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Breves reflexões sobre o quinto constitucional e a formação da lista sêxtupla

É inegável que existe um componente político no certame, todavia, nunca se pode perder de vista que a vaga destinada ao advogado no tribunal é para exercer um cargo técnico; e é isso que nunca deve ser esquecido pela Ordem dos Advogados.

9/8/2022

1. Introdução

O escopo do presente artigo é o de emitir a nossa opinião sobre algumas questões que nos preocupam acerca do quinto constitucional e a formação da lista sêxtupla. Essa importante e relevante ferramenta do Poder Judiciário está perto de completar 90 anos e, a nosso ver, é preciso que reflitamos sobre alguns tópicos. Para tanto, seremos breves, diretos e objetivos em nossas considerações. Esclarecemos, desde já, que, apesar de ser um texto sobre o quinto constitucional, o nosso foco principal será a vaga destinada aos advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Será, portanto, uma espécie de diálogo com os nobres conselheiros da OAB, com o intuito de pensarmos, juntos, os melhores rumos para o preenchimento das vagas destinadas ao quinto constitucional.

2. O surgimento e a finalidade do quinto constitucional

O quinto constitucional surgiu no Brasil com o advento da Constituição de 1934. O § 6º do seu art. 104 previa que “[n]a composição dos Tribunais superiores serão reservados lugares, correspondentes a um quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados, ou membros do Ministério Público de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos de lista tríplice, organizada na forma do § 3º”. Tal regra foi mantida na Constituição de 1937 (art. 105), na Constituição de 1946 (art. 124, V) e na Constituição de 1967 (art. 136, IV).

Atualmente, a regra do art. 94 da Constituição de 1988 (CF/88) dispõe que “[u]m quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes”.

Certamente existem várias opiniões sobre a função do quinto constitucional nos tribunais. A nosso ver, o advogado que se torna desembargador deve, do ponto de vista jurisdicional, decidir com base na CF/88, nas leis e no regimento interno da corte da que faz parte, ou seja, do mesmo modo que os magistrados de carreira que ascendem à corte. Não pode e nem deve praticar o chamado ativismo judicial. Evidentemente que o membro do quinto constitucional trará uma visão diferenciada do Direito, considerando os anos dedicados à advocacia, cabendo-lhe partilhar essa visão, contribuindo para o aprimoramento da função judiciária. Só isso, no entanto, não basta. É imprescindível que o advogado que se torna desembargador pelo quinto constitucional lute, com exemplos e palavras, pela observância também das prerrogativas da advocacia. É preciso que esse desembargador também esteja disposto a facilitar a comunicação entre os presidentes do tribunal e da OAB, sempre que solicitado o seu auxílio. Em poucas palavras, essa é a tão falada oxigenação que o quinto constitucional pode gerar nos tribunais.

3. O procedimento

Surgindo a vaga destinada ao quinto constitucional, o presidente do tribunal comunicará o fato ao presidente da OAB. A função dessa “comunicação” é, tão somente, a de se dar ciência à OAB de que há uma vaga para o cargo de desembargador destinada àquela instituição. Em outras palavras, a lista sêxtupla pode ser formada antes mesmo da ocorrência dessa comunicação, desde que já exista a vaga.  A medida poderá, inclusive, ser salutar, pois gera eficiência para um procedimento que, sabidamente, em razão dos prazos do Provimento 102/04, do Conselho Federal da OAB (que regulamenta o quinto constitucional), é moroso. Além disso, preenchendo-se a vaga de forma célere, evita-se o acumulo de processos no tribunal, o que contribui para a boa administração da justiça. Entretanto, é certo que essa situação, embora possível, não é comum, estabelecendo a prudência, e mesmo o respeito entre as instituições, que se aguarde a comunicação oficial do tribunal para se formar e se enviar a lista sêxtupla. É possível, no entanto, que haja uma troca de informação entre os presidentes das instituições, de modo que, caso o presidente do tribunal não se oponha, a comunicação tornar-se-á dispensável. O certo é que não há qualquer nulidade em se formar a lista sêxtupla antes do envio do ofício à OAB pelo tribunal.

