As técnicas de aceleração decisional, mediante institutos como tutela provisória, improcedência liminar, descumulação subjetiva (exclusão de um litisconsorte – art. 354, parágrafo único, do CPC) e objetiva (resolução parcial de mérito – art. 356, do CPC), dialogam diretamente com norma fundamental processual ligada à primazia da resolução de mérito e permitem maior celeridade à prestação da tutela jurisdicional.
Este texto tem por objetivo analisar quais seriam os critérios para a fixação de honorários sucumbenciais, nos dois casos de descumulação, interpretando o percentual estabelecido pelo legislador (entre 10% e 20%, - art. 85, §2º, do CPC). Este é o teor do dispositivo legal:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - O grau de zelo do profissional;
II - O lugar de prestação do serviço;
III - A natureza e a importância da causa;
O objetivo central deste ensaio é tentar contribuir no importante debate acerca do percentual de honorários sucumbenciais que deve ser fixado nos múltiplos pronunciamentos judiciais durante o andamento do feito que podem provocar, além da descumulação, a decomposição do procedimento, inaugurando o cumprimento de sentença parcial.
Inicialmente, é mister tratar das situações envolvendo a descumulação objetiva mediante decisão interlocutória meritória e o padrão a ser fixado de honorários sucumbenciais. Apesar do texto legal mencionar sentença (art. 203, §1º, do CPC), é indiscutível a necessidade de fixação de percentual também em alguns casos de decisões parciais de mérito (interlocutórias de mérito).
Não resta dúvida quanto a importância do julgamento antecipado parcial de mérito com o desmembramento do objeto litigioso, desde que atendidos os requisitos previstos no art. 356, do CPC. Contudo, nestes casos, é necessário indagar qual o critério a ser estabelecido na fixação de honorários advocatícios.
O Enunciado 5 do Conselho da Justiça federal (CJF) consagra o seguinte:
“Ao proferir decisão parcial de mérito ou decisão parcial fundada no art. 485 do CPC. condenar-se-á proporcionalmente o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, nos termos do art. 85 do CPC”.
Fala-se, portanto, em proporção na fixação de honorários relacionada ao capítulo apreciado de forma antecipada e que provavelmente irá transitar em julgado antes do restante do objeto litigioso, ocasionando a decomposição procedimental e a inauguração do cumprimento decisional parcial.
No tema, vale citar passagem da Ementa do Acórdão REsp 1845542 / PR (3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – J. em 11/5/21 – DJe 14/5/21):
“10. É verdade que os arts. 85, caput e 90, caput, do CPC/2015, referem-se exclusivamente à sentença. Nada obstante, o próprio § 1º, do art. 90, determina que se a renúncia, a desistência, ou o reconhecimento for parcial, as despesas e os honorários serão proporcionais à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu. Ademais, a decisão que julga antecipadamente parcela do mérito, com fundamento no art. 487 do CPC/2015, tem conteúdo de sentença e há grande probabilidade de que essa decisão transite em julgado antes da sentença final, a qual irá julgar os demais pedidos ou parcelas do pedido. Dessa forma, caso a decisão que analisou parcialmente o mérito tenha sido omisso, o advogado não poderá postular que os honorários sejam fixados na futura sentença, mas terá que propor a ação autônoma prevista no art. 85, § 18, do CPC/2015. Assim, a decisão antecipada parcial do mérito deve fixar honorários em favor do patrono da parte vencedora, tendo por base a parcela da pretensão decidida antecipadamente. Vale dizer, os honorários advocatícios deverão ser proporcionais ao pedido ou parcela do pedido julgado nos termos do art. 356 do CPC/2015”.
Nada impede que, no âmbito do cumprimento da decisão parcial referente ao objeto apreciado antecipadamente, seja aplicada multa e novo percentual de honorários advocatícios, desta feita em razão de não pagamento voluntário, prosseguindo o feito com a abertura de prazo para impugnação (art. 523, §1º c.c art. 525, do CPC). Em suma: o cumprimento do capítulo referente aos honorários sucumbenciais em favor do excluído pode ensejar multa e acréscimo de mais 10% de honorários em caso de não pagamento pelo executado.
