Saber como se torna advogado nos Estados Unidos é de extrema importância, especialmente nesta nossa contemporaneidade fluída. Se você advoga em áreas que tocam o direito estrangeiro, uma hora ou outra vai se deparar com um colega advogado de lá dos tributários de Hamilton. Hoje, neste primeiro artigo, eu vou responder essa questão e, nos próximos, mostrarei outros aspectos essenciais daquilo que conhecemos por ‘Legal English’.
A resposta mais curta para a pergunta do título é a seguinte: pass the bar1 examination test. Lá nos EUA, cada estado da federação promove, pelo menos duas vezes ao ano, o ‘bar examination test’ (BE), que nada mais é do que uma prova aplicada em uma data específica.
De forma objetiva, se o candidato atinge a pontuação mínima no BE, então poderá atuar como advogado: um ‘bar-licenced attorney-at-law’, ou simplesmente ‘attorney2’. No entanto, há certos requisitos específicos que o candidato vai ter que cumprir simplesmente para poder se inscrever no processo.
Vou te dar um exemplo prático: vamos supor que você quer ser ‘bar-licenced attorney’ no estado de New York3. O BE lá de NY é um exame baseado na ‘Uniform Bar Examination’ (UBE), que é basicamente uma tentativa de uniformização do exame para os estados. A maioria dos estados adotaram o UBE e os candidatos, portanto, tem um norte de estudos melhor delineado. Azar de quem quiser ser attorney na California, que, como uma mini republiqueta com um opulente poder econômico, possui um sistema de exames próprio4.
Lembrando que, se você é um ‘bar-licenced attorney’ no estado de New York, não significa que você pode cruzar a ponte George Washington e tentar ajuizar uma ação de jurisdição estadual em New Jersey. Você terá que fazer um outro BE lá em New Jersey, pois se trata de um outro estado. Aliás, não é tão mais difícil do que o BE de NY, mas não é uma licença ampla para todo o país. ‘Um ‘NY Bar-Licenced Attorney’ só anda por Jersey enquanto advogado para comer ‘Hoagies’.
Voltando à pergunta anterior, a resposta mais completa seria a seguinte: para se tornar um ‘bar-licenced attorney’ em NY, cada candidato terá que cumprir 5 requisitos5, não necessariamente nessa ordem: (1) o primeiro deles é atingir a nota mínima no UBE, prova da qual já tratamos acima; além disso, o candidato terá que (2) completar um curso online – ‘New York Law Course’ (NYLC) - para provar que entende do ordenamento jurídico do estado de New York – pois cada estado nos EUA tem competência para legislar sobre todas as matérias, uma característica primordial do sistema norte americano; (3) o candidato terá que ser aprovado em um exame presencial sobre o ordenamento jurídico do New York, o ‘New York Law Exam’ (NYLE); sem pestanejar, (4) fazer uma outra provinha chamada ‘Multistate Professional Responsibility Examination’ (MPRE), que funciona como um teste de código de ética e conduta profissional para os futuros attorneys; (5) comprovar já ter realizado, no mínimo, 50 horas de trabalho em clínicas jurídicas6 em caráter completamente pro-bono; e, finalmente, (6) satisfazer os requisitos educacionais (e morais) básicos da profissão – isso porque há, durante esse processo, uma análise do que eles chamam de ‘Character and Fitness’, que é uma varredura da vida pregressa a atual do candidato, com questões inclusive de cunho pessoal que, aliás, também são eliminatórias consoante o temperamento da conversa. Sobre essa parte do processo, há um certo ‘véu de obscuridade’, vez que o ‘Board of Law Examiners’ não tem a obrigação de fornecer informações sobre esse escrutínio7. Certo é que vão correr a ficha do sujeito e perguntar sobre aquele evento que até ele tinha esquecido.
Relativamente a esse último item da lista acima, vale a pena fazermos uma pausa para entendermos quais são, afinal de contas, os requisitos educacionais dos futuros advogados nos EUA.
São requisitos oriundos do próprio poder judiciário de NY8, mas, de toda sorte, é essencial que o aluno tenha obtido um ‘Juris Doctor Degree’ (JD) de qualquer Law School do país que tenha filiação com a ‘American Bar Association’ (ABA).
“Qualquer”, nesse caso, é admitido no sentido literal, pois trata-se de, acima de tudo, de uma questão financeira, pois saiba que todo o seu JD vai ser custeado pelo seu bolso. É aqui que você sempre ouve falar das oito ‘Ivy League Universities9’, como a Harvard, a Yale e a Columbia, escolas que custam em torno de módicos 100.000,00 dólares por ano. E o ‘Juris Doctor’ é um curso que dura, em média, e se o aluno estudar em tempo integral, três anos.
Nos EUA existem pouco mais de duzentas ‘ABA-accredited law schools10’, que é a lista de instituições que tem chancela da ABA para oferecerem cursos de JD (apenas a título de comparação, temos mais de 1.500 cursos de direito no Brasil).