Publicado o edital de formação de lista sêxtupla, com a maior visibilidade e publicidade possíveis, os advogados interessados se inscreverão. A OAB, então, criará uma comissão especial para analisar os requisitos formais dos candidatos inscritos, a qual emitirá um parecer, não vinculativo, à diretoria do Conselho, informando quais candidatos devem ter as suas inscrições deferidas ou não. A diretoria, ao deliberar, publicará editais, dando toda publicidade quanto aos recursos, permitindo que os candidatos com inscrição indeferida possam recorrer e que os interessados possam impugnar o deferimento da inscrição dos candidatos.

No dia da votação, após o julgamento dos recursos e das impugnações – se existirem – serão ouvidos os candidatos, que deverão ser sabatinados pelo Conselho e, em seguida, iniciar-se-á a votação. O voto poderá ser aberto ou fechado, decisão que compete ao Conselho, e não à sua diretoria (art. 6º-B do Provimento). Não obstante as vantagens e desvantagens de ambos os sistemas, consideramos o voto fechado mais apropriado, pois dá ao conselheiro independência para escolher o candidato de sua preferência, uma vez que, sabidamente, existem muitas pressões políticas, tanto internas, quanto externas, nessas votações. A lista deve ser formada em até quatro escrutínios, conforme se extrai dos §§ 7º a 9º do art. 6º do Provimento.

Uma vez formada, a lista sêxtupla será encaminhada ao presidente do tribunal e submetida ao pleno, que a reduzirá para uma lista tríplice, que, por sua vez, ao ser elaborada, será enviada ao chefe do Poder Executivo para a nomeação daquele que, na visão do governador/presidente, reúne os melhores atributos para exercer o cargo.

4. Os requisitos

Recordemos a redação do art. 94 da CF/88: “[u]m quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes”.

Em breve leitura, constata-se que são três os requisitos de admissibilidade à candidatura do advogado: (i) notório saber jurídico, (ii) reputação ilibada e (iii) mais de dez anos de efetiva atividade profissional.

Ao discorrerem sobre o tema, Luis Lima Verde Sobrinho e Newton de Menezes Albuquerque asseveram que, “[e]m relação ao Ministério Público, o critério para a escolha é apenas um: experiência mínima de 10 anos. Quanto aos advogados, além desse requisito, exige-se notório saber jurídico e reputação ilibada. À exceção da experiência mínima, cuja aferição é objetiva, os outros dois requisitos podem dar margem para subjetivismos arbitrários e escolhas imotivadas, lastreadas unicamente em arranjos políticos, daí por que, ao longo de seus mais de 80 anos, o quinto constitucional sempre dividiu opiniões” (Quinto constitucional: porta para a democracia ou janela para o fisiologismo no Poder Judiciário? Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 102 | p. 147-168 | Jul-Ago/17 | editora Revista dos Tribunais).

Diante da constatação dessa realidade, os mesmos autores sugerem o seguinte: “a pontuação atribuída ao notório saber jurídico tendo por base títulos acadêmicos e produções científicas nos parece a fórmula mais coerente com o que venha a significar notório saber jurídico, que, para ser realmente grande, precisa ser multiplicado, seja pelo exercício do magistério, seja mediante produção acadêmica de livros, artigos etc. Como sustentar que um candidato cientificamente improdutivo ou desprovido de títulos acadêmicos de peso pode ser possuidor de notório saber jurídico? Parece-nos uma incongruência” (obra citada).

A nosso ver, a sugestão apresentada está apenas parcialmente correta. Não há como medir o notório saber jurídico do advogado, se não for por meio da análise do seu currículo; o que nos afigura ser o óbvio. Ocorre que não basta ter titulação acadêmica/jurídica, é preciso que o candidato seja um advogado que realmente exerça a profissão, pois essa foi a intenção do constituinte desde o ano de 1934. Portanto, é preciso que sejam advogados militantes, com notório saber jurídico disputando a vaga. Pesquisando-se o termo “notório” no Google, obtêm-se os seguintes sinônimos: explícito, evidente, patente, incontestável, indiscutível, inegável, irrefutável, manifesto.

Dito isso, a nosso ver, não deveriam ser aceitos os candidatos que fossem apenas acadêmicos do Direito, bem como aqueles advogados sem titulação alguma. Reiteramos, portanto, que o Conselho da OAB deveria se ater aos advogados que sejam efetivamente militantes e que tenham titulação. A titulação pode ser medida por cursos de pós-graduação, como mestrado e doutorado, e publicações de textos científicos, livros e artigos de relevância, pois não se deve esquecer que, nos dias atuais, a mera especialização e a publicação de artigos são coisas corriqueiras, não bastando, por si só, para a comprovação do notório saber jurídico, que merece ser aquilatado com rigor e técnica.

