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Da possibilidade de responsabilização civil do médico em caso de realização de procedimento cirúrgico com termo de consentimento genérico

Procedimento cirúrgico. Falecimento do paciente. Consentimento genérico (blanket consent). Falha no dever de informação. Responsabilidade civil do médico. Recurso Especial 1848862/RN.

3/8/2022

No julgamento do Recurso Especial 1848862/RN, iniciou-se discussão no âmbito da 3.ª (terceira) turma do Superior Tribunal de Justiça, quanto à possibilidade ou não de afastamento da responsabilidade civil de profissional de saúde que realiza procedimento cirúrgico desacompanhado de termo de consentimento informado.

De um lado, os recorrentes argumentaram que houve o falecimento de seu irmão após a execução de cirurgia para correção de Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SASO), pois não foram prestados os devidos esclarecimentos ao paciente quanto aos possíveis riscos e eventuais dificuldades do procedimento cirúrgico.

Em sentença os pedidos da petição inicial foram julgados improcedentes, sendo reformada depois da interposição do recurso de apelação pelos autores, ora recorrentes.

Apesar do Tribunal de origem modificar o entendimento do juízo de piso, depois da oposição de Embargos de Declaração houve a concessão de efeito infringente, a fim de negar provimento ao recurso de apelação e manter in totum o teor da sentença apelada.

No caso em análise, a 3.ª turma do STJ decidiu que “[...] a informação prestada pelo médico ao paciente, acerca dos riscos, benefícios e alternativas ao procedimento indicado, deve ser clara e precisa, não bastando que o profissional de saúde informe, de maneira genérica ou com termos técnicos, as eventuais repercussões no tratamento, o que comprometeria o consentimento informado do paciente, considerando a deficiência no dever de informação”.

Em outras palavras, conclui-se que o médico deve antecedentemente exigir do paciente prévio termo de consentimento informado para executar qualquer procedimento ou tratamento médico, sob pena de ser responsabilizado civilmente, administrativamente ou até mesmo penalmente em caso negligência, como no caso em análise.

Como amplamente conhecido e disposto no art. 15 do Código Civil de 2002 (CC/02), “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.

A necessidade de assegurar uma efetiva ciência dos possíveis riscos ou mesmo benefícios de tal procedimento cirúrgico possibilita ao paciente o exercício do seu chamado direito da autonomia da vontade, já que exercerá a sua faculdade de prosseguir ou não após serem prestadas tais informações.

Isto é exatamente o confirmado nas lições de Genival Veloso, vejamos:

[...] em tese, todo procedimento profissional nesse particular necessita de uma autorização prévia. Isso atende ao princípio da autonomia ou da liberdade, pelo qual todo indivíduo tem por consagrado o direito de ser autor do seu próprio destino e de optar pelo caminho que quer dar a sua vida.

No caso paradigma, simplesmente houve a realização de procedimento cirúrgico desacompanhado de termo de consentimento claro e preciso, que, a seu turno, resultou no óbito do paciente em decorrência de complicações oriundas de uma verdadeira negligência médica.

Cabe relembrar que a própria lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor - CDC) dispõe sobre o dever de informação, como visto nos arts. 6º, III, e 14, caput, nestas palavras:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

No mesmo rumo, o próprio art. 22 do Código de Ética Médica define ser vedado ao médico “[d]eixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”.

Na atualidade e conforme já esperado, não se admite o chamado blanket consent, que nada mais é que um termo de consentimento genérico, isto é, que nada individualiza as informações prestadas ao paciente.

Veja bem, não estamos discutindo acerca de um simples contrato aplicável ao mundo dos particulares, mas de um viés extremamente sensível e relacionado a própria concepção de saúde pública.

Eventual entendimento desarmonioso poderia, inclusive, originar um infeliz precedente jurisprudencial em descompasso com os conceitos principiológicos do direito social à saúde.

Nesse contexto, o entendimento firmado pelo colegiado de forma unânime corroborou com a opção legislativa de exigir prévio termo de consentimento informado em caso de realização de procedimento cirúrgico.

A propósito, possuo convicção no mesmo sentido do afirmado no acórdão em comento, porquanto não cabe ao paciente presumir os riscos de eventual procedimento cirúrgico, em especial pelo fato de que ele não possui a perícia técnica esperada.

O próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) já reconheceu a importância do tema e editou a Resolução 1/16, que prevê inúmeras recomendações para auxiliar os médicos no exercício das suas atividades, como, por exemplo, na recomendação de elaboração de termo de consentimento escrito.

Sem muitas delongas, é possível imputar responsabilização civil ao médico que efetua procedimento cirúrgico com termo de consentimento genérico. Não se trata dano ocasionado por erro médico ou falha técnica no procedimento cirúrgico, mas de fato oriundo do defeito de informação.

Realmente “na trilha da lei geral do progresso, a técnica médica tende a comandar o seu concurso. Se, por um lado, habilita o profissional para desenvolver a sua arte, e melhor aplicá-la, impõe-lhe também deveres inexistentes na medicina tradicional”.

No caso analisado, a chamada negligência corroborou com o resultado morte, já que tal culpa em sentido estrito “consiste em uma conduta omissiva: não tomar as precauções necessárias, exigidas pela natureza da obrigação e pelas circunstâncias, ao praticar uma ação”.

O entendimento do acórdão discutido deduz de forma lógica que presentemente deve ser exigida uma efetiva participação do paciente na tomada de decisões.

Assim, conclui-se que é dever do médico esclarecer ao paciente ou até mesmo ao seu representante legal sobre os riscos do tratamento/procedimento, bem como as suas vantagens e desvantagens, sob pena de responsabilização civil, administrativa e até mesmo penal em seu desfavor.

Caio Almeida Monteiro Rego
Advogado do escritório Barreto Dolabella Advogados. Pós-graduando em Direito Civil pela PUC/MG.

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