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ICMS – DIFAL – LC 190/22 – Crítica à decisão liminar na ADIn 7.066/DF

É imperioso que esta decisão liminar da ADIn 7.066 seja reformada pelo Plenário da Suprema Corte não só pelo que acima foi exposto, mas também e especialmente por ser violadora do art. 926 e dos incisos I e V do art. 927, ambos do CPC em vigor.

28/7/2022

O assunto do DIFAL não é novo para os contribuintes brasileiros e, pelo andar da carruagem, está longe de se encerrar. A mais nova batalha diz respeito à cobrança do DIFAL previsto na LC 190/22, objeto da ADIn 7.066.

O escopo deste trabalho é tecer críticas à fundamentação adotada na decisão liminar proferida na mencionada ADIN 7.066/DF. Para facilitar a compreensão destas críticas farei o alinhamento dos respectivos argumentos invocados.

Vejamos.

(a) Do alegado “juízo de probabilidade” invocado para negar a liminar

Após reportar-se a vários precedentes da Suprema Corte que tratam dos requisitos para a concessão do pedido liminar em ações diretas de inconstitucionalidade, quais sejam (i) comprovação do perigo da lesão irreparável, dada a presunção de constitucionalidade das leis - ADI 1.155-3/DF; (ii) juízo de conveniência política intitulada à Suprema Corte para suspender a eficácia das leis - ADI 3401 MC; (iii) plausibilidade inequívoca dos evidentes riscos sociais ou individuais que a execução da lei pode gerar - ADI 718 MC; (iv) relevância da fundamentação da arguição de inconstitucionalidade e entraves à atividade econômica -  ADI 173 MC, a decisão assim se manifesta:

“Na presente hipótese, ainda em sede de cognição sumária, fundada em mero juízo de probabilidade, entendo AUSENTES os requisitos necessários para a concessão da medida liminar pleiteada por todos os Requerentes.”

O que se põe em destaque nesta passagem do voto é o ponto na qual a decisão invoca um alegado juízo de probabilidade para firmar o indeferimento dos pedidos alinhavados pelas partes Requerentes.

Ora, se estamos diante de juízo de probabilidade1, esta decisão, pelo princípio maior da necessária motivação (inciso IX2 , art. 93, CF/88 c/c incisos I, II e V do §1º, art. 4893, CPC/15), deveria ter apresentado o espaço amostral4 considerado; vale dizer, quais os eventos de mesma natureza deste julgado (entenda-se, casos submetidos ao STF com a mesma fundamentação) que teriam sido considerados pela decisão e cujos resultados tenham sido pela não concessão da tutela pretendida por força dos mesmos fundamentos invocados.

Não há nada a este respeito, de forma que o argumento do “juízo de probabilidade” invocado pela decisão é meramente retórico, padecendo de nulidade a ser decretada com apoio nos citados dispositivos normativos, em especial os incisos I e V do §1º, do mencionado art. 489 do Diploma Processual em vigor.

Importante salientar que o referido inciso V do citado dispositivo do Diploma Processual é categórico ao qualificar como não fundamentada, portanto, nula, a decisão judicial que “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”.

Com efeito, não há qualquer similitude entre os fundamentos determinantes dos acórdãos das citadas ADIN, com os operados pela decisão ora criticada, de modo que o ocorrido em tal decisão foi a expressa violação deste dispositivo processual que exige a concatenação de fundamentos entre julgados que se alegam serem semelhantes ou de mesma natureza.

(b) Da pretensa inaplicação da decisão proferida no RE 1.287.019-RG e na ADIn 5469 pelo Plenário do STF

Segue a decisão ora sob crítica argumentando que o acórdão proferido pelo Plenário do STF no julgamento do RE 1.287.019-RG e da ADIn 5469, conquanto em sede de repercussão geral, não teria o condão de impedir a reanálise estabelecida, agora, o âmbito da ADIn 7066. Vejamos:

“Deve-se reconhecer que a compreensão majoritária da CORTE no julgamento do RE 1.287.019-RG e ADI 5469 apontou a impossibilidade de que tais alterações normativas se consolidassem no mundo jurídico apenas com a normatividade estabelecida na própria Constituição, sendo necessária a edição de lei complementar pelo Congresso Nacional para a regularização do novo arranjo fiscal relacionado à sujeição ativa do ICMS nas operações em questão (divisão da arrecadação na operações interestaduais destinadas a consumidor não contribuinte). A conclusão daquele julgamento, entretanto, não parece ser suficiente para impor a incidência do princípio da anterioridade, como apontado pela Consultoria-Geral da União, em informações acostadas aos autos da ADI 7066 pelo Presidente da República (doc. 119), da qual transcrevo:

Não há uma correlação apriorística entre exigência de lei complementar e submissão ao princípio da anterioridade. O fato de a matéria ter natureza tributária não exige, por esse motivo isoladamente, que às regras da anterioridade seja submetida. Será necessário, pois delinear o conteúdo normativo em testilha para concluir se está submetido, ou não, ao princípio da anterioridade e em que termos.