Em relação ao requisito da reputação ilibada, o art. 6º, ‘e’, do Provimento 102/04 exige a apresentação de determinados documentos, o que não deixa de ser um ótimo medidor do caráter do candidato, porém, o conselheiro deve se valer de outras informações para formar a sua opinião.

A bem da verdade, caso o candidato não preencha os três requisitos, a sua inscrição deve ser indeferida. Na prática, um dos requisitos (notório saber jurídico) não é analisado no juízo de admissibilidade. As candidaturas indeferidas sempre o são por falta de apresentação da documentação devida ou, então, por alguma incompatibilidade. Entretanto, como atualmente a judicialização vem se tornando, cada dia mais, uma realidade, é mais apropriado que a análise do “notório saber jurídico” seja feita no juízo de mérito, isto é, no momento da votação. O que se quer dizer é que os advogados que não preencherem esse requisito, na visão do conselheiro, não devem e não podem ser votados. O conselheiro só deverá votar naqueles candidatos que tenham as características específicas, de acordo com a sua concepção do que seja “notório saber jurídico”, pois entre os candidatos eleitos, um será nomeado desembargador, cabendo ao Conselho preservar a reputação da Ordem dos Advogados nessa escolha especialíssima.

No tocante aos 10 anos de efetivo exercício da advocacia, cumpre-nos recordar que o Provimento 102/04 exige, em seu art. 6º, ‘a’, a “comprovação de que o candidato, em cada um dos 10 (dez) anos de exercício profissional (art. 5º), praticou, no mínimo, 05 (cinco) atos privativos de advogado, com fundamentação jurídica, em procedimentos judiciais distintos, na área do Direito de competência do Tribunal Judiciário em que foi aberta a vaga”. Assim, se a vaga é para o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), não pode o candidato apresentar petições e/ou certidões do TRE, do TRF ou do TRT. Podem ser do STF ou do STJ, desde que o processo originário seja da jurisdição do Tribunal em que foi aberta a vaga.

5. O comportamento do candidato

O papel do candidato, durante a sua campanha, é o de tentar convencer o conselheiro de que possui notório saber jurídico e reputação ilibada, já que os mais de 10 anos de efetivo exercício da advocacia é uma condição estritamente objetiva. Para tanto, deve tentar se reunir com o seu eleitor e lhe entregar o seu currículo. A entrega de trabalhos técnicos de sua autoria (livro, artigo científico, parecer, ou mesmo trabalho forense) também é positivo, pois permitirá que se conheça a sua capacidade intelectual, devendo ser priorizado o contato do candidato com o conselheiro, de forma presencial ou por videoconferência, o que é razoável, considerando não só a extensão do nosso estado (in casu, Minas Gerais), mas, também, o fato de que todos trabalham e o candidato nem sempre poderá ter a disponibilidade de se deslocar em visitas sucessivas. Aliás, esse formato torna o certame mais acessível, logo, mais democrático. Quanto mais concorrência qualitativa existir no certame, melhor. Ganha o tribunal; ganha a OAB; e, claro, ganha o jurisdicionado.

6. A conduta do eleitor

Reiterando o que sustentamos acima, é imprescindível que o conselheiro se atenha a todos os três requisitos exigidos pelo art. 94 da CF/88 na hora de formar a sua convicção em quem votará. É muito frustrante que possa o candidato ouvir do eleitor frases do tipo: “vou votar em fulano porque ele é meu amigo”; ou, então, “votarei em cicrano porque beltrano me pediu”. Ora, não se vota por amizade! O voto só pode ser confiado a quem o mereça. O escopo da Ordem dos Advogados deve ser o de formar uma lista sêxtupla com os melhores nomes entre tantos, de modo que a classe dos advogados possa ter orgulho de sua indicação e se sinta realizada com o trabalho desenvolvido pelo magistrado oriundo da advocacia.

