontra praticamente em “desuso” o regime de participação final nos aquestos.
De fato, o regime que acaba frequentemente sendo mais adotado é o “regime padrão”, ou seja, da comunhão parcial de bens.
Lado outro, cada vez mais cresce a adoção do sistema de separação convencional de bens, aquele que decorre da autonomia privada das partes.
Esse regime apresenta como característica principal a separação de todo o patrimônio dos nubentes, a fim de que cada um tenha o domínio, a posse e administração dos bens e direitos que possuía antes de casar-se, bem como dos bens e direito que tenha adquirido na constância da união, o que se aplica, na mesma medida, em relação à responsabilidade exclusiva pelas dívidas que contraiu, seja antes e/ou depois do casamento.
Como visto, com o tempo e a mudança das condições materiais/financeiras de vida, levando-se ainda em consideração o progresso técnico, cultural e a evolução social, viu-se que a situação da mulher igualmente se transformou, alcançando grandes progressos, como a libertação da dependência e sujeição ao marido.
Em razão deste novo cenário social e condições materiais, a mulher passou a conquistar sua independência, bem como a contribuir ativamente para a economia familiar, tornando-se ainda competitiva com o homem no mercado de trabalho.
Toda essa evolução – incluindo-se aí a legislativa - é fruto de muitas lutas sociais e emancipatórias que certamente foram de suma importância para garantir este avanço patrimonial da mulher diante da sociedade conjugal, sendo que, tal independência, historicamente, reflete na adoção do regime de bens.
Não seria ilusão apontar que tais fatos têm ligação direta na crescente da adoção do regime da separação de bens, e é sob este aspecto se propõe que ocorra a reflexão: se será este o regime “do futuro”?
Acredita-se que sim, e um futuro este, nem tão longe assim.