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A ética no jornalismo e o limite da liberdade de expressão

O caso da atriz exposta no início deste mês abriu discussão acerca do limite da liberdade de expressão no jornalismo, em especial da editoria de entretenimento

2/8/2022

A ética no Jornalismo é sempre colocada em pauta quando assuntos polêmicos vêm à tona em portais de notícias, especialmente na editoria de “fofoca”. Não são raros os casos em que um jornalista expõe assuntos que não deveriam ser considerados de interesse público. O último caso que ganhou repercussão e reacendeu os limites entre o exercício livre do Jornalismo e da liberdade de expressão foi a exposição íntima de uma atriz nas redes sociais.

O jornalista que expôs a situação da vítima alegou que estava amparado pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros sob o art. 6°, inciso IV, que regulamenta o livre exercício da profissão. Entretanto, há uma linha tênue entre o livre exercício do Jornalismo e a liberdade de expressão, consequentemente, a exposição de uma vítima.

No caso em questão, não houve apuração correta dos fatos antes da divulgação das informações. Este tipo de conduta também está tipificado no Código de Ética formulado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em seu art. 4°.

Art. 4º O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta divulgação.

Vale ressaltar que o referido Código também aborda questões no que diz respeito ao dever do jornalista e consta que é preciso respeitar o direito à intimidade. O Jornalismo de “fofoca” muitas vezes é questionado justamente por que explora assuntos íntimos ligados a figuras públicas, mas, levando em consideração questões claras e objetivas em relação ao teor da intimidade, é considerado "ócio do ofício” e quase nunca é discutido.

Por exemplo, quando um jornalista de “fofoca” divulga que o relacionamento de tal famoso acabou, ainda que seja um fato íntimo, não causa prejuízo à imagem daquela pessoa. Não há necessidade do profissional se explicar por que publicou aquela notícia, desde que não exponha fatos sensíveis.

No caso da atriz, o jornalista feriu não só o art. 6º, inciso VII - que dita o dever de respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão -, como também o inciso XI, ao expor uma criança que acabou de nascer, o que contraria totalmente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)1.

Em relação às sanções impostas pela Fenaj, o Código de Ética responde que os casos julgados pela comissão - composta por por cinco membros eleitos diretamente pelos jornalistas em conjunto com as direções dos sindicatos e da própria Fenaj - podem ter quatro penalidades: observação, advertência, suspensão e exclusão do quadro social do sindicato. Se o jornalista penalizado não compuser o quadro do sindicato, a pena é de impedimento temporário e impedimento definitivo de ingresso no quadro social do sindicato2.

Na prática, quem vai de encontro ao Código de Ética da profissão não recebe penalidade alguma. A profissão do jornalista, diferente de um advogado, por exemplo, não precisa de formação. O Supremo Tribunal Federal (STF) já julgou que não é necessário diploma para exercer a atividade jornalística3. Ou seja, qualquer cidadão que tenha um blog pode dizer que é jornalista e muitos sequer conhecem as entidades representativas da classe.

Há anos, as instituições que representam os interesses dos jornalistas tentam reverter esse quadro de precarização. Inclusive, desde 2012 está em tramitação no Congresso Nacional a PEC 33/09, popularmente conhecida como PEC dos Jornalistas, que exige o diploma de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, para o exercício da profissão.

O Conselho Regional de Enfermagem (Coren) e o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) já se posicionaram contra a conduta da profissional responsável pelo vazamento de dados da atriz, que corre o risco de nunca mais poder exercer a profissão. Enquanto isso, a Fenaj nada mais pode fazer do que soltar uma nota em repúdio à exposição da intimidade da atriz.

Outrossim, é importante lembrar sobre a liberdade de expressão e seus limites. Ao falar acerca de discursos e exposições de fatos e/ou opiniões, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) elenca como direito fundamental de todos os cidadãos a livre manifestação de pensamento conforme prevê o art. 5º, inciso IV, que diz:

“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”

Ademais, quando se trata da comunicação social, o direito à liberdade aos veículos de comunicação é garantido constitucionalmente, sendo vedado qualquer tipo de restrição, desde que observado os limites previstos na própria Constituição. É o que prevê o artigo 220 da CF/88:

“à manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”

Nessa toada, compreende-se que a Constituição Federal elencou como bem jurídico a ser tutelado como direito fundamental, ao ser garantido constitucionalmente, a liberdade de expressão. De fato, a liberdade de expressão é importante para garantir a livre comunicação, como uma garantia básica para a dignidade humana individual e para o funcionamento da estrutura democrática do Estado.

