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Assédio moral no meio ambiente de trabalho

Apresenta o conceito e características que marcam a conduta de assédio moral no ambiente de trabalho.

24/8/2022

Definir assédio moral tornou-se uma tarefa difícil devido ao volume significativo de violações que a conduta abriga, constatação que remete a uma generalização prejudicial ao adequado entendimento acerca do fenômeno, dando ensejo a apropriações indevidas.  É assim que, “(...) a partir de uma compreensão superficial, passa-se a atribuir essa denominação a diversos tipos de acontecimentos, de maneira inadequada, precipitada, imprudente e, em certos casos, conveniente.” (FIORELLI, FIORELLI e MALHADAS JU'NIOR, 2015, p.9)

O fato é que o assédio moral é uma violência que emoldura diferentes comportamentos, possível explicação para a citada imprecisão conceitual e delimitação no campo fático. Talvez decorra desta constatação a quantidade de derivações ou variantes do fenômeno trazidas na literatura especializada (assédio organizacional, assédio moral com viés discriminatório, assédio moral eleitoral etc.). Pamplona Filho e Santos (2020) definem o assédio moral no ambiente de trabalho como sendo

(...) a tortura psicológica perpetrada por um conjunto de ações ou omissões, abusivas e intencionais, praticadas por meio de palavras, gestos e atitudes, de forma reiterada e prolongada, que atingem a dignidade, a integridade física e mental, além de outros direitos fundamentais do trabalhador, comprometendo o exercício do labor e, até mesmo, a convivência social e familiar. (PAMPLONA FILHO e SANTOS, 2020, p.50)

O assédio moral não é episódico. A conduta é empreendida de forma continuada (repetitiva, sistemática, duradoura), em muitos casos até com intensidade progressiva e organizada, criando um ambiente de trabalho eivado por iniquidades, emocionalmente insalubre. A duração prolongada, traço característico do assédio moral, intensifica seus efeitos (dano), ampliando o perímetro social de sua repercussão, qual seja, a rede de relacionamentos da vítima e daqueles sensíveis à sua dor (dororidade), o que nos dá uma noção, ainda que aproximada, de sua causticidade social. A figura 1 ilustra, esquematicamente, as características que marcam o assédio moral no âmbito das relações de trabalho.

(Imagem: Divulgação)

Acrescentaria a este rol de características, a assimetria de poder ou influência entre agressor/agressora e vítima (força política espontânea), presente mesmo nos casos de assédio moral entre colegas posicionados no nível hierárquico.

A engenharia da conduta é demasiadamente complexa, compondo-se por um amplo repertório violências, inclusive tipos penais (racismo, injúria racial, calúnia, difamação, dentre outros). Significa afirmar que o assédio moral é uma violência plúrima, qual seja interconectada a diferentes outras formas de violação de direitos.  Trata-se de uma prática marcada pela afronta e desrespeito à dignidade da (o) trabalhadora/ trabalhador.

Ressalte-se, porém, que, a violência não é necessariamente verticalizada (top-down ou bottom-up), podendo ser observada entre pares do mesmo patamar hierárquico-funcional de atuação da vítima, hipótese de assédio moral horizontal. O assédio moral entre colegas é, muitas vezes, motivado pelo espelhamento de condutas das lideranças das áreas (independente da denominação que se atribua), o que nos leva a outra modalidade de assédio moral, aquela de natureza mista ou híbrida, indício ou parâmetro do quão contaminado e adoecedor pode se tornar o ambiente laboral.

É importante tecermos considerações sobre o impacto existencial da conduta. O cérebro humano destina, naturalmente, maior atenção às emoções negativas, condição vigilante que repercute em sua autoproteção quando vivência circunstâncias perigosas, perdas ou desconforto de qualquer natureza. A despeito da importância da citada proteção, esta predisposição constitutiva intensifica a ressonância das experiências negativas e traumáticas, condição que tende a produzir notado sofrimento íntimo, diluindo os efeitos benfazejos das emoções positivas sentidas paralelamente.

