1. Padrão de Conduta
Ao aplicar os recursos dos planos de benefícios, o administrador de EFPC deve adotar práticas que garantam o cumprimento do seu dever fiduciário. Para tanto, o administrador deve racionalmente: (a) buscar e considerar informações em quantidade e qualidade suficientes; (b) avaliar juízos de risco e retorno; (c) adequar suas decisões ao perfil de risco do plano; (d) ter por interesse de referência a rentabilidade financeira para honrar as obrigações; (e) observar, ainda, os princípios de segurança, solvência, liquidez e transparência. Por tudo que foi dito, o administrador ativo e probo atua sempre no melhor interesse dos planos administrados e utiliza informação para decidir com racionalidade econômica.1
2. Responsabilização Administrativa
Na essência, o administrador de EFPC é um gestor de recurso de terceiros. Assim, pode lesionar o patrimônio alheio se não atuar no interesse dos planos administrados e praticar ato incompatível com seus deveres de cuidado e lealdade.
Com efeito, na proteção de direitos patrimoniais privados difusos e/ou coletivos, o estado-administração possui o papel de punir condutas indesejadas. Por sua vez, esse poder punitivo está atribuído a uma autarquia federal.2 A lei 12.154/09 estabelece a competência da Previc para fiscalizar as atividades das EFPC, apurar e julgar infrações, e aplicar penalidades.3 Também é certo que esses processos sancionadores, por se tratarem de uma espécie de processo administrativo, são regidos pela lei 9.784/99.4 Nessa mesma linha, o decreto 4.942/03 regulamenta a apuração de responsabilidade no âmbito do regime da previdência complementar e prevê duas espécies de processo administrativo: (a) o Auto de Infração; e (b) o Inquérito Administrativo. Vejamos: “Art. 2º O processo administrativo [...] terá início com a lavratura do auto de infração ou a instauração do inquérito administrativo.”
3. Critério de Distinção entre Inquérito Administrativo e Auto de Infração
Do prisma sob o qual a norma reguladora foi idealizada, o Inquérito Administrativo é direcionado para os casos mais complexos com necessidade de uma extensa produção de provas. De outro lado, o Auto de Infração foi concebido para tratar de demandas mais simples em que, já à primeira vista, se vislumbra um erro grosseiro ou uma violação objetiva de uma regra.
Estabelece o decreto 4.942/03. “Art.39. [...] II - quando configurada a prática de ato, omissivo ou comissivo, que possa constituir infração nos termos deste decreto: a) pela lavratura de auto de infração, observado o disposto no Capítulo II deste decreto; ou b) pela instauração do inquérito administrativo, quando a complexidade dos fatos assim o recomendar.[...]”
Perceba-se que o caráter de uma demanda menos complexa permite que a descrição da infração seja sumária e que os supostos infratores sejam notificados apenas após a lavratura do Auto de Infração.5 Por seu turno, a natureza mais complexa do Inquérito Administrativo prevê um procedimento em que as pessoas que praticaram os atos em apuração sejam notificadas para acompanhar o inquérito desde o seu início.6
Neste sentido, chamamos atenção para a portaria 901/19 que cria o COPAI - Comitê de Análise de Lavratura de Auto de Infração e Instauração de Inquérito Administrativo.6 Esse Comitê deve deliberar prévia e autonomamente à lavratura do Auto de Infração ou instauração do Inquérito Administrativo. (Sempre seguindo um processo formalizado em que conste, no mínimo: Proposta de instauração do Inquérito Administrativo ou do Auto de Infração;8 votos de cada membro; 9 opinião conclusiva;10 e ata da reunião).
A motivação do ato administrativo da decisão do COPAI também é um elemento central para se verificar sua validade. Há que se examinar, no mínimo, se estão atendidos os pressupostos do Art. 50 da Lei 9.784/99.11 Isto é, deve haver uma motivação explícita, clara e congruente diante da complexidade dos indícios de uma infração para distinguir entre o Inquérito Administrativo e o Auto de Infração. E, por pressuposto lógico, o estado-administração deve definir precisamente uma gradação. Não se admite razoável que os fiscais só se deparem com casos simples. Ao mesmo tempo, não é plausível que só encontrem casos complexos. Como exemplo, podemos imaginar uma violação objetiva de regras de limites quantitativos ou uma decisão desprovida de critério de racionalidade que é logo percebida. Possivelmente, dará ensejo a um Auto de Infração lavrado pouquíssimo tempo depois de o fato ocorrer. Entretanto, se houver maior complexidade para aferir a existência do ato ilícito será o caso de Inquérito Administrativo.
Dentro de uma mesma lógica de gradação, a necessidade de uma investigação difícil e demorada sobre um sem-número de documentos é prova cabal de complexidade e, até mesmo, um provável indício de que não houve um erro grosseiro, portanto, um ato ilícito. Contudo, há os casos em que o administrador pode ter agido ou se omitido com o objetivo de beneficiar a si próprio ou a terceiro. Apenas nessas hipóteses — em que os atos tendem a ser dissimulados — seria compreensível uma apuração mais prolongada. O que, por evidente, só é comportado no Inquérito Administrativo.