(...)

34. A indagação que se pretende apresentar é a seguinte: a Lei Complementar 190/22, ao regulamentar a cobrança do ICMS, nos seus exatos termos, (i) instituiu ou (ii) majorou o ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto? Esse aspecto não foi objeto de julgamento na ADI 5.469 e no RE 1.287.019. Nesse ponto, encontra-se a distinção com o objeto da presente ADI, centrado na observância, ou não, da Lei Complementar 190/22 ao princípio da anterioridade geral.

As hipóteses são distintas, pois uma coisa é averiguar se a cobrança do DIFAL atrairia a incidência do art. 146, da CF, em vista da alegação de se tratar de “norma geral de direito tributário”, por regular uma relação entre sujeitos antes não diretamente vinculados (contribuinte e Fazenda do Estado de destino da mercadoria); questão diversa, e mais específica, é definir se a regulamentação do DIFAL pela LC 190/22 importou naquilo que o art. 150, III, “b”, da CF, menciona como “lei que os instituiu ou aumentou”, referindo-se a “tributos” que se pretenda cobrar no mesmo exercício; o que, nesse juízo de cognição sumária não parece ter ocorrido.

O princípio da anterioridade de exercício posto no art. 150, III, “b”, da CF, é, notadamente, um instrumento constitucional de limitação do poder de tributar, pelo qual, em regra, nenhum tributo, seja da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, poderá ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou, tendo por finalidade evitar a surpresa do contribuinte em relação a uma nova cobrança ou um valor maior, não previsto em seu orçamento doméstico.

A LC 190/22 não modificou a hipótese de incidência, tampouco da base de cálculo, mas apenas a destinação do produto da arrecadação, por meio de técnica fiscal que atribuiu a capacidade tributária ativa a outro ente político – o que, de fato, dependeu de regulamentação por lei complementar – mas cuja eficácia pode ocorrer no mesmo exercício, pois não corresponde a instituição nem majoração de tributo.

A qualificação da incidência do DIFAL em operações interestaduais como nova relação tributária (entre o contribuinte e a Fazenda do Estado de destino) não é capaz de mitigar o fato de que a EC 87/15 (e a LC 190/22, consequentemente) preservou a esfera jurídica do contribuinte, fracionando o tributo antes devido integralmente ao Estado produtor (alíquota interna) em duas parcelas devidas a entes diversos.”

Verifica-se desta transcrição a pretensão de se desassemelhar o quadro jurídico analisado naquelas decisões da Suprema Corte com a decorrente das regras do DIFAL – não contribuinte, previstas na Lei Complementar Federal 190 de 2022.

Com efeito, pela perspectiva da inaplicação do Princípio da Anterioridade, de que trata a alínea “b”, do inciso III do art. 150 da CF de 1988, inexiste qualquer dúvida, até porque naqueles julgados que resultaram no Tema STF 1093 decidiu-se que o Convênio ICMS 93 de 2015 teria cometido um vício formal, ao invadir competência legislativa exclusiva de lei complementar. Até este ponto, não há o que se debater.

O problema central está na retórica argumentativa de obscurecer e, assim, confundir, para não se submeter à decisão do Plenário do STF que, às claras e de forma taxativa, concluiu que, com o advento da Emenda Constitucional 87 de 2015, foi estabelecida uma nova e inegável competência tributária para que os Estados e o Distrito Federal destinatários, por meio do ICMS, pudessem tributar as vendas interestaduais para não contribuintes deste imposto.

Vejam que a narrativa desenvolvida na negativa da liminar é a de que não haveria necessariamente a obrigação de se respeitar o Princípio da Anterioridade, porque não se teria, em tal situação, havido a “instituição” ou “majoração” de um tributo, circunstâncias nas quais levaria à observância daquele princípio.

Data maxima venia, isto é pura retórica que não se sustenta quando analisado detidamente o que foi decidido pelo STF quando do julgamento dos já citados RE 1.287.019-RG e a ADIn 5469.

