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Burnout: nova doença do trabalho!

É necessário que as empresas passem a identificar o funcionário como um ser humano, de modo que se consiga atingir equilíbrio nas relações de trabalho, com resultados positivos para ambos.

22/7/2022

Alguns fatores importantes no mundo fizeram com que os holofotes se voltassem para a síndrome de burnout, que é conhecida por sua relação com o excesso de trabalho e ausência de desconexão. 

Primeiramente, é importante destacar que a síndrome de burnout somente passou a ser reconhecida como doença do trabalho, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no início do ano de 2022, CID-11. 

Assim, não obstante a existência da doença, não havia a sua correlação legal com o trabalho e tal ausência de enquadramento resultava em prejuízos para o Empregado que seria afastado das suas atividades por doença comum, ou seja, B-311. 

Hoje, após o reconhecimento como doença do trabalho, o Empregado diagnosticado pela síndrome de burnout, ultrapassado o prazo de 15 (quinze) dias custeado pelo Empregador, será afastado pela espécie B-912, acidente de trabalho, o que implica em benefícios para o mesmo, pois haverá o recolhimento do FGTS no período do seu afastamento, bem como o funcionário fará jus a estabilidade de um ano, após o retorno ao trabalho.    

A síndrome de Burnout é definida como: 

“[...] um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. 

A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros”.3 

Observa-se que o burnout chama a atenção por seu aspecto que afeta o psicológico, preocupação hoje que domina o cenário mundial e as previsões indicam contornos alarmantes, pois recente relatório da OMS destaca déficit global de investimentos em saúde mental.4 

O ambiente laboral é bastante competitivo e existe uma cobrança, ainda que velada, para que os resultados sejam alcançados em tempos recordes, o que favorece um meio ambiente de trabalho tenso e intenso. 

As pessoas são cada vez mais obrigadas a dar resultados melhores e mais satisfatórios, a dominar as mais variadas técnicas, a agir e pensar como donos do negócio e isso envolve busca por soluções e resultados de forma hábil e rápida. 

Essa busca pela perfeição e melhoria constante, como se fosse indispensável ostentar a plaquinha de funcionário do mês o ano todo, muitas vezes resulta em uma conta bastante pesada para o Empregado e para o Empregador. 

As estatísticas evidenciam níveis elevados de benefícios previdenciários, relacionados a transtornos mentais e comportamentais, conforme a OIT (Organização Internacional do Trabalho):5 

Já o total de auxílios-doença concedidos por depressão, ansiedade, estresse e outros transtornos mentais e comportamentais (acidentários e não-acidentários) se mantiveram em níveis elevados, na média de concessões dos últimos cinco anos anteriores à pandemia da COVID-19 (com cerca de 200 mil concessões). 

Torna-se necessário lembrar, que os princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho são fundamentos da República e do Estado democrático de Direito e estão previstos no art. 1º da CF6. 

Ainda, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho são direitos constitucionalmente garantidos, nos termos do art. 7º, XXII da CF.7 

E mais, a legislação trabalhista, datada de 19438, protege direitos importantes e que visam justamente o bem estar e a saúde do trabalhador, como o direto de férias, repouso semanal remunerado, intervalo intrajornada e interjornada, utilização de EPI, pagamento de adicionais, etc. 

Não se pode permitir a regressão de direitos duramente garantidos e que são indispensáveis para que o Trabalhador esteja em perfeitas condições para a realização de um bom trabalho. 

A saúde do Empregado está diretamente ligada a diminuição do número de acidentes na Empresa, bem como aumento dos níveis de produção e qualidade de entrega do serviço. 

Analisando a jurisprudência, que ainda é recente, chama a atenção a relação entre a doença e a violação de direitos básicos trabalhistas: 

DOENÇAS OCUPACIONAIS, SÍNDROME DE BURNOUT. INDENIZAÇÕES MATERIAIS E MORAIS. A prova oral foi convincente em demonstrar que a autora efetivamente não gozava de suas férias anuais, ficando o período de descanso restrito a uma mísera semana, além de algumas emendas de feriados, e, ainda assim, a obreira se mantinha disponível para a sua equipe, continuando a realizar tarefas a distância, mesmo que de maneira incompleta, seja em relação aos funcionários da ré, seja em relação aos franqueados, desvirtuando, assim, os essenciais objetivos dos descansos anuais. Claro, portanto, que a autora efetivamente padeceu da cada vez mais famosa e recorrente "Síndrome de Burnout", assim conceituada como a doença "resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso". TRT da 2ª Região/SP. Processo n.º 1001272-67.2019.5.02.0712 (Recurso Ordinário). 12ª Turma. Relator Flávio Laet 