Outrossim, se na hipótese de descumulação objetiva (julgamento parcial de um dos pedidos), deve ser aplicado de forma proporcional o disposto no art. 85, §2º, do CPC, , o mesmo raciocínio deve ser feito em caso de exclusão antecipada de litisconsorte (descumulação subjetiva).
Suponhamos que a demanda seja proposta em face de dois réus, o CPC prevê o percentual mínimo de 10% em caso de resolução final por sentença. Contudo, em caso de descumulação subjetiva antecipada (art. 354, parágrafo único, do CPC), com a exclusão de um dos litisconsortes passivos, qual percentual de honorários sucumbenciais lhe será garantido?
Indagando de outra forma: sendo excluído um dos litisconsortes passivos por ilegitimidade, com decisão parcial prevista no art. 354, parágrafo único, do CPC, a fixação de honorários sucumbenciais deve ser feita levando em conta o padrão mínimo de 10% sobre o valor total da causa ou em percentual menor, a fim de encontrar o parâmetro fixado pelo legislador no art. 85, §2º, do CPC?
Vamos imaginar uma demanda com valor da causa em R$ 300.000,00. Em caso de sentença de improcedência e condenação do autor em honorários sucumbenciais no percentual mínimo, cada um dos réus teria direito a R$ 15.000,00. Em caso de exclusão de um dos litisconsortes em decisão antecipada, gerando a descumulação subjetiva e condenação do autor em honorários sucumbenciais em favor do excluído, teria este direito a R$ 30.000,00 (10%) ou a R$ 15.000,00 (5%)?
Ora, se o sistema processual permite, e até estimula, a cumulação objetiva (pedidos) e subjetiva (partes), o amadurecimento precoce de um destes capítulos, enseja o fenômeno da descumulação. Esta afirmação serve para se concluir que a sentença, por vezes, é o pronunciamento que encerra no máximo a fase cognitiva do procedimento (art. 203, §1º, do CPC); contudo, nos casos de cumulação objetiva ou subjetivamente, sendo um capítulo apreciado precocemente – rejeitado ou acatado – tal decisão não se configura sentença, mas sim decisão interlocutória, sujeitando-se a interposição de agravo de instrumento (arts. 354, parágrafo único c.c art. 356 e 1015, II, do CPC/15) ou trânsito em julgado precoce.
Como já mencionado neste ensaio, deve o intérprete analisar o art. 85, §2º, do CPC de forma ampliativa, consagrando a necessidade de fixação desta parcela também nos casos de decisões antecipadas e fracionadas que ocasionem a descumulação objetiva e/ou subjetiva.
As duas situações que levam a esta conclusão (sem prejuízo de existência de outras que pelo espaço editorial não serão por ora analisadas), são: a) a extinção do processo parcial (art. 354, parágrafo único, do CPC) com exclusão de um dos litisconsortes; b) o julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356, do CPC).
E, afinal de contas, como se deve resolver o questionamento ligado aos honorários sucumbenciais em favor do litisconsorte excluído pela decisão antecipada citada anteriormente? Ora, se em sentença o percentual mínimo é de 10%, sendo de 5% para cada um dos litisconsortes, é correto afirmar que, ao excluir um deles antecipadamente, deve ser feita a análise conjunta dos art. 85, §2º, 90, § 1º e 354, parágrafo único, do CPC, para reconhecer: i) a possibilidade de formação de coisa julgada parcial em caso de ausência de agravo de instrumento; ii) a inauguração da fase de cumprimento em favor do excluído em relação aos honorários sucumbenciais; ii) a fixação de honorários no percentual de 5% (metade do que seria fixado em sentença).
Com efeito, em caso de resolução parcial com exclusão de um dos demandados por ilegitimidade, não é razoável ultrapassar o quinhão que este teria direito caso a ilegitimidade fosse reconhecida em sentença, como prevê o art. 85, §2º, do CPC.