Tangencialmente, é importante esclarecer um fato mitológico da American Common Law: em apenas quatro estados dos EUA é bastante possível fazer o BE sem ter passado oficialmente pelos bancos escolares de uma Law School, dentre os quais o próprio estado da California, mencionado acima. Porém, não é simples. California utiliza do ‘Law Office Study Program’, mais conhecido como ‘Rule 4.2911’, cujo teor obriga o candidato a comprovar que trabalhou por – no mínimo – 18 horas por semana em uma Law firm, por quatro anos consecutivos. Ainda, é preciso ter passado em todas as provas que são aplicadas em uma Law School qualquer, ter passado no ‘Multistate Professional Responsibility Examination’ (MPRE), além de ter recebido comendas positivas na avaliação ‘Character and Fitness’. Enfim, a alternativa ao caminho das pedras é o caminho pelas pedras incandescentes, ao que parece.
Em regresso ao nosso tema, o que não te contam é que, para que você consiga entrar em uma Law School, é preciso já ter passado em uma prova chamada ‘Law School Admition Test’ (LSAT). É uma prova criada, aplicada e administrada pelo ‘Law School Admission Council’, uma entidade da qual fazem parte as grandes instituições de ensino de direito dos EUA, basicamente, como se fosse um vestibular específico para os cursos de direito, feito pelas próprias escolas de direito.
O que também não te contam é que as ‘ABA-accredited law schools’ só admitem alunos para o JD que já tenham completado um ‘Bachelor’s Degree Program’, também conhecido como ‘undergraduation’ (undergrad). Explico.
O aluno sai do ensino médio – ‘high-school’ – e não pode (e não deve) fazer direto o LSAT. O sujeito tem a obrigação de fazer um ‘Bachelor’s Degree Program’ de dois anos em um ‘College’ qualquer, e em qualquer área de estudo: desde teologia à engenharia fotoquântica (é lógico que se recomenda cursos ligados à filosofia e ciências políticas).
Em síntese, o caminho fica mais ou menos assim: dois anos de undergrad, estuda e passa no LSAT, três anos de law school – já aproveita para encaixar as 50 horas de pro-bono em uma clínica, ‘application’ para a UBE do estado onde você quer praticar advocacia, passar no UBE, cumprir com os requisitos locais e gerais da ‘Bar Association’ e, então, magicamente, estaremos diante de um ‘attorney-at-law’ – apenas para o estado que o sujeito escolheu, obviamente.
E para você que é brasileiro e tem comprovadamente um certificado de proficiência em língua inglesa, é importante salientar que é possível fazer a sua ‘application’ para fazer o UBE em qualquer estado dos EUA (mediante tradução de todo o seu histórico e ementa). E pode ser que naquele estado você esteja apto a fazer o UBE, mas, na maioria dos casos, as law schools nem aceitam o seu application se você não tiver feito o LLM (‘master of laws’) de nove meses em um college de lá. Mas essa é uma história para um próximo artigo.
Então, quando você estiver se comunicando com o ‘attorney’ lá dos EUA em uma dessas reuniões que desmantelam e reconstituem contratos, lembre-se que o caminho que ele percorreu foi um labirinto de provas e exames, de avaliações psicossociais e asseios morais. Lembre-se que ele, um dia, teve que trabalhar de graça em um momento desgraçadamente pobre de sua vida e saiba que ele ainda vai ter uns 30 anos pela frente para adimplir com o ‘Student Loan’ (o empréstimo estudantil) que ele teve que fazer para seguir o seu sonho.
No mais, sempre é bom quebrar o gelo perguntando sobre o undergrad que ele fez antes do JD: pode ser que ele te responda porque decidiu mudar para algo tão complexo quanto o direito, abandonando essas frugalidades da engenharia fotoquântica.
And now, Let’s get legal!
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1 Fique atento porque nos próximos artigos eu vou te contar a história dessa palavra ‘bar’, que é incrivelmente pertinente ao nosso métier e inevitavelmente cômica sob qualquer ponto de vista.
2 Repare que eu não usei o termo ‘lawyer’, como você aprendeu na escola; vou explorar o termo ‘lawyer’ com mais vagar na sequência (nota do autor).
3 Disponível em https://www.nybarexam.org/Default.html
4 https://barprephero.com/learn/uniform-bar-examination-states/
5 Disponível em https://www.nybarexam.org/TheBar/NYBarExamInformationGuide.pdf
6 Disponível em http://ww2.nycourts.gov/attorneys/probono/baradmissionreqs.shtml
7 ‘The Board of Law Examiners has no information about, and is unable to answer questions regarding the Application for Admission to Practice, which you may download by clicking the link above "Multi-Department Admission Packet." You should read the General Instructions very carefully, and direct any questions to the Judicial Department in which you reside or to which you have been certified’. Disponível em https://www.nybarexam.org/Admission/Admission.htm
8 Disponível em https://www.nycourts.gov/ctapps/news/nottobar/nottobar121615.pdf
9 https://www.usnews.com/education/best-colleges/ivy-league-schools
10 https://www.americanbar.org/groups/legal_education/resources/aba_approved_law_schools/
11 Disponível em https://www.calbar.ca.gov/Portals/0/documents/rules/Rules_Title4_Div1-Adm-Prac-Law.pdf