SÍNDROME DE BURNOUT. NEXO CAUSAL ENTRE A DOENÇA E A JORNADA EXAUSTIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. Comprovado, mediante laudo pericial e prova testemunhal, que o reclamante adquiriu a patologia identificada como a síndrome de burnout em razão da jornada exaustiva e regime de plantões implementados ao longo do curso contratual de longa duração, é devida a indenização pelos danos morais causados, ainda que não verificada a incapacidade ou redução da capacidade para o trabalho. Negado provimento ao recurso da reclamada. (TRT-4 - ROT: 00210152120175040122, Data de Julgamento: 23/09/2021, 2ª Turma)

(TRT-2 10012726720195020712 SP, Relator: FLAVIO ANTONIO CAMARGO DE LAET, 12ª Turma - Cadeira 4, Data de Publicação: 29/08/2021) 

SÍNDROME DE BURNOUT. NEXO CAUSAL ENTRE A DOENÇA E A JORNADA EXAUSTIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. Comprovado, mediante laudo pericial e prova testemunhal, que o reclamante adquiriu a patologia identificada como a síndrome de burnout em razão da jornada exaustiva e regime de plantões implementados ao longo do curso contratual de longa duração, é devida a indenização pelos danos morais causados, ainda que não verificada a incapacidade ou redução da capacidade para o trabalho. Negado provimento ao recurso da reclamada.

(TRT-4 - ROT: 00210152120175040122, Data de Julgamento: 23/09/2021, 2ª Turma) 

Antes do reconhecimento da síndrome de Burnout como doença do trabalho pela OMS, os tribunais do trabalho já avançavam neste sentido, reconhecendo o nexo causal com o trabalho, quando comprovado que a doença mental decorreu das condutas realizadas pelo Empregador. 

Sem dúvidas, que cabe ao Empregador não apenas aplicar o quanto previso em lei, garantindo os direitos básicos com relação ao meio de ambiente saudável e o bem estar físico e mental do trabalhador, mas também promover propostas que visem efetivar esses direitos. 

Isso envolve desde áreas de descanso, programas de integração, canais de atendimento, ouvidora, como também qualificação e treinamento daqueles que irão exercer cargos de diretoria e gestão, para que compreendam a necessidade de se conseguir olhar o empregado também como pessoa e não apenas como mais um dentro de uma organização empresarial. 

O mundo sofre de ansiedade, as pessoas estão aceleradas, o tempo parece estar andamento mais rápido e as pessoas não estão conseguindo dar conta de todo esse processo, que chegou com os aparatos tecnológicos. Evidente que isso se reflete no âmbito das relações como um todo, inclusive profissional e pessoal. 

O Burnout precisa ser diagnosticado por profissional da área de saúde, devidamente habilitado para tanto, e como qualquer doença, causa dor e sofrimento e exige tratamento adequado e cuidados especiais. 

O ambiente de trabalho precisa sim ter sensibilidade para acolher as transformações que acompanham o mundo sob o ponto de vista humano. 

É necessário que as empresas passem a identificar o funcionário como um ser humano, de modo que se consiga atingir equilíbrio nas relações de trabalho, com resultados positivos para ambos.

______________

1 Art. 59, da Lei 8.213/91.

2 Art. 19 e 20 da Lei nº 8.213/91

3 https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sindrome-de-burnout#:~:text=S%C3%ADndrome%20de%20Burnout%20ou%20S%C3%ADndrome,justamente%20o%20excesso%20de%20trabalho.

https://www.paho.org/pt/noticias/8-10-2021-relatorio-da-oms-destaca-deficit-global-investimentos-em-saude-mental

5 https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_842760/lang--pt/index.htm

6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

8 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm#:~:text=DECRETO%2DLEI%20N%C2%BA%205.452%2C%20DE%201%C2%BA%20DE%20MAIO%20DE%201943&text=Aprova%20a%20Consolida%C3%A7%C3%A3o%20das%20Leis%20do%20Trabalho.

Marina Gomes Mattos
Sócia Regional da filial de Salvador do Barreto e Dolabella Advogados e Diretora de Relações de Trabalho. Advogada e Professora. Formada em Direito pela UCSAL e pós graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UFBA.

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