O assédio moral, em razão de sua duração e intensidade, aciona esse alerta cerebral, deslocando as suas vítimas para uma espiral de emoções negativas, dificultando seu aprendizado, o processo de memorização, suas interações sociais bem como o desempenho profissional, instaurando um ciclo destrutivo que desconstrói o significado atribuído ao trabalho, empobrecendo nesse mesmo tempo o repertório de experiências agradáveis. O ambiente de trabalho é forçosamento reduzido a um ‘lugar de opressão’. Opera-se, então, um sufocamento das emoções positivas pela predominância daquelas negativas (tristeza, frustração, raiva, culpa, desamor etc.).

Omais (2018, p.57) nos explica que “As emoções e afetividade positiva são essenciais para a saúde mental do ser humano, pois níveis baixos dessas emoções aumentam a vulnerabilidade a alguns distúrbios.

As vítimas de assédio moral, não raramente, experimentam um torvelinho de aflições, disparando os mecanismos possíveis de defesa psicológica (genuínos ‘gritos de socorro’). Ocorre que o tempo da violência, a omissão da administração e a conivência dos pares estabelecem um padrão de comportamento que desumaniza e normaliza a conduta, criando um ambiente de trabalho hostil, indiferente ao sofrimento do outro, portanto, propício à sua reprodução, nefário ao desenvolvimento profissional. O tempo e a longevidade das agressões são determinantes para o agravamento de seus efeitos existenciais, pois

As emoções negativas foram feitas para serem utilizadas por um período curto, ou seja, apenas o suficiente para tomarmos consciência de que algo errado está acontecendo, e que precisamos tomar alguma providência rápida. Logo, percebe-se que o problema não são as emoções negativas em si, mas sim o tempo que as pessoas ficam em contato com elas. (OMAIS, 2018, p.47)

A reverberação da violência não fica restrita à relação da vítima com seus pares ou com o trabalho em si, ecoando muito além do perímetro profissional.

As narrativas apontam para um estreitamento significativo do círculo social além da psiquiatrização da pessoa vitimada, gatilho de um movimento crescente de estigmatização à prejuízo de sua autoestima.

“A autoestima do ser humano é influenciada por uma série de fatores que são construídos psíquica e socialmente, sendo o afeto e as emoções elementos fundamentais dentro dessa construção.” (OMAIS, 2018, p.58)

(Imagem: Divulgação)

As vítimas são estruturalmente assujeitadas a estas condições aviltantes pela necessidade de sobrevivência, o que as silencia gradativamente, produzindo uma dor inacessível, a meu sentir, principal dimensão existencial da violência. Desejos, expectativas, esperanças de ascensão profissional e de reconhecimento social são contidas por esse silêncio forçado e imobilizante.

O sofrimento das vítimas de assédio moral se prolonga no tempo e as perseguições, em muitos casos, extrapolam o ambiente de trabalho, elevando o raio social da opressão. A naturalização do assédio e a ausência ou tempestividade de intervenções gerenciais necessárias estimulam o espelhamento da conduta e a conivência dos pares (ativa e passiva), tendendo a repercutir negativamente a imagem organizacional em seu mercado de atuação, especialmente no mundo do trabalho.

Encerro estas linhas destacando que constituem responsabilidades do empregador a promoção da saúde ocupacional e o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho (art. 157 da CLT). A integridade, física e psíquica da (o) trabalhadora / trabalhador, representa um dever patronal respaldado constitucionalmente. Para além da obrigação contratual, esse compromisso consiste em um dever de humanidade.

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FIORELLI, Jose' Osmir. FIORELLI, Maria Rosa. MALHADAS JU'NIOR, Marcos Julio Olive'. Assédio moral: uma visa~o multidisciplinar. Sa~o Paulo: Atlas, 2015.

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. SANTOS, Claiz Maria Pereira Gunça dos. Assédio moral organizacional: presencial e virtual. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

FREITAS, Maria Ester de. HELOANI, Jose' Roberto. BARRETO, Margarida. Asse'dio moral no trabalho. São Paulo: Cengage learning, 2008.

OMAIS, Saúla. Manual de Psicologia positiva. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2018.

Yumara Lúcia Vasconcelos
Docente e pesquisadora da UFRPE, pós-doutora em Direitos humanos (UFPE), doutora em Administração (UFBA), especialista em Direito civil e em Filosofia e teoria do Direito (PUC MINAS).

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