Exatamente por esses fatos é que a Ordem dos Advogados, ao formar a lista sêxtupla, deve agir com isenção, sem partidarismo e sem oportunismo. O papel do Conselho é, com fulcro nos três requisitos do art. 94 da CF/88, escolher os seis melhores e mais aptos candidatos; apenas isso. Não se pode perder de vista que a vaga destinada ao quinto constitucional é estritamente técnica. O que é altamente reprovável é prejudicar um candidato, qualificado moral e tecnicamente, apenas por ter feito opção política, dentro da OAB, diferente daquela do atual grupo gestor. E mais: às vezes, o advogado que optou por não apoiar qualquer das chapas pode acabar sendo preterido por aquele que, embora menos qualificado para o cargo, se alinhou ao grupo vencedor.  Essa forma de conduta é incondizente com o que a sociedade espera dos desembargadores oriundos da classe dos advogados, pois são os advogados os precursores da liberdade.

Por fim, é imperativo que o conselheiro vote com independência. Ele está no Conselho por mérito próprio e não deve satisfação do seu voto a ninguém. Aliás, a opção pelo voto secreto é justamente para preservá-lo, evitando que possa sofrer pressões externas e internas. O conselheiro não deve permitir qualquer tipo interferência e deve votar apenas com a sua consciência. A tentativa de retirar do conselheiro a sua liberdade para votar, por qualquer forma que seja, é um atentado ao instituto do quinto constitucional, prejudicando a escolha e a própria essência da missão atribuída àqueles que são escolhidos.

7. A função da OAB

Como tudo começa na OAB, pois é lá que se forma a lista sêxtupla, o Conselho e a sua diretoria exercem um papel de suma importância no quinto constitucional, que é o de manter um ambiente livre, saudável e competitivo para os candidatos. Como se trata do preenchimento de um cargo técnico na área jurídica (e, não, político), somente os três requisitos estabelecidos no art. 94 da CF/88 podem ser exigidos. Com todo o respeito aos que pensam em sentido contrário, ultrapassar essa barreira, criando novos requisitos, limites ou restrições, é inconstitucional, porquanto não pode a OAB extrapolar o comando constitucional e, a nosso sentir, eventual inconstitucionalidade pode ser arguida judicialmente por qualquer interessado, não se restringindo apenas aos candidatos envolvidos na disputa. Reafirmamos que os requisitos para o preenchimento da pretensão são explícitos e cogentes, não havendo margem a discricionariedade do órgão de classe.

Um outro cuidado que a OAB precisa ter é o de não politizar, ao extremo, o certame. O sentido da expressão “ao extremo”, aqui, é para enfatizar que é natural a presença da política na disputa, todavia, desde que seja de forma republicana e com razoabilidade. Hipoteticamente falando, não é possível que acordos ou conchavos tornem conhecidos, antes da votação, todos os nomes que farão parte da lista sêxtupla, pois tal situação torna impossível a concorrência, que, por sua vez, é essencial para a escolha do melhor candidato. De fato, o quinto foi pensado para permitir que qualquer advogado, desde que preencha os três requisitos constitucionais, possa disputar, com chance de êxito, a lista sêxtupla. Caso se torne público e notório que as grandes lideranças da OAB estão se articulando politicamente, e, literalmente, influenciando ou sugerindo os nomes que estarão na composição da lista a ser votada, a consequência será nefasta, pois o candidato, ao se inscrever na disputa, precisa ser independente e ter um suporte que o faça chegar ao final: a esperança. Precisa, junto com a esperança, ter a certeza de que, apenas com base no seu currículo e na sua trajetória de vida (pessoal e profissional), será possível ter a honra de ingressar numa lista sêxtupla. É simples assim.

8. Considerações finais

Esperamos que essas nossas breves ponderações possam, de alguma forma, servir para a reflexão do leitor sobre os pontos aqui levantados. A nossa intenção é apenas a de manter o quinto constitucional acessível a todos os advogados, e, para tanto, é preciso que o conselheiro tenha liberdade de votar em quem quiser. Durante a campanha de formação da lista sêxtupla, é função da OAB manter e promover o equilíbrio do jogo em todas as suas fases. É inegável que existe um componente político no certame, todavia, nunca se pode perder de vista que a vaga destinada ao advogado no tribunal é para exercer um cargo técnico; e é isso que nunca deve ser esquecido pela Ordem dos Advogados.

Encerramos este nosso breve artigo com uma frase que é atribuída ao grande líder mundial Nelson Mandela: “ser livre não é apenas livrar-se das próprias correntes, mas viver de uma maneira que respeite e promova a liberdade dos outros”.

Leonardo de Faria Beraldo
Desembargador do TJ/MG (pelo quinto constitucional da OAB).

Teresa Cristina da Cunha Peixoto
Desembargadora do TJ/MG (pelo quinto constitucional da OAB)

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