A Transformação Digital que vem ocorrendo em todos os segmentos de mercado forçou um cenário extremamente competitivo onde a produtividade se torna um dos diferenciais mais sensíveis. Mesmo sendo uma atividade conservadora, o Direito não ficou imune a esse movimento. Muitos novos conceitos e práticas estão sendo adicionados à atividade jurídica. Nesse sentido o chamado Direito 4.0 é constituído por uma série de metodologias e tecnologias orientadas a uma mesma premissa: dotar a advocacia de uma Visão Empresarial.
Dentre tantos métodos e inovações que estão agregando profissionalismo e eficiência à advocacia, destaca-se o Legal Operations. Este novo conceito se apresenta como um conjunto de mudanças na organização de escritórios com o objetivo de otimizar a gestão jurídica. Também denominado Legal Ops, se baseia no tripé composto por pessoas, processos e tecnologias.
Pessoas e tecnologias são termos auto explicativos. Já os processos, no âmbito de Legal Operations, estão relacionados aos fluxos operacionais e administrativos essenciais à gestão da banca. São peças-chave nos programas de digitalização e automação necessárias à transformação digital do escritório. O objetivo otimizar a gestão jurídica a partir do mapeamento e gerenciamento dos diversos processos internos e externos.
Legal Operations é a mesma coisa que Administração Legal?
A busca pela otimização da produtividade nas atividades jurídicas não é nova. A dinâmica mercadológica do Direito mudou sensivelmente na década de 1990 com o advento da informatização, ou seja, o uso de computadores por parte dos advogados. Ao acelerar a produção jurídica com as novas tecnologias, a gestão administrativa das bancas também se viu obrigada a adotar uma visão empresarial amparada na competitividade.
Nesse contexto surgiram as disciplinas de controladoria jurídica, focada em gerenciar as atividades diretas de produção; e a Administração Legal, com foco gerencial sobre fluxos, processos internos, pessoas, clima organizacional, tecnologias, indicadores, precificação, orçamento, controle financeiro, marketing e gestão de pessoas. Então essa prática nasceu com o objetivo claro de fornecer suporte administrativo e de gerenciamento financeiro enquanto os advogados se dedicam ao atendimento das demandas jurídicas dos clientes.
Historicamente pode-se pontuar a criação da Association of Legal Administrators, em 1971 nos EUA, como um marco nesse movimento. No Brasil essa tendência demorou pouco mais de duas décadas para aportar. No entanto se desenvolveu aceleradamente dada a expansão do mercado com muitos novos advogados ingressantes a cada ano além do significativo aumento das demandas jurídicas empresariais.
A transição de Administração Legal para Legal Operations
Nesse momento surge a questão: Legal Operations é só um termo da moda para Administração Legal? Não exatamente. Embora Legal Ops englobe muitas das responsabilidades atribuídas à Administração Legal, na realidade ela se trata muito mais de uma especialização amparada pelos novos conceitos e métodos da disciplina de gestão. Portanto esse aperfeiçoamento traz consigo uma série de métodos e técnicas inovadores e eficazes. A adoção do termo também tem como objetivo um alinhamento desses métodos e técnicas com o que já se pratica exterior.
Gerenciar um escritório de advocacia no ambiente de complexidade em que vivemos requer uma ampla combinação de habilidades e ações, tais como planejamento estratégico, mapeamento de processos, gestão da mudança, gerenciamento financeiro, gerenciamento de fornecedores, tecnologia, data analytics e, principalmente, o engajamento de pessoas. Mais do que isso, faz-se necessário estabelecer boas práticas padronizadas, de modo a facilitar a implantação e incrementar e eficiência.
Essa padronização dos métodos e boas práticas foi organizada pelo Corporate Legal Operations Consortium (CLOC), entidade internacional que se propõe a criar e auditar normatizações para a administração do escritório. Ela ainda institui a figura do Chief Operations Legal Officer (CLOO), um coordenador da área de Legal Operations encarregado de implementar métodos, práticas e ferramentas tecnológicas na gestão jurídica.
12 boas práticas de Legal Operations para aplicar no escritório
Uma vez que o CLOC estabelece normatizações para a disciplina de Legal Operations, estas competências sinalizam as principais aplicações que os escritórios de advocacia podem lançar mão para profissionalizarem sua gestão. A listagem seguinte enumera as práticas que podem ser adotadas por bancas de qualquer porte, independente de possuírem um gestor formal ou serem administradas por um sócio.
01. Planejamento estratégico
Ter um planejamento não é um luxo, mas uma obrigação para empresas e escritórios de qualquer porte. A máxima “de nada adianta correr se não sabe para onde está indo” reflete o que é gestão sem um planejamento que oriente todas as ações e objetivos. A primeira boa prática para adotar Legal Operations é elaborar o planejamento estratégico do escritório para ao menos um ano. Caso já tenha este documento, é importante mantê-lo atualizado e revisado sempre que algo novo venha a surgir.
02. Gestão Financeira
A boa saúde financeira de qualquer empresa é premissa incondicional da sobrevivência do negócio. Estabelecer uma gestão financeira sólida e previsível é uma das bases primordiais do Legal Operations. Neste pilar serão elaborados o plano financeiro, as estruturas de custos, os objetivos de faturamento e as diversas metas do planejamento. Independente se feita no Excel ou em um software jurídico, essa prática deve ser adotada por escritórios de todos os portes, pois é o principal motivo de quebra das empresas.
03. Gerenciamento de projetos e programas
A gestão por projetos utilizando métodos ágeis possibilita a otimização do tempo e da produtividade. Também é o caminho para o escritório investir em programas de inovação. Os projetos a serem implantados ao longo do ano devem estar previstos no planejamento.
