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O processo administrativo de responsabilização

O Processo Administrativo de Responsabilização e os principais aspectos de punição administrativa da lei anticorrupção.

29/7/2022

Muito se fala sobre a corrupção no Brasil e no mundo. É possível que cada um de nós já tenha experimentado o resultado amargo dessa prática tão antiga, e ao mesmo tempo tão atual que assola o país em seus mais diversos cantos.

Até razoavelmente pouco tempo atrás, muitas dessas práticas sequer eram penalizadas em razão da inexistência de uma normativa para tanto. Entretanto, a lei 12.846/13, veio para mudar tal cenário, ao menos no âmbito empresarial.

A referida lei, também conhecida como lei Anticorrupção, dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Nela encontram-se as principais definições, bem como descrição dos atos lesivos, além de aspectos gerais de responsabilização, os quais, até então eram regulamentados pelo decreto federal 8.420/15.

Todavia, recentemente, mais precisamente em 11 de julho de 2022, foi publicado novo Decreto regulamentador - decreto 11.129, o qual, além de revogar expressamente o decreto anterior, trouxe novas disposições aos temas já tratados anteriormente, como responsabilização e sanção administrativa, acordo de leniência, programa de integridade, cadastro nacional de empresas inidôneas, entre outros. As mudanças passaram a vigorar a partir do dia 18 de julho de 2022.

Posto isto, o presente artigo se limitará a trazer os principais aspectos de punição administrativa decorrentes do Processo Administrativo de Responsabilização, também conhecido como PAR.

Sobre o tema, o novo decreto prevê um microssistema de responsabilização administrativa, que compreende dois tipos de sanções: pagamento de multa e obrigatoriedade de publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora, as quais, somente serão aplicadas após a decisão final do processo Administrativo de Responsabilização ou de Acordo de Leniência.

Tudo tem início com uma investigação preliminar, conduzida por uma autoridade competente, a qual, tendo ciência da possível ocorrência de ato lesivo à administração pública, poderá: (i) abrir uma investigação preliminar; (ii) recomendar a instauração do PAR; ou (iii) recomendar o arquivamento da matéria.

Neste aspecto, a investigação não tem caráter punitivo, já que o seu principal objetivo é apurar possível autoria e materialidade. Assim, o Processo Administrativo de Responsabilização só será iniciado se referidos elementos forem devidamente caracterizados.

Conforme visto, embora a investigação preliminar não preveja formalismo rigoroso, uma vez que o objetivo principal não é punir, mas sim verificar se houve o efetivo ato lesivo à administração pública e sua autoria, o processo só será iniciado caso verificada a autoria e materialidade do ato lesivo.

Concluída a investigação preliminar será encaminhado um relatório conclusivo, com todos os elementos probatórios à autoridade máxima do órgão lesado, que decidirá acerca da instauração ou não do Processo Administrativo de Responsabilização, também conhecido como PAR.

Neste ponto, uma das mudanças trazidas pelo novo decreto é que o ato de indiciação conterá no mínimo: (i) a descrição clara e objetiva do ato lesivo imputado à pessoa jurídica com a descrição das circunstâncias relevantes; (ii) o apontamento das provas que sustentam o entendimento da comissão pela ocorrência do ato lesivo imputado; e (iii) o enquadramento legal do ato lesivo imputado à pessoa jurídica processada.

Tal como qualquer procedimento legal, à pessoa contra a qual foi instaurado o PAR é assegurada a ampla defesa e o contraditório, razão pela qual a pessoa jurídica processada poderá apresentar defesa escrita e produzir provas, cuja pertinência, de acordo com o artigo 8.º do novo decreto, será avaliada pela autoridade competente, que poderá indeferir, de forma motivada, os pedidos de produção de provas ilícitas, impertinentes, desnecessárias, protelatórias ou intempestivas.

Concluídos os trabalhos de apuração e análise, será elaborado um relatório a respeito dos fatos apurados e da eventual reparação dos danos, quando houver indícios de que do ato lesivo tenha resultado dano ao erário.

Oportuno destacar que o prazo para a conclusão dos trabalhos não excederá cento e oitenta dias, admitida a prorrogação, mediante solicitação justificada.

A decisão administrativa proferida pela autoridade julgadora ao final do PAR será publicada no Diário Oficial da União e no sítio eletrônico do órgão ou da entidade pública responsável pelo julgamento do PAR. Da decisão caberá pedido de reconsideração. Mantida a decisão, será concedido um prazo de trinta dias para o cumprimento das sanções impostas à pessoa jurídica.

Conforme dito acima, dentre as sanções aplicáveis no âmbito da lei Anticorrupção estão a multa civil e a publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora. Não há nenhuma penalização no âmbito penal.

Dentre as penalidades, chama-se a atenção para dois pontos: as circunstâncias e os parâmetros para a fixação da pena. Afinal, como é calculada eventual multa?

