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Tecnologia, empreendedorismo e a extinção definitiva da EIRELI pela lei 14.382/22: o que fazer?

O empreendedor adquirente de tecnologia que esteja incluído na automática mudança da EIRELI para sociedade limitada unipessoal, manterá a responsabilidade pessoal se não alterar seu ato constitutivo?

21/7/2022

Tradicionalmente a tecnologia – com base nos conceitos intelectualista/utilitarista e instrumentalista – é definida como conhecimento e informação que pode ser utilizado de forma sistemática para prestação de um serviço ou no desenvolvimento e fabricação de um produto.1  Assim como as grandes indústrias investem em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I) ou em contrato de transferência de tecnologia para adquirir uma tecnologia e desenvolver produtos ou serviços, dezenas de empreendedores trilham o mesmo caminho em proporções econômicas menores.

A tecnologia apresenta-se como aliada do empreendedor, sendo objeto de muita preocupação desde a década de 80:

 “Numa pesquisa do autor sobre a criação de empresas industrias no setor de alimentos, realizada em 83 no Estado de São Paulo, foi possível acompanhar dificuldades econômicas, tecnológicas e burocráticas que bloqueiam o surgimento de novas empresas. Constatou-se que o posicionamento do aparelho burocrático regulador ou fiscalizador da atividade empresarial atua como um mecanismo que acaba inibindo o nascimento de novas empresas e dificultando a sobrevivência de empresas recém-criadas, instaladas em setores tradicionais. [...]. As experiências realizadas nos Estados Unidos como no Silicon Valley ou da Cité Scientifique de Grenoble na França ou, ainda, do Science Park na Inglaterra demonstram que o florescimento de novas empresas em setores de tecnologia de ponta e fruto de uma estreita cooperação científica e tecnológica entre os empreendedores e as instituições de pesquisa científica e tecnológica. Em termos de recursos financeiros, o esforço deve ser orientado para a criação de sociedades de capital e risco já bem sucedidas no financiamento de empresas de alto risco nos Estados Unidos e na Europa. Estas sociedades, criadas com pequena participação do estado e com recursos da iniciativa privada financia o projeto de criação da nova empresa retendo uma participação minoritária do novo empreendimento sem, entretanto, participar da gestão do mesmo. Os empreendedores dispõem de um prazo para readquirir as ações cedidas a sociedade financeira, tornando-se os únicos proprietários da empresa. A postura das autoridades governamentais face a criação de novas empresas pode ser um elemento motivador ou inibidor da iniciativa empresarial. Para estimular novas aventuras empresariais em setores de tecnologia de ponta seria preciso simplificar os procedimentos legais e burocráticos existentes para a regularização de uma nova empresa. Existem inúmeros órgãos públicos com procedimentos diferenciados que, de certa forma, interferem durante a fase de criação de um novo negocio. Estes procedimentos burocráticos acabam consumindo energia e recursos dos empreendedores, exatamente na fase onde a receita operacional não começou a fluir para os cofres da empresa. Em termos de fiscalização, nos diversos níveis, a ênfase nesta etapa e nos primeiros meses de vida da nova empresa deveria ser menos punitiva, como tradicionalmente tem sido, e, mais instrutiva. O objetivo seria instruir os novos empreendedores ao invés de puni-los por descuidos ou desconhecimento das complexas normas legais existentes” 2

Nos últimos anos, verificamos uma atenção especial do Estado quando ao tema (tecnologia X empreendedorismo), o que pode ser constatado pela edição de normas, dentre as quais destacamos a lei 13.874/19 (lei da Liberdade Econômica), a lei Complementar 182/21 (lei das startups e do empreendedorismo inovador), a lei 14.195/21.

Nasce uma visão estatal desburocratizada, facilitando a interseção entre o empreendedorismo e a tecnologia. A produção de um produto ou prestação de um serviço que detenha tecnologia, em regra, é realizado através da utilização de um dos tipos societários. O empreendedor, em regra, começa com uma estrutura mais simples, enxuta, valendo-se muitas vezes da empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), que era previsto no Art. 44, IV do CC, hoje revogado pela lei 14.382/22 (fruto da Medida Provisória 1.085/21), publicada em 28/06/22.

Com base no Art. 41 da lei 14.195/21, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), orientou as juntas comerciais de todo Brasil – desde o dia 09/09/21 – no seguinte sentido:

“a) Incluir na ficha cadastral da empresa individual de responsabilidade limitada já constituída a informação de que foi "transformada automaticamente para sociedade limitada, nos termos do Art. 41 da lei 14.195/21".  b) Dar ampla publicidade sobre a extinção da Eireli e acerca da possibilidade de constituição da sociedade limitada por apenas uma pessoa, bem como realizar medidas necessárias à comunicação dos usuários acerca da conversão automática das Eireli em sociedades limitadas. c) Abster-se de arquivar a constituição de novas empresas individuais de responsabilidade limitada, devendo o usuário ser informado acerca da extinção dessa espécie de pessoa jurídica no ordenamento jurídico brasileiro e sobre a possibilidade de constituição de sociedade limitada por apenas uma pessoa. d) Até o recebimento do ofício mencionado no parágrafo 12, realizar normalmente o arquivamento de alterações e extinções de empresas individuais de responsabilidade limitada, até que ocorra a efetiva alteração do código e descrição da natureza jurídica nos sistemas da Redesim” 3

As EIRELI’s transformam-se automaticamente, sem a necessidade de alteração do seu ato constitutivo, em sociedade limitada unipessoal (SLU). Pelo tempo da recomendação do DREI, acreditamos que a EIRELI já pode ter se transformado em SLU ou está em iminência de ser transformada. Longe da antiga burocracia exacerbada, facilita-se o desenvolvimento econômico do país através de uma atuação conjunta do Poder Legislativo e do Executivo Federal.

No entanto, surge um possível questionamento: a modificação automática teria o condão de modificar o capital social mínimo já lançado no ato constitutivo da EIRELI, obrigatoriamente de 100 (cem) salários mínimos?

Sabemos que o empreendedor que adquire tecnologia para o exercício de sua atividade está sujeito aos riscos de uma inovação tecnológica, razão pela qual é imprescindível se proteger com a limitação de sua responsabilidade.

A não modificação do ato constitutivo, nos parece manter o capital social no valor mínimo de cem salários mínimos, sendo este o parâmetro para responsabilização do empreendedor. Logo, o ideal seria atualizar o contrato social, especificamente no valor do capital social, caso haja preocupação quanto ao valor de limitação da responsabilidade.

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1 Novas tecnologias como cláusula geral de mitigação do rol taxativo da ANS

2 SANTOS, Silvio A. dos. A criação de empresas de tecnologia avançada. Revista de Administração, vol. 19(4), out/dez/84, p. 81-83.

3 https://jucisrs.rs.gov.br/upload/arquivos/202109/10155027-ofi-cio-circular-3510-2021-eireli.pdf 

 

Raphael Ricci Portella
Advogado do escritório Portella Advogados. Mestre em direito.

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