Interpretação ao sentido contrário poderia gerar uma perigosa desproporcionalidade. Imagine se fossem quatro litisconsortes, com decisão final de improcedência, cada um teria direito ao percentual de 2,5% de honorários sucumbenciais (respeitado o mínimo de 10% previsto no art. 85, §2º, do CPC). Por outro lado, se fossem proferidas decisões antecipadas em momentos diferenciados com exclusão de cada um deles no curso do processo, teria que ser respeitado também esse quinhão de 2,5%, e não de 10% em cada exclusão (que alcançaria o absurdo e ilegal percentual de 40% de honorários no total).
A decretação de ilegitimidade passiva antecipada permite, como já mencionado, o início dos atos de cumprimento do capítulo decidido, inclusive no que respeita aos honorários advocatícios (provisório ou definitivo), gerando a inversão dos polos da relação processual originária. E neste cumprimento, em caso de não pagamento, poderão incidir multa e novos honorários, desta feita no percentual de 10%, como prevê expressamente a legislação processual.
A descumulação subjetiva, portanto, gera também a decomposição do procedimento (conhecimento – em relação ao réu que continua na demanda - e cumprimento relacionado aos honorários daquele que foi excluído).
No que respeita a exclusão de um litisconsorte e a necessidade de fixação de honorários respeitado o quinhão a, vale a pena citar passagem da Ementa do recente Acórdão da 3ª Turma do STJ (Resp 1760538/ RS – Rel. Min. Moura Ribeiro – J. em 24/5/22 - DJe 26/5/22):
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. COBRANÇA DE VALORES PREVISTOS EM CONTRATO. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE CONTRATANTE. ALEGAÇÃO DE OFENSA A BOA-FÉ OBJETIVA E INVOCAÇÃO DA TEORIA DA APARÊNCIA. TEMAS NÃO PREQUESTIONADOS. SÚMULA 211 DO STF. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE CONTRATADA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. EXCLUSÃO DE LITISCONSORTE PASSIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO DE FORMA PROPORCIONAL A MATERIA DECIDIDA NO JULGAMENTO PARCIAL DA LIDE. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 85, § 2º, DO CPC NÃO CARATERIZADA.
(...)
5. Isso significa que o juiz, ao reconhecer a ilegitimidade ad causam de um dos litisconsortes passivos e excluí-lo da lide, não está obrigado a fixar, em seu benefício, honorários advocatícios sucumbenciais mínimos de 10% sobre o valor da causa.
6. O art. 85, § 2º, do NCPC, ao estabelecer honorários advocatícios mínimos de 10% sobre o valor da causa, teve em vista decisões judiciais que apreciassem a causa por completo, ou seja, decisões que, com ou sem julgamento de mérito, abrangessem a totalidade das questões submetidas a juízo. Tratando-se de julgamento parcial da lide, os honorários devem ser arbitrados de forma proporcional a parcela do pedido efetivamente apreciada.
7. A prevalecer o entendimento propugnado nas razões do apelo nobre, no sentido de que o litisconsorte excluído antecipadamente faz jus a honorários de no mínimo 10% sobre o valor da causa, seria forçoso concluir que, numa outra hipótese, na qual presentes vários réus excluídos em momentos diferentes do processo, a verba honorária total poderia ultrapassar o limite legal de 20% sobre o valor da causa”.
Nos termos do Voto do Exmo. Min. Moura Ribeiro:
“Perceba-se que o momento em que se dá o reconhecimento da ilegitimidade da parte ré (no curso ou ao fim do processo) não pode ser tomado como fundamento para majorar o valor dos honorários advocatícios devidos em favor da parte. Admitindo-se que o reconhecimento da ilegitimidade passiva ao final do processo pode resultar em honorários advocatícios de apenas 5% do valor da causa, parece necessário admitir que o reconhecimento antecipado dessa mesma circunstância pode, igualmente, resultar em honorários de apenas 5% sobre o valor da causa”.
É importante a leitura dos precedentes do STJ aqui citados, tendo em vista que é necessário refletir a possibilidade de descumulação objetiva e subjetiva durante o andamento da relação processual, bem como seus reflexos em relação à decomposição do procedimento e a inauguração da fase de cumprimento simultaneamente à continuidade da fase cognitiva.
Em última análise, é necessário interpretar corretamente o art. 85, §2º, do CPC no que respeita aos pronunciamentos que resolvem capítulos subjetivos e objetivos.