Com efeito, confira-se a transcrição parcial do seguinte trecho do acórdão do referido recurso extraordinário:

“Comparando-se esses dispositivos com suas versões originais, chega-se à conclusão de que, nas operações e prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do ICMS, o remetente passou, com a EC 87/15, a ter mais uma obrigação tributária.

Com efeito, antes dessa emenda, ele apenas possuía, em casos assim, relação jurídico-tributária com o estado de origem, a quem era devido integralmente o ICMS segundo a alíquota interna de tal unidade federada. Com a emenda, o mesmo sujeito passou a ter duas relações tributárias: uma com o estado de origem, para o qual deve recolher o imposto com base na alíquota interestadual, e outra, no caso de destinatário não contribuinte do imposto, com o estado de destino, para o qual deve recolher o imposto correspondente ao diferencial de alíquotas, considerando-se a alíquota interna dessa unidade federada. No que diz respeito à alínea b do inciso VIII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, surgiram duas teses. A primeira é a de que o remetente seria substituto tributário quanto ao imposto correspondente ao diferencial de alíquotas, sendo o destinatário seu verdadeiro contribuinte. A segunda tese é a de que o remetente seria o próprio contribuinte do aludido diferencial. Quer se adote a primeira tese, quer a segunda, é certo que a EC 87/15, no tocante ao ICMS correspondente ao diferencial de alíquotas nas operações ou prestações interestaduais com destinatário não contribuinte do imposto, criou uma relação jurídico-tributária, tendo num dos polos (sujeito ativo) o estado de destino.

3. DO CONVÊNIO ICMS 93/15

Como visto, a EC 87/15 criou uma relação jurídico tributária entre o remetente do bem ou serviço (contribuinte) e o estado de destino nas operações com bens e serviços destinados a não contribuintes do ICMS. Houve, portanto, substancial alteração na sujeição ativa da obrigação tributária. O ICMS incidente nessas operações e prestações, que antes era devido totalmente ao estado de origem, passou a ser dividido entre dois sujeitos ativos, cabendo ao estado de origem o ICMS calculado com base na alíquota interestadual e ao estado de destino, o diferencial entre a alíquota interestadual e sua alíquota interna.”

Esta transcrição demonstra claramente que a Suprema Corte, ao analisar as consequências decorrentes da EC 87 de 2015, concluiu inegavelmente que houve modificação substancial da regra matriz do ICMS, na medida em que nova competência foi atribuída aos Estados e ao Distrito Federal. A Suprema Corte foi categórica: antes da EC 87 de 2015 e relativamente às operações interestaduais de venda de mercadorias a consumidor final não contribuinte, a única relação jurídico tributária possível de ser instituída com base na competência até então existente era a entre o contribuinte remetente da mercadoria e o Estado onde estabelecido (Estado de origem).

Somente, portanto, após esta EC é que tanto os Estados passaram a ter competência para tributar, tanto na origem, quanto no destino, as operações interestaduais com consumidor final não contribuinte. Tanto é assim e somente por força desta nova competência tributária que o art. 2º da EC 87 já previu a repartição da respectiva arrecadação pela fração de 20% a partir do ano de sua promulgação (2015).

Esta nova competência para os Estados destinatários se vislumbra não apenas pela evidente e inegável alteração e, assim, ampliação da sujeição ativa da regra matriz do ICMS, como também pela nova regra de base de cálculo e definição do vocábulo destinatário, cuja inexistência no ordenamento jurídico anterior à EC 87 de 2015 serviu também de igual fundamento para a Suprema Corte decidir pela invalidação do Convênio ICMS 93 de 2015. Novamente vejamos o que dispôs o STF naquele julgado do Tema 1093:

“No que diz respeito ao ICMS correspondente ao diferencial de alíquotas na hipótese de o consumidor final não ser contribuinte do imposto, tenho, para mim, que não há, na atual versão da LC 87/96, qualquer disposição sobre isso. Note-se que não se infere dessa lei complementar, por exemplo, (i) quem é o contribuinte dessa exação, isto é, se é o remetente ou o destinatário; (ii) se há ou não substituição tributária na hipótese; (iii) quem deve ser considerado o destinatário final, se, v.g., o destinatário físico ou se o destinatário jurídico dos bens; (iv) quando ocorre o fato gerador da nova obrigação, se, por exemplo, na saída da mercadoria do estabelecimento, na entrada dela no estado de destino ou, ainda, em sua entrada no estabelecimento ou no domicílio do consumidor final; (v) onde ocorre o fato gerador, para efeito de cobrança da exação.”

