A religiosidade é um dos valores mais caros da humanidade, ela é notada nas mais diversas sociedades ao redor do mundo. O que se verifica é que em todas elas a crença em algo aparece como fator direcionador dos seus adeptos. Acreditar em forças que são ou estão além das limitações humanas alimenta uma ideia de finitude e limitação do devoto. Isso implica numa relação de subserviência e adoração.
Servir uma entidade, uma força natural, um totem ou um ser de outra dimensão espiritual ou celestial torna-se um valor inegociável e sagrado. E tudo que é considerado sagrado por um grupo, uma tribo, um povo ou uma única pessoa tem que ser respeitado e protegido pelo Direito.
A intolerância religiosa é um comportamento de aversão ao credo alheio, emerge de um sentimento egoísta, desrespeitoso e que deságua em atos de violação do direito do outro. Não crer em algo não é ofensivo pra ninguém, ofender o objeto de adoração alheio por não crer nele, sim, viola o direito do outro.
A proteção aos símbolos religiosos e suas liturgias consta tanto na nossa legislação nacional quanto em convenções internacionais como no Pacto de São José da Costa Rica, esse pacto advém da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 e recepcionada pelo nosso direito através do decreto número 678 de 6 de novembro de 1992.
No seu artigo 12, é dito que toda pessoa tem direito a liberdade de consciência e de religião que por sua vez implica em conservar ou mudar sua crença conforme sua consciência. Na mesma consonância, é direito humano receber, buscar, difundir ou expressar sua religiosidade de qualquer natureza seja por via verbal ou escrita.
Como o Brasil é signatário desta convenção de direitos humanos, deve o estado brasileiro zelar pela aplicação de seus preceitos e punir quem os viole de alguma forma. Por isso, os ataques que as religiões de matriz africana sofrem com certa frequência devem ser punidos com certo rigor pois, do contrário, pode parecer que se trata de um bem jurídico de menor valor.
No plano constitucional temos a dicção nela constante afirmando (no seu inciso VI, do artigo 5°) que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, e mais, que é assegurado o livre exercício de cultos religiosos na forma da lei. Além do que já foi dito, ainda há a determinação de que os locais de culto e suas liturgias também são protegidos. Isso significa (em tese) que tais bens jurídicos não podem ser violados sob as penas da lei. Mas, que pena?
No início deste ano (2022), um vereador invadiu uma igreja católica em Curitiba, no momento da invasão havia uma missa em andamento, o que caracteriza perturbação de culto, coisa que a constituição proíbe, como já dissemos. A arquidiocese emitiu uma nota dizendo que as lideranças dos invasores instaram a comportamentos invasivos e desrespeitosos. Outro caso ocorreu na Argentina, segundo mostra vídeo do canal TV canção Nova, no YouTube, uma igreja católica também foi atacada e incendiada por feministas radicais, na cidade de Resistência, a reportagem do canal citado é de 2017.
Esses casos são trazidos pra ilustrar que os ataques que o cristianismo vem sofrendo ao longo dos últimos tempos não se resumem a um país específico. Vejamos outro caso de desrespeito ao culto e suas liturgias que ocorreu em 2013, quando o pastor Marco Feliciano realizava uma pregação, num evento religioso em São Sebastião, litoral de São Paulo. Na ocasião, duas pessoas de mesmo sexo começaram a se beijar no meio do evento religioso. A guarda municipal foi acionada e as duas pessoas encaminhadas a uma delegacia.
Uma das pessoas detidas afirmou que a prisão foi um ato de violência e que elas mereciam respeito (o mesmo respeito que elas não tiveram pela religião e liturgias que violaram). Em 2015, uma menina de 11 anos foi agredida com uma pedrada na cabeça, quando saía de um culto religioso de candomblé, no Rio de janeiro. Outros casos de intolerância religiosa também foram denunciados pela imprensa ao longo dos últimos anos, principalmente em relação ao candomblé e umbanda.
Além das disposições já trazidas anteriormente, temos o que determina o Código Penal no caso de violação do direito de crença, culto e suas liturgias. O que poderia se encaixar nos casos já citados acima. O crime neste caso chama-se:
Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.
Em qualquer dos casos aqui citados é possível enquadrá-los no tipo penal descrito acima ou nas disposições contidas na convenção americana de direitos humanos, tanto quanto na constituição federal de 1988. Com exceção do caso ocorrido na Argentina, os demais estão sujeitos às penas descritas na nossa legislação pátria.
A intolerância religiosa precisa ser compreendida como um fenômeno violador da dignidade da pessoa humana, fundamento sobre o qual se funda nosso estado de direito. Não basta ter previsões nas mais diversas camadas do nosso ordenamento jurídico, precisa haver punição.
No entanto, mesmo que a punição seja algo necessário, a educação por meio de diálogo e orientação pode ser muito eficaz a longo prazo. Os líderes religiosos, principalmente, têm um papel importante nesse processo educacional de seus segmentos de fé, pois são eles os que acabam incitando ou alimentando atos agressivos em relação à religião alheia, em muitos casos.
Um certo filósofo escreveu que “a religião é o ópio do povo”, frase muito famosa e conhecida por quem estuda esses assuntos. Porém, talvez não seja a religião que causa torpor nas pessoas, é possível que elas apenas procurem um motivo pra destilarem seu ódio diante de quem não gosta.
A intolerância religiosa só desaparecerá quando as pessoas entenderem que o mundo não é uma quitinete onde todos estão disputando espaço pra viver, o mundo é uma vastidão onde todos podem conviver cada um no seu quadrado, sem invadir o quadrado do coleguinha.