04. Operações
Uma empresa funcional nada mais é do que um conjunto de operações sinérgicas que levam a um resultado. É imprescindível realizar um mapeamento de processos, seja para identificar os existentes, seja para implementar processos eficazes desejados. Desse modo cada colaborador sempre saberá com clareza quais são suas demandas e prioridades. Uma boa prática inestimável é executar o mapeamento de processos em todas as áreas e departamentos antes de começar a organizar e gerenciar os processos operacionais.
05. Modelos de entrega de serviço
Um SLA (Service Level Agreement) bem definido garante que colaboradores de todas as esferas saibam exatamente como devem ser as suas entregas. A partir do mapeamento de processos realizado na fase anterior, essa prática estabelece sinergia e comunicação eficaz entre os departamentos e garante a fluidez e eficiência dos trabalhos cotidianos.
06. Business Intelligence
As disciplinas de Jurimetria e Volumetria trouxeram o uso de dados para a realidade dos escritórios de advocacia. O BI se mostra imprescindível para gerenciar a coleta, organização e armazenamento dos dados e informações internos e externos. Os gráficos e dashboards obtidos pela interpretação dos dados devem permitir um acionamento ágil dessas informações, bem como proporcionar uma visualização assertiva para tomada de decisões. O mercado já conta com dezenas de ferramentas de BI genéricas e outras tantas focadas em jurimetria. Adotá-las pode representar um sólido diferencial para o advogado.
07. Governança de informação
Os dados e informações que agora fazem parte intrínseca das operações jurídicas representam um dos ativos mais importante do escritório. Com isso se torna mandatório implantar boas práticas de coleta, armazenamento, utilização e distribuição dessas informações a partir dos processos de Business Intelligence. As políticas de Segurança da Informação tanto nos ambientes internos quanto em nuvem também se tornam obrigatórias para preservar os dados obtidos e atender legislações como a como a LGPD.
08. Gestão do conhecimento
O conhecimento criado e desenvolvido acerca das operações, práticas e fluxos internos possui um elevado valor intangível e constitui o Capital Social do escritório. Portanto é um ativo que deve ser organizado, preservado e compartilhado de maneira eficaz entre todos os colaboradores, independente da hierarquia. Como o escritório pode atuar para reconhecer e organizar esse conhecimento tácito e intangível da banca.
09. Cultura Organizacional
Essencialmente a cultura organizacional significa o conjunto de crenças, normas, diretrizes e hábitos praticados por uma empresa. Muitas delas são as “regras não escritas” do escritório. Uma vez que ela influencia o comportamento de todos os colaboradores, deve ser planejada e organizada de modo a enfatizar o foco no ser humano e em suas habilidades socioemocionais, melhorando a qualidade de vida dos colaboradores. Uma cultura organizacional bem administrada se torna um impulsionador da motivação e o principal combustível para a melhoria da produtividade do time.
10. Capacitação e desenvolvimento
O Direito 4.0 está intrinsecamente fundamentado na Era da Informação. Dessa forma se constitui em um ambiente de alta complexidade, com temas novos a todo momento. Para sobreviver nesse cenário se faz necessário adotar uma mentalidade de capacitação contínua e automotivada. A prática do LifeLong Learning estimulado entre os colaboradores contribui para a coesão da cultura organizacional e maior integração das equipes.
11. Gestão de fornecedores
O mercado é organizado em uma Economia de Stakeholders. Dessa forma, as relações B2B se mostram um fator estratégico na gestão de qualquer tipo de negócio. Daí a necessidade de organizar e gerenciar o relacionamento com fornecedores diversos no sentido de estabelecer parcerias que produzam benefícios para o escritório.
12. Tecnologias
Tecnologia não é o único motor da transformação digital, mas é um recurso importantíssimo para a digitalização e automação dos escritórios. É atribuição de Legal Ops buscar tecnologias que otimizem o trabalho de todos os colaboradores do escritório de advocacia, desde programas de gestão financeira até o software jurídico para a produção dos advogados e gerenciamento dos controllers. Aqui a implantação também deve partir do mapeamento de processos a fim de definir com mais assertividade as tecnologias mais coerentes com realidade de cada escritório.
Colocando Legal Operations em prática
Estas boas práticas relacionadas às doze competências definidas pelo CLOC fornecem a dimensão da amplitude de Legal Operations. Mesmo com tantas verticais multidisciplinares, a matéria não tem intenção de se restringir apenas às grandes bancas. O detalhamento das competências e as orientações para aplicação prática tornam possível a adesão mesmo para escritórios de pequeno porte e advogados autônomos, os quais representam a imensa maioria do mercado jurídico.
Obviamente os menores não terão condições para lançar mão de todas as doze competências. Em muitas ocasiões nem fará sentido. E mesmo as competências a serem adotadas talvez necessitem de uma redução de escopo de modo a se tornarem coerentes com o porte do escritório. E isso não representa um problema, já que todas as diretrizes elencadas possuem diversos níveis de aplicação. Invariavelmente os níveis mais elementares de qualquer método sempre estão sujeitos a serem automatizados a fim de ganhar escalabilidade. Dessa forma, mesmo advogados autônomos terão condições de adotar Legal Ops em suas rotinas.
A realidade que se impôs ao mundo empresarial também se reflete no meio jurídico: a competitividade irá aumentar juntamente com as exigências dos clientes e as tecnologias transformadoras. Compreender os conceitos e tendências não será um diferencial, mas uma questão de sobrevivência. Ainda que esse movimento sempre se inicie nas grandes corporações, a Transformação Digital traz consigo otimizações e métodos enxutos, os quais permitem a utilização por todo o mercado.