A teor do que dispõe o artigo 20 do decreto federal 11.129/22, a multa terá como base de cálculo o faturamento bruto da pessoa jurídica no último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos.

Como parâmetro, poderão auxiliar neste cálculo os registros contábeis da pessoa jurídica, por exemplo. Caso a pessoa jurídica comprovadamente não tenha tido faturamento no último exercício anterior ao da instauração do PAR, deve-se considerar como base de cálculo da multa o valor do último faturamento bruto apurado pela pessoa jurídica, excluídos os tributos incidentes sobre vendas, que terá seu valor atualizado até o último dia do exercício anterior ao da instauração do PAR.

Importante esclarecer que não se confunde a multa civil aqui discorrida com a reparação integral do dano causado à Administração Pública. Este último, sempre que ocorrer, deverá ser reparado pela pessoa jurídica, independente de futura aplicação de multa.

Alguns dos parâmetros para a fixação da multa estão previstas no artigo 22, que orienta como deve ser feito o cálculo. Em acrescimento, o artigo 23 traz algumas hipóteses atenuantes na aplicação da multa, dentre elas, a de não consumação da infração, ou, comprovação de devolução espontânea da vantagem auferida. Além disso, a nova norma prevê atenuação de até 5% do valor da multa no caso de manter a empresa um programa de integridade.

Neste ponto, ainda sobre a multa, convém lembrar que a lei Anticorrupção traz elementos gerais acerca de sua aplicação no âmbito da sanção administrativa. Por isso, o novo decreto objetiva a forma de aplicação, os parâmetros e limites, de modo que a sanção reflita efetivamente nas atividades da empresa e repreenda novos atos ilegais, servindo como exemplo, inclusive, para que outras empresas não ajam da mesma forma.

A outra penalidade que o decreto melhor detalhou é a publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora, ou seja, a pessoa jurídica condenada a esta sanção será obrigada a publicar a decisão administrativa sancionadora na forma de extrato de sentença para conhecimento de todos.

Em resumo, a publicação da decisão administrativa sancionadora nada mais é do que a publicidade da sanção que a empresa recebeu por atos de corrupção.

Veja que, a princípio, parece uma sanção pouco efetiva, porém, pensando na prática empresarial, uma empresa de grande porte, terá um grande impacto negativo ao publicar decisão por um ato de corrupção.

Do mesmo modo, o impacto poderá ser ainda maior para uma empresa de pequeno porte, uma vez que poderá levá-la até à falência.

Na prática a publicação deve ocorrer de forma cumulativa em 3 canais de comunicação: (i) Meio de comunicação de grande circulação, físico ou eletrônico, na área de atuação da pessoa jurídica sancionada, ou, na ausência, em publicação de circulação nacional; (ii) Edital fixado no estabelecimento da empresa, em local de grande visibilidade pelo público, pelo prazo mínimo de 30 dias; e (iii) No sitio eletrônico da empresa, em destaque na página inicial, pelo prazo mínimo de 30 dias.

As duas penalidades previstas podem ser aplicadas cumulativamente ou isoladas, devidamente fundamentadas.

Ainda, a lei trouxe em seu bojo alguns aspectos a serem considerados quando da aplicação das penalidades. São elas: a gravidade da infração, o proveito econômico obtido, a consumação ou não da infração, dentre outras.

Porém, um mecanismo muito importante e que pode levar, e já tem levado, a algumas mudanças principiológicas nas empresas, é o fato da existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.

Tal fato deve ser levado em conta quando da aplicação de qualquer das penalidades previstas na lei.

Os procedimentos internos de integridade e auditoria podem ser conceituados como o conhecido compliance que significa, resumidamente, agir em conformidade com a lei.

Com isso, muitas empresas, grandes ou não, tem se reestruturado para manter um departamento exclusivo de controle interno dos seus atos e cumprimento das leis, de modo a não dar margem para processos de corrupção, atuando cada vez mais em conjunto com o Poder Público do que contra ele.

De todo o exposto, verifica-se que, no aspecto da responsabilização administrativa das empresas que praticam ato de corrupção, a lei tratou de penalizações mais efetivas e rápidas.

Conforme visto, há muito a se caminhar. O olhar preventivo trazido pela lei Anticorrupção, reforçado no novo decreto, deixa claro que corriqueiras práticas de corrupção no mundo empresarial já não são mais aceitas.

Muito já se viu e muito ainda se verá, entretanto, aquele que cumprir rigorosamente as leis e os princípios básicos que regem os negócios, terão, além maior segurança no mercado econômico, vantagem competitiva perante os demais.

Fabiane Pinto
Advogada e Servidora Pública Municipal especialista em Direito Administrativo, Eleitoral e Compliance, com certificações pela Fundação Getúlio Vargas e LEC Legal, Ethics e Compliance.

Byanca Caroline Metzger Damiani
Advogada e servidora pública especialista em Direito Constitucional e Direito Público pela ABDConst e Universidade Positivo.

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