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Mercado brasileiro de carbono ganha força com regulamentação do setor

Decreto federal 11.075/22 é um avanço, mas a segurança jurídica sobre o assunto ainda depende de lei específica.

1/8/2022

Como se sabe, a nova regulamentação do mercado brasileiro de carbono foi promulgada recentemente pelo decreto federal 11.075/22, que estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare) e altera o decreto 11.003/22, que institui a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano.Tal decreto se insere nas discussões sobre a consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono, iniciada pela lei Federal 12.187/09, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).De acordo com a PNMC, caberia ao Poder Executivo estabelecer os Planos Setoriais de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas, com vistas a atender a metas gradativas de redução de emissões de gases de efeito estufa, o que foi divulgado durante o Congresso Mercado Global de Carbono – Descarbonização & Investimentos Verdes, realizado em meados de maio pelo Banco do Brasil e pela Petrobras, com apoio do Ministério do Meio Ambiente e do Banco Central.

Em linhas gerais, o decreto não apresenta detalhamentos sobre a regulamentação dos mercados de carbono e ainda não oferece a segurança jurídica necessária, o que seria de extrema importância para o desenvolvimento do tema de forma geral. O documento aborda o assunto de forma bastante superficial, por meio de conceitos e dispositivos genéricos ou muito similares àqueles já existentes, sobretudo no que se refere ao Projeto de lei 2.148/15, que está em tramitação avançada na Câmara dos Deputados.

Entre os pontos abordados, a nova norma define o que seriam os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, que devem ser compreendidos como os instrumentos setoriais de planejamento governamental para o cumprimento de metas climáticas. Essa definição evidencia a relevância dos instrumentos setoriais para o estabelecimento das metas climáticas.

Além disso, nota-se que o decreto não traz qualquer previsão sobre a definição das metas climáticas, nem qualquer direcionamento com relação ao seu estabelecimento, mas apenas os procedimentos para a elaboração dos planos.

Outro ponto trazido é com relação às propostas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, que agora poderão ser apresentadas pelos agentes setoriais (integrantes dos setores de geração e distribuição de energia elétrica, transporte público urbano e sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros, indústria de transformação e de bens de consumo duráveis, indústrias químicas fina e de base, indústria de papel e celulose, indústria de mineração, indústria da construção civil, serviços de saúde e agropecuária). A competência, porém, para propor os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas caberá ao Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Economia e a ministérios setoriais relacionados, quando houver. Os planos serão aprovados pelo Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde, instituído na forma prevista no decreto 10.845/21.

A ausência de metas climáticas pode indicar certa flexibilidade com relação às metas de redução de carbono, uma vez que os instrumentos setoriais viabilizarão a discussão e seu estabelecimento com a participação dos agentes setoriais.

O decreto viabilizou também o tratamento diferenciado para os agentes setoriais, conforme a categoria da empresa e/ou propriedades rurais e suas características (como faturamento, níveis de emissão, características do setor econômico e região de localização), medida que reflete as diferentes realidades de um país continental como o Brasil. Nesse viés, os agentes setoriais terão o prazo de 180 dias – prorrogáveis por igual período – para apresentar suas proposições para o estabelecimento de curvas de redução de emissões de gases de efeito estufa.

Porém, cabe destacar que no decreto não há qualquer previsão de se estabelecer um plano setorial de mitigação se não for firmado instrumento setorial. A hipótese ficou em aberto e não se sabe o que pode ocorrer, caso tais instrumentos não sejam assinados. Apesar da falta de previsibilidade, alguns setores já firmaram protocolo de intenções para colaborar na elaboração de Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas.

Além de prever os procedimentos para a elaboração de tais planos, o decreto instituiu o Sinare, com o intuito de ser uma  central única de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa e de atos de comércio, transferências, transações e aposentadoria de créditos certificados de redução de emissões. A instituição de uma central única de registros é de suma importância, na medida em que concentrará todas as transações do mercado brasileiro de carbono, o que pode auxiliar na prevenção de práticas de greenwashing.

O decreto prevê que serão reconhecidas como crédito certificado de redução de emissões as reduções e remoções de emissões registradas no Sinare que se somarem às metas estabelecidas para os agentes setoriais, caso atendam ao padrão de certificação do sistema.

Poderão ainda ser registradas no Sinare, sem a necessidade de geração de crédito certificado de redução de emissões, pegadas de carbono de produtos, processos e atividades, carbono de vegetação nativa, carbono no solo, carbono azul (capturado pelos ecossistemas costeiros) e unidade de estoque de carbono.

Com a promulgação do decreto, foi dado um passo – ainda que pequeno – para a implementação de um mercado de carbono efetivo no Brasil. Apesar de a norma ser ampla e não definir metas específicas de redução de emissão de gases de efeito estufa nem a metodologia para o funcionamento do Sinare, houve avanço, considerando o estabelecimento de aspectos relevantes para o início da maturação de um mercado de carbono regulado.

Porém, a tão aguardada segurança jurídica sobre o assunto virá apenas com a promulgação de lei específica sobre o tema. É o que se busca com o projeto de lei 2.148/15 e outros que surgiram ao longo do tempo e foram a ele apensados. A regulamentação dos aspectos que permanecem em aberto no decreto – como a operacionalização do sistema implementado – também será essencial.

Contudo, é necessário acompanhar de perto os próximos passos da regulamentação da descarbonização no Brasil – que começa a caminhar – e torcer para que se possa alcançar um desenvolvimento sustentável, com o equilíbrio necessário para a proteção das futuras gerações.

Aline Barreto de Moraes e Castro Philodemos
Advogada da área ambiental do Machado Meyer Advogados.

Camila Argentino Silva Ribeiro Scopel
Advogada da área ambiental do Machado Meyer Advogados.

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