4. A Régua da Complexidade
Existe uma presunção absoluta de complexidade nos casos de intervenção ou liquidação extrajudicial.12 Para além disso, a régua da complexidade não é absolutamente objetiva. No entanto, o Decreto 4.942/03 estabelece ritos diferentes para o Auto de Infração e para o Inquérito Administrativo. Por isso, havendo qualquer dúvida sobre ser uma infração mais complexa, caberá ao COPAI eleger o procedimento que apresenta maior oportunidade para o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. 13
Como técnica para reforçar os conceitos, pode-se pensar em duas situações bem exageradas. (a) Uma infração que leva anos para ser identificada, envolve mais de uma dezena de pessoas e vem acompanhada de mais de mil páginas de anexo. Por óbvio, enquadra-se na complexidade do Inquérito Administrativo; ou (b) Administrador de EFPC promoveu a aquisição direta de um imóvel depois da entrada em vigor da Resolução CMN 4.661/18.14 Parece claro que essa violação objetiva da regra é hipótese de Auto de Infração. Para outros casos, caberá, de início, ao COPAI a importante tarefa de decidir motivadamente se é o caso de Auto de Infração ou um Inquérito Administrativo. Não obstante, mesmo a decisão administrativa quanto ao rito a ser seguido pode ser revista pelo poder judiciário caso viole os requisitos legais.
4. Contraditório e ampla defesa
Acima, referimos que o Inquérito Administrativo confere uma maior oportunidade para o exercício da defesa. Todavia, mesmo o Auto de Infração deve respeitar o contraditório e a ampla defesa.
O princípio do contraditório pode ser desdobrado em 3 direitos subjetivos para o administrador de EFPC: (a) à plena informação: direito ao acesso integral a todos os documentos relativos aos fatos a que a fiscalização teve acesso. Esse direito abarca até documentos que os fiscais acessaram, mas não usaram como fundamento da infração. Inclui, do mesmo modo, a integralidade do procedimento administrativo pré-processual de AFDE – Ação Fiscal Direta Específica e dos atos administrativos que o antecederam e fundamentaram sua instauração; (b) à reação: direito a responder às acusações; e (c) à influência: direito a ter seus argumentos levados em consideração. Ou seja, a Previc só pode recusar os argumentos de forma fundamentada e com motivação explícita, clara e congruente.
O princípio da ampla defesa, por sua parte, consiste na obrigação de a Previc colocar à disposição do administrador de EFPC todos os meios para realizar sua defesa, garantindo prazo razoável para manifestação. Desta maneira, por exemplo, não se admitiriam práticas tais como: (a) processos administrativos com anexos propositadamente desorganizados; (b) lançamento simultâneo de vários processos administrativos para prejudicar as defesas; (c) omissão de informações sobre a cadeia de atos administrativos que antecederam e fizeram parte da AFDE.
5. Conclusão
Por fim, registramos que o critério de distinção legal aqui descrito, infelizmente, não encontra eco na prática da Previc. É que já foram vistos processos administrativos muito complexos tratados pelo rito mais sintético do Auto de Infração.
Esses equívocos, como demonstramos, não se coadunam com o direito. Podem, além do mais, significar a posterior anulação do processo administrativo. De tal modo, a escolha do agente público por incorrer em custos que não produziram nenhum resultado útil significaria uma questão a ser analisada à luz dos princípios da eficiência, economicidade e racionalização do trabalho administrativo.
Espera-se, entretanto, que o desenvolvimento dos trabalhos do COPAI viabilize uma evolução consistente ao importante trabalho de fiscalização da Previc.
Assim, em breve, os critérios de complexidade entre o Inquérito Administrativo e o Auto de Infração poderão tornar-se explícitos, claros e congruentes
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1 GOMES DOS SANTOS, Renato de Mello - Do que devemos falar antes de processar um administrador de EFPC? Revista da ABRAPP maio/junho 2021 p.47/50. https://biblioteca.sophia.com.br/terminal/9147/visualizadorpdf?codigoarquivo=56052
2 GOMES DOS SANTOS, Renato de Mello - Competência do TCU para fiscalizar as EFPC e a defesa do capital privado. Portal Migalhas., 19 de abril de 2022 https://www.migalhas.com.br/depeso/364254/competencia-do-tcu-para-fiscalizar-as-efpc
3 Art. 2º Compete à Previc: I - proceder à fiscalização das atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de suas operações; II - apurar e julgar infrações e aplicar as penalidades cabíveis;[...]
4 LC 109/2001: Art. 66. As infrações serão apuradas mediante processo administrativo, na forma do regulamento, aplicando-se, no que couber, o disposto na Lei nº 9.784[...]
5 Art. 4º O auto de infração conterá os seguintes requisitos: [...] III - descrição sumária da infração;
6 Art. 41º [...] § 1º No caso de inquérito que decorra de atividade de fiscalização, serão notificadas todas as pessoas que possam ter participado, de qualquer forma, da prática dos atos objeto de apuração.
7 Art. 5º As deliberações do COPAI são prévias e autônomas à efetiva lavratura do Auto de Infração ou instauração do Inquérito Administrativo.
8 Art. 7º O membro proponente apresenta a minuta de Auto de Infração ou a proposta de instauração do Inquérito Administrativo para conhecimento, discussão e parecer do COPAI.
9 Art. 8º A cada membro relacionado no art. 2º cabe um voto, cabendo ao Coordenador do COPAI o voto de qualidade.
10 Art. 9º O COPAI deverá apresentar opinião conclusiva sobre a proposta de lavratura de auto de infração ou de proposta de instauração do Inquérito Administrativo. Art. 10. Na ata da reunião deverá constar as opiniões de cada um dos participantes [...]
11 Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, [...] § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. [...] § 3º A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.
12 Dec. 4.942/2003 Art.2º P. único. O inquérito administrativo decorrerá da decretação de intervenção ou liquidação extrajudicial, nos termos do art. 61 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, do oferecimento de denúncia e representação, bem como de atividade de fiscalização levada a efeito pela Secretaria de Previdência Complementar.
13 Constituição. Art. 5º LV - em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
14 Passou a ser vedada aquisição direta de imóveis. Inciso XIII do Art. 36 da Resolução CMN 4.661/18. Disposição mantida na Resolução CMN 4.994/22.