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A lei 14.230/21 e o controle repressivo da evolução desproporcional do patrimônio do agente público

O presente ensaio se ocupa de uma alteração pontual e específica no art. 9º, inciso VII, da lei 8.429/1992.

9/8/2022

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com o advento da lei 14.230/21, alteram-se profundamente as bases jurídicas de um dos principais instrumentos de combate à corrupção – a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). Muitos autores já enxergam na inovação legislativa não exatamente uma mera reforma, mas uma “nova Lei de Improbidade Administrativa2, tamanha a extensão/profundidade da reformulação das premissas normativas da matéria. 

O presente ensaio se ocupa de uma alteração pontual e específica no art. 9º, inciso VII, da lei 8.429/92. Perto dos inúmeros dispositivos que foram suprimidos, alterados ou introduzidos no diploma legal, a inovação objeto deste estudo pode até parecer discreta, quase imperceptível. Eis o cotejo entre a redação originária da disposição legal mencionada e aquela conferida pela lei 14.230/21: 

Redação originária

“Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: (...)

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;” 

Redação dada pela lei 14.230/21

“Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...)

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função pública, e em razão deles, bens de qualquer natureza, decorrentes dos atos descritos no caput deste artigo, cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, assegurada a demonstração pelo agente da licitude da origem dessa evolução;” (grifou-se) 

A despeito da aparente discrição da investida do legislador, circunscrita à introdução das duas expressões em negrito3, cuida-se, a rigor, de substancial modificação no alcance do controle repressivo em matéria de enriquecimento ilícito, precisamente na modalidade de evolução patrimonial incompatível com os rendimentos regularmente auferidos pelo agente público. 

Para compreender a exata dimensão da novidade – e, sobretudo, aferir-lhe a legitimidade –, é preciso estudar a evolução legislativa da matéria, identificar a dissensão doutrinária que se instaurou no ponto e conhecer a orientação jurisprudencial sedimentada pelo Superior Tribunal de Justiça. 

2. EVOLUÇÃO    LEGISLATIVA, DISSENSÃO DOUTRINÁRIA E ORIENTAÇÃOJURISPRUDENCIAL PACIFICADA 

Antes mesmo do advento da Constituição Federal de 1988 e da própria Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), a preocupação com o controle repressivo do enriquecimento ilícito do agente público já inspirava o direito positivo brasileiro.  

Como primeira evidência dessa preocupação, é possível citar o decreto-lei 3.240, de 8 de maio de 1941, que previa, em seu art. 1º, o sequestro de bens de pessoa indiciada por crime contra a Administração Pública, “desde que dele resulte locupletamento ilícito para o indiciado4.

Marcelo Martins Evaristo da Silva
Juiz de Direito (TJ/RJ). Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).

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