De forma absolutamente inusitada a decisão ora posta em debate procura esquivar-se da conclusão necessária e decorrente daquele julgado da Suprema Corte, afirmando que a Lei Complementar Federal 190 de 2022 não teria tratado de matérias atinentes ao art. 146, III da CF de 1988, mas apenas versado sobre a destinação da arrecadação do ICMS e, sendo assim, a observância ao Princípio da Anterioridade e ela não se aplicaria. Confira-se:

“A LC 190/22 não modificou a hipótese de incidência, tampouco da base de cálculo, mas apenas a destinação do produto da arrecadação, por meio de técnica fiscal que atribuiu a capacidade tributária ativa a outro ente político – o que, de fato, dependeu de regulamentação por lei complementar – mas cuja eficácia pode ocorrer no mesmo exercício, pois não corresponde a instituição nem majoração de tributo.”

Como já mencionado, a decisão em debate surpreende não apenas por não se submeter ao entendimento do Plenário da Suprema Corte, mas, o que é pior, incorrer em atecnia repreensível ao invocar o argumento da “capacidade tributária ativa”, quando estamos diante de inegável competência tributária, na medida em que, como disse o STF, trata-se de nova relação jurídica cujos contornos normativos foram originariamente inaugurados pela EC 87 de 2015. Capacidade tributária pressupõe a competência, justamente porque esta inaugura o direito de criar tributo, enquanto aquela transfere para terceiros o direito de cobrar/fiscalizar o tributo criado pelo exercício originário da competência.

Conforme decidiu a Suprema Corte, anteriormente à EC 87/15, os Estados destinatários não possuíam o direito de cobrar o ICMS em tais operações interestaduais de venda de mercadorias para consumidor final, não contribuinte. Logo, não se trata de capacidade, mas sim e tão somente de nova competência tributária.

Ainda que estes fundamentos não fossem suficientes para demonstrar a total impossibilidade de manutenção desta decisão liminar na ADIN 7.066, outro dado de extrema relevância há de ser posto à lume.

O Congresso Nacional, na sua mais legítima competência legislativa, fez publicar a referida Lei Complementar 190 de 2022 justamente para preencher a lacuna normativa originada da decisão do STF que invalidou o mencionado Convênio ICMS 93 de 2015.

O relatório5 de votação do projeto que culminou na edição desta lei complementar é cristalino neste sentido, conforme podemos verificar da seguinte transcrição:

“Para regulamentar o disposto na EC 87, de 1995, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) editou o Convênio ICMS 93/15. Nele, entre outras coisas, estavam previstas regras de definição da base de cálculo, responsabilidade de recolhimento de cada parcela e forma de cálculo do ICMS pertencente aos Estados de origem e de destino. Ocorre, contudo, que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.469/DF, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais várias cláusulas do Convênio que regulavam a forma de cobrança do diferencial de alíquota (Difal) nas sobreditas operações e prestações interestaduais, sob o argumento de que a matéria está reservada à lei complementar. A Corte resolveu, ainda, modular os efeitos da decisão, permitindo a cobrança até 31 de dezembro de 2021, ainda com base nas regras questionadas. Até o final desse prazo, para que a cobrança do Difal continue a partir de 2022, deve ser publicada lei complementar para tratar do assunto. Além disso, cabe lembrar que tal norma só terá efetividade após noventa dias de sua publicação, ou no ano seguinte, o que for posterior, de acordo com o disposto no art. 150, III, da Constituição Federal.”

Ora, fosse apenas uma redestinação de arrecadação tributária o que fora feito pela Lei Complementar 190 inexistiria todo este esforço legislativo que culminou na promulgação da EC 87 de 2015.

Outrossim, não se pode olvidar que a destinação da arrecadação em questão já havia sido estabelecida pelo mencionado art. 2º da EC 87 de 2015 e que, neste sentido, desde sua promulgação foi operado pelos Estados com eficácia plena; portanto, independentemente de qualquer regulação normativa posterior.

A conclusão a que se chega, portanto, e com base estritamente no que o STF decidiu ao julgar os referidos RE 1.287.019-RG e a ADIn 5469, é que a EC 87 de 2015 conferiu aos Estados e ao Distrito Federal nova competência tributária.

Desta forma, tratando-se de nova competência tributária é cláusula pétrea a observância do Princípio da Anterioridade, na medida em que esta novel competência seja exercida.

Por fim, é imperioso que esta decisão liminar da ADIn 7.066 seja reformada pelo Plenário da Suprema Corte não só pelo que acima foi exposto, mas também e especialmente por ser violadora do art. 926 e dos incisos I e V do art. 927, ambos do CPC em vigor.

Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli
Advogado, Mestre e Doutor pela PUC/SP.

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