Entretanto, dentro deste mesmo ordenamento jurídico, a Carta Magna impôs limites ao exercício desse direito, como se observou nos artigos mencionados anteriormente, assim como elencou como direito e garantias fundamentais o exercício de direitos e os limites desse exercício. É o que se apresenta no art. 5º, inciso II, da CF/88:

“II - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”

Partindo-se dessa premissa, faz-se necessário avaliar que existem limites a esse direito. Muitos afirmam que esses limites se trata de uma opção política. Adotando ou não opção política à esquerda ou à direita, a nossa Carta Magna é quem delimita quando a liberdade de expressão deixa de ser um direito. E é quando as manifestações, falas e opiniões passam a configurar aquilo que a lei proíbe.

E aqui entramos nos limites da liberdade de expressão, que é quando essa liberdade de expressão deixa de ser manifestação de pensamento e/ou opinião e passa a estar sujeita a uma sanção imposta pelo Direito, ou seja, quando em virtude da lei o indivíduo é obrigado a deixar de fazer a manifestação de pensamento e/ou opinião, que passa a configurar uma prática criminosa ou caracterizar danos materiais ou morais, como o discurso de ódio, injúria, difamação, a violação de privacidade, intimidade, entre outros.

A título de exemplo, o caso tratado acima em que uma atriz foi exposta por um jornalista de “fofoca” e por uma blogueira. Pode-se avaliar três fatos tipificados como crime: 1) ter sido acusada falsamente de ter cometido um crime de abandono de incapaz, sem ter cometido, que é configurado o crime de calúnia previsto no art. 138 do Código Penal. 2) A exposição de dados processuais sigilosos, referentes ao processo de entrega voluntária do bebê, constitui crime de divulgação de segredo previsto no art. 153 § 1º-A do CP. 3) A violação de segredo profissional, crime previsto no art. 154 do CP, que a enfermeira comete ao divulgar dados do prontuário médico da atriz para o jornalista de “fofoca”.

Nesse sentido, ainda impõe lembrar que art. 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, afirma serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Portanto, conclui-se que o Estado Democrático de Direito garante a livre manifestação de pensamento, mas para que possamos conviver em democracia, há a necessidade de compreender que para todo direito existe um limite que é preciso ser observado sob pena de atingir direitos de outrem.

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1 Art. 6º - É dever do jornalista:  VIII - respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão; XI - defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, dos adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos negros e das minorias.

2 Art. 17. Os jornalistas que descumprirem o presente Código de Ética estão sujeitos às penalidades de observação, advertência, suspensão e exclusão do quadro social do sindicato e à publicação da decisão da comissão de ética em veículo de ampla circulação. Parágrafo único - Os não-filiados aos sindicatos de jornalistas estão sujeitos às penalidades de observação, advertência, impedimento temporário e impedimento definitivo de ingresso no quadro social do sindicato e à publicação da decisão da comissão de ética em veículo de ampla circulação. 

3 Recurso Extraordinário nº 511.961

Joyce Mazzoco do Nascimento
Advogada no escritório Peter Filho, Sodré, Rebouças & Sardenberg - Advocacia. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), mestranda em Ciências Sociais com foco em Antropologia pela UFES, pesquisadora vinculada ao NEAB/UFES, pós-graduanda em Direito Administrativo pela FAVENI, integrante da Associação Nacional da Advocacia Negra (ANAN) e membra da Comissão da Mulher da 17 ª Subseção da OAB/ES.

Ingrid Nerys
Jornalista e assessora de comunicação no escritório Peter Filho, Sodré, Rebouças e Sardenberg Advocacia. Cursa MBA em Jornalismo Empresarial e Assessoria de Imprensa.

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