Completaram-se dois anos da aprovação da lei 14.026, mais conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento Básico, o framework para concessão de serviços de tratamento de água e esgoto. A lei possui cinco eixos estruturantes, a saber: metas de universalização até 2033 (99% de cobertura de água potável e 90% de coleta e tratamento de esgoto); vedação a novos contratos de programa, com aumento do capital privado e, subsequentemente, da concorrência no setor; diretrizes para privatização de companhias estatais; estímulo à prestação regionalizada por meio de blocos; e o protagonismo da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) na regulação dos serviços.
O Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, apresentou recentemente um balanço com as principais dificuldades para a implementação do Novo Marco. A primeira delas refere-se à comprovação da capacidade econômico-financeira pelos municípios, cujo prazo previsto, nos termos do decreto 10.710/2021, era 31/12/21. Com efeito, 1.1 mil municípios foram considerados irregulares ou sequer apresentaram documentação, enquanto 2,4 mil (cerca de 62%) estão em situação regular e outros 325 estão regulares, mas com ressalvas. Quase 30 milhões de brasileiros (ou 13,1% da população) residem em municipalidades com contratos irregulares, com indicadores de atendimento aquém da média nacional. Em alguns casos, 60% dos municípios (em estados como Maranhão, Pará e Piauí) ou até mesmo 100% (em Acre e Roraima) estão irregulares. Para atingir a meta de universalização, a população com acesso a água, nestes estados, teria que passar de 64,4% para 99% e a cobertura de esgoto, de 29,1% para 90% até 2033.
Outra dificuldade é a regionalização dos serviços. O decreto 10.588/20 prevê que os estados deveriam aprovar lei de regionalização (Região Metropolitana, Unidade Regional ou Bloco de Referência) até 30/11/20. Até o momento, Acre, Pará e Tocantins, todos com baixo índice de atendimento, sequer apresentaram Projeto de Lei sobre o tema, enquanto Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais ainda aguardam a tramitação de seus PLs.
Em termos econômicos, o Plano Nacional de Saneamento Básico de dezembro de 2020, indicou que seriam necessários cerca de R$ 471 bilhões nos próximos 11 anos para atingir a meta de universalização, com uma média de R$ 36,2 bilhões anuais. Por sua vez, a KPMG, no mesmo ano, apontou R$ 957 bilhões – o que equivaleria a R$ 73,7 bilhões anuais em investimentos.
Uma alternativa encontrada na implementação do novo Marco vem sendo a concessão dos serviços por meio de leilões e parceiras, envolvendo players privados. Nesse sentido, vale mencionar o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na elaboração de licitações no setor, sobretudo o leilão de quatro blocos da CEDAE, três blocos em Alagoas e a concessão de saneamento no Amapá. Além destes, há previsão para mais licitações a serem realizadas pelo banco no Ceará, Paraíba e Rondônia.
Além dos ganhos sociais evidentes pela universalização dos serviços de saneamento básico, a economia brasileira pode se beneficiar de forma expressiva com investimentos no setor; estudos indicam um crescimento anual do PIB de R$ 45,5 bilhões, ganho na arrecadação tributária na casa dos R$ 2,9 bilhões anuais e criação de 850 mil novos postos de trabalho, tudo em função de empreendimentos em saneamento básico. É imperativo, portanto, que caminhemos para honrar o espírito do Novo Marco, trazendo a iniciativa privada para o centro do processo de expansão